Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Almeida Garrett - O Natal em Londres

Durante o seu exílio em Londres, Inglaterra, o escritor português Almeida Garrett redigiu o poema-chave apresentado neste ‘post’. Afirma ele que, em sua terra, distintamente daquela que lhe deu temporária acolhida – onde só se sabe comer carne crua e insípida, e as moças, ainda que belas, são pouco prendadas –, há comida e bebida farta, por vários dias em festa, como os da quadra natalina.

Diríamos que o poeta, à altura em que concebeu o poema, ainda não havia tragado álcool o suficiente, de sorte que os critérios para arranjar uma companheira estavam – como se diria? – ainda meio elevados! (rs).

Uma breve nota sobre a transcrição abaixo: ela se encontra tal e qual consta na obra referenciada ao final, observe-se, de origem lusitana. Portanto, não se estranhe a grafia diferente de algumas palavras.

J.A.R. – H.C.

Almeida Garrett
(1799-1854)

O Natal em Londres

Anathema sit.
CONC. TRID.

Que Natal este! – sempre sois herejes,
Meus amigos Ingleses.
Bem haja o santo padre e a sua bula
De fulminante anátema,
Que excomungou estes ilhéus descridos!
Oh! nunca a mão lhe doa
Ver na minha católica Lisboa
As festas de tal noite!
Sinos a repicar, moças aos bandos
Co’a a bem-trajada capa,
E o alvo-teso lenço em coca airosa,
D’onde um par de olhos negros
Dão as boas-festas ao vivaz desejo
Do tafulo devoto
Que embuçado acudiu no seu capote
À pactuada igreja!
Natal da minha terra, que lembranças
Saudosas e devotas
Tenho de tuas festas tão gulosas,
E de teus dias santos
Tão folgados e alegres! Como vinhas
Nos frios de Dezembro
De regalados fartes coroado
Aquecer corpo e alma
C’o o vinho quente, c’os os mechidos ovos,
E farta comezana!
E estes excomungados protestantes,
(Olhem que bruta gente)
Sempre casmurros, sempre enregelados,
Bebendo no seu ale,
E tasquinhando na carnal montanha
Do beef cru e insípido!
Pois os Christmas-pyes, gabado esmero
De sarmatas manjares!...
Olhem estas pequenas... são bonitas;
Mas que importa que o sejam
Se das Graças donosas praguejadas,
Rústicas e selvagens,
Nem dança airosa, nem alegre jogo
De divertidas prendas
Arranjar sabem, e passar o tempo
Em honesto folguedo!
Jogar um whist morno e taciturno,
Sentar-se em mona roda
Junto ao fogão, fazer um detestável
Chá preto e fedorento,
Sem ar, sem graça... – Oh madre natureza,
Quanto mal empregaste
A formosura, o mimo, as lindas cores
Que a tais estátuas deste!

(Londres - Dezembro de 1823) 



Referência:

GARRETT, Almeida. O Natal em Londres. In: TORRES, Alexandre Pinheiro (introdução, selecção e notas). Antologia da poesia portuguesa (Séc. XII-Séc. XX). Volume II (Sécs. XVII-XX). Porto (PT): Lello & Irmão, 1977. p. 733-734.

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