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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Luc Decaunes – Quatro Poemas da Véspera de Natal

Neste dia solene, véspera de Natal, nosso presente aos internautas vem sob a forma não de um poema, mas de quatro, de autoria do poeta francês Luc Decaunes, do modo como traduzidos ao português por Jamil Haddad.

Haddad deve tê-los extraído, conforme pude apurar na grande rede, da obra “L’air natal: suivi d'autres poèmes de captivité”, de 1944, observe-se, ano precedente ao término da 2GM.

Os poemas expressam identificações do próprio poeta com presumíveis visões de um recém-nascido, num manifesto recurso ao intimismo, às instâncias líricas, de forma a configurar uma epifania com alguma ressonância religiosa, explico-me melhor, capaz de dialogar com o tema da natividade, sob a metáfora do nascimento de um homem novo.

Natal é exatamente isso: renascer periodicamente para uma vida de novas e gratificantes experiências!

J.A.R. – H.C.

Poeta francês, contemporâneo. Prende-se à linha surrealista, com influências de André Breton e Paul Eluard. Dele diz Jean Rousselot: “Há nele um trovador místico, um delirante adorador da Beleza carnal, a um tempo divina e venenosa, e escreveu poemas de amor que permanecerão entre os mais belos de nossa literatura” (HADDAD, 1960, p. 105).

Luc Decaunes
(1913-2001)

Quatro Poemas da Véspera de Natal

Eis a hora
O poeta acorda, estende os braços sobre os bosques silenciosos dos rostos
Sobre o sono esquartejado
Oh noite

Noite maravilhosa e benéfica noite
Tuas pálpebras de diamante, tua fronte de amianto
A seda friorenta de tua face
O anel fechado de teus lábios
São as joias de que o poeta se orna
Para reconhecer-te a palavra

Na curva misteriosa dos ventos e das colinas
Afina-se o meu canto secreto
Como um harpista que roubasse
A forma de sua harpa ao romance que o espera
Eu sou o construidor de palavras
O sono não é meu bem
Mas a neve do tempo
Os astros solitários
Mas este peito de cortiça
Que se ergue em torno de meu torso trêmulo
Quando eu vigilo com tudo o que dorme

As formas

As papoulas da noite encantam o espaço.
Nem um rumor, a casa derrama-se
Mergulha na turfa de um tempo irreal

Uma rosa floresce neste minuto de sonho
Uma rosa dilacera o peito de gaze
Em que o amor dorme

Para ti a sabedoria, para mim a vigília lenta
E os pinhais de minha paixão
Eu darei o meu sangue e tudo o que me resta
Às trevas que brincam com a verdade
Às fecundas entranhas da surpresa
A este instante de vida negro como o carvão

Preside à minha escolha
Voz longínqua das paisagens
E tu, grande preguiça de olhos perfeitos
Seja o sacrifício que oferto ao silêncio
Penhor de minha esperança
Preço do que ela me ensina
Preside à minha escolha, como ao próprio amor,
Dá-me a força de esquecer que eu sou
O que é
E no palmo sagrado de teu grande rosto
Encerra uma verdade precisa e forte
Que possa dar-me a vida
Sem me matar

         Contracanto

Dormi entre os nós dos caniços
Ignorava o que fazia
A noite despertou-me como sonhando
Tive vergonha de mim, gritei
Trazia as mãos sobre este corpo imenso
Pus minha boca ao seio perfeito
Fiz-me pequeno como a forma nova

Que cresça em mim esta semente
Arrancada ao caminho rutilante do mundo
Que atiraste com negligencia
Sobre o dorso ligeiro da primeira nuvem
Sei coisas demais para saber
O valor da mensagem que entoas

Noite cúmplice, noite perfectível
Em que o Tempo se cumpre no espaço que mata
Em que tudo o que seduz
Se forma na sua perda

Resolução

Fala-se de mistério
E não se o vê
Fala-se de palavras
Que não escondem nada

A mão é nua
E só

No entanto um grande mito cumpriu-se
Dorme a vida sobre a sua outra face
Outro homem acorda no fundo de minhas entranhas.

Christmas Eve
(George Inness: 1825-1894)

Referência:

DECAUNES, Luc. Quatro poemas da véspera de Natal. In: HADDAD, Jamil Almansur (seleção, tradução e notas). Noite santa: antologia de poemas de Natal. São Paulo: Autores Reunidos, 1960. p. 107-109.

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