O distanciamento entre o meramente terreno e o celestial constitui o
substrato poético por trás do poema de Lorca, de que ora tratamos. Farta de
imagens venais e desoladoras, a poesia, em associação com o seu título, parece
sugerir que, no nascimento de Cristo, nada há de lustroso, e que, se o evento
ocorresse em meio ao cenário das grandes cidades contemporâneas, teria tudo
para passar despercebido.
Lorca faz referência depreciativa aos sacerdotes e querubins, que já não
inspiram confiança no plano religioso, pois suas verdades espirituais são tão
esvoaçantes quanto as forças da natureza que pressionam as placas de
propaganda, vazias, contudo, em meio ao estado de pura graça em que a cidade fica imersa. Os atuais adeptos de Lutero, segundo ele, cruzam as esquinas da urbe, a
apregoar um combinado de racionalidade e materialismo, no qual a mística,
modicamente, assume perspectivas secundárias.
J.A.R. – H.C.
Snow Falling, Times Square, N.Y.
Kay Crain: artista norte-americana
Nacimiento de Cristo
Un pastor pide teta
por la nieve que ondula
blancos perros
tendidos entre linternas sordas.
El Cristo de barro se
ha partido los dedos
en los filos eternos
de la madera rota.
¡Ya vienen las
hormigas y los pies ateridos!
Dos hilillos de
sangre quiebran el cielo duro.
Los vientres del
demónio resuenan por los valles
golpes y resonancias
de carne de molusco.
Lobos y sapos cantan
en las hogueras verdes
coronadas por vivos
hormigueros del alba.
La luna tiene un sueño
de grandes abanicos
y el toro sueña un
toro de agujeros y de agua.
El niño llora y mira
con un três en la frente.
San José ve en el
heno tres espinas de bronce.
Los pañales exhalan
un rumor de desierto
con cítaras sin
cuerdas y degolladas voces.
La nieve de Manhattan
empuja los anúncios
y lleva gracia pura
por las falsas ojivas.
Sacerdotes idiotas y
querubes de pluma
van detrás de Lutero
por las altas esquinas.
Snow Falling, The Bronx, N.Y.
(Kay Crain)
Nascimento de Cristo
Um pastor pede teta
pela neve que ondula
brancos cães
estendidos entre lanternas surdas.
O Cristo de barro
partiu os dedos
nos fios eternos da
madeira rota.
Já vêm as formigas e
os pés regelados!
Dois filetes de
sangue quebram o céu duro.
Os ventos do demônio
ressoam pelos vales
golpes e ressonâncias
de carne de molusco.
Lobos e sapos cantam
nas fogueiras verdes
coroadas por vivos
formigueiros de aurora.
A lua tem um sonho de
grandes leques
e o touro sonha um
touro de buracos e de água.
O menino chora e olha
com um três na frente.
São José vê no feno três
espinhas de bronze.
Os cueiros exalam um
rumor de deserto
com cítaras sem
cordas e degoladas vozes.
A neve de Manhattan
empurra os anúncios
e leva graça pura
pelas falsas ogivas.
Sacerdotes idiotas e
querubins de pena
vão atrás de Lutero
pelas altas esquinas.
Referência:
LORCA, Federico García. Nacimiento de
Cristo; Nascimento de Cristo. In: __________. Obra poética completa. Edição bilíngue. Tradução de William Agel de
Melo. Brasília: Ed. da UnB; São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 450-451.
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