Neste dia solene, véspera de Natal, nosso presente aos internautas vem
sob a forma não de um poema, mas de quatro, de autoria do poeta francês Luc
Decaunes, do modo como traduzidos ao português por Jamil Haddad.
Haddad deve tê-los extraído, conforme pude apurar na grande rede, da
obra “L’air natal: suivi d'autres poèmes de captivité”, de 1944, observe-se, ano
precedente ao término da 2GM.
Os poemas expressam identificações do próprio poeta com presumíveis
visões de um recém-nascido, num manifesto recurso ao intimismo, às instâncias
líricas, de forma a configurar uma epifania com alguma ressonância religiosa,
explico-me melhor, capaz de dialogar com o tema da natividade, sob a metáfora
do nascimento de um homem novo.
Natal é exatamente isso: renascer periodicamente para uma vida de novas
e gratificantes experiências!
J.A.R. – H.C.
Poeta francês, contemporâneo. Prende-se
à linha surrealista, com influências de André Breton e Paul Eluard. Dele diz
Jean Rousselot: “Há nele um trovador místico, um delirante adorador da Beleza
carnal, a um tempo divina e venenosa, e escreveu poemas de amor que
permanecerão entre os mais belos de nossa literatura” (HADDAD, 1960, p. 105).
Luc Decaunes
(1913-2001)
Quatro Poemas da Véspera de Natal
Eis a hora
O poeta acorda,
estende os braços sobre os bosques silenciosos dos rostos
Sobre o sono esquartejado
Oh noite
Noite maravilhosa e
benéfica noite
Tuas pálpebras de
diamante, tua fronte de amianto
A seda friorenta de
tua face
O anel fechado de
teus lábios
São as joias de que o
poeta se orna
Para reconhecer-te a
palavra
Na curva misteriosa
dos ventos e das colinas
Afina-se o meu canto
secreto
Como um harpista que
roubasse
A forma de sua harpa
ao romance que o espera
Eu sou o construidor
de palavras
O sono não é meu bem
Mas a neve do tempo
Os astros solitários
Mas este peito de
cortiça
Que se ergue em torno
de meu torso trêmulo
Quando eu vigilo com tudo
o que dorme
As formas
As papoulas da noite
encantam o espaço.
Nem um rumor, a casa
derrama-se
Mergulha na turfa de
um tempo irreal
Uma rosa floresce
neste minuto de sonho
Uma rosa dilacera o
peito de gaze
Em que o amor dorme
Para ti a sabedoria,
para mim a vigília lenta
E os pinhais de minha
paixão
Eu darei o meu sangue
e tudo o que me resta
Às trevas que brincam
com a verdade
Às fecundas entranhas
da surpresa
A este instante de
vida negro como o carvão
Preside à minha
escolha
Voz longínqua das
paisagens
E tu, grande preguiça
de olhos perfeitos
Seja o sacrifício que
oferto ao silêncio
Penhor de minha
esperança
Preço do que ela me
ensina
Preside à minha
escolha, como ao próprio amor,
Dá-me a força de esquecer
que eu sou
O que é
E no palmo sagrado de
teu grande rosto
Encerra uma verdade
precisa e forte
Que possa dar-me a
vida
Sem me matar
Contracanto
Dormi entre os nós
dos caniços
Ignorava o que fazia
A noite despertou-me
como sonhando
Tive vergonha de mim,
gritei
Trazia as mãos sobre este
corpo imenso
Pus minha boca ao
seio perfeito
Fiz-me pequeno como a
forma nova
Que cresça em mim
esta semente
Arrancada ao caminho
rutilante do mundo
Que atiraste com
negligencia
Sobre o dorso ligeiro
da primeira nuvem
Sei coisas demais
para saber
O valor da mensagem
que entoas
Noite cúmplice, noite
perfectível
Em que o Tempo se
cumpre no espaço que mata
Em que tudo o que
seduz
Se forma na sua perda
Resolução
Fala-se de mistério
E não se o vê
Fala-se de palavras
Que não escondem nada
A mão é nua
E só
No entanto um grande
mito cumpriu-se
Dorme a vida sobre a
sua outra face
Outro homem acorda no
fundo de minhas entranhas.
Christmas Eve
(George Inness:
1825-1894)
Referência:
DECAUNES, Luc. Quatro poemas da véspera
de Natal. In: HADDAD, Jamil Almansur (seleção, tradução e notas). Noite santa: antologia de poemas de
Natal. São Paulo: Autores Reunidos, 1960. p. 107-109.
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