Durante o seu exílio em Londres,
Inglaterra, o escritor português Almeida Garrett redigiu o poema-chave apresentado
neste ‘post’. Afirma ele que, em sua terra, distintamente daquela que lhe deu
temporária acolhida – onde só se sabe comer carne crua e insípida, e as moças,
ainda que belas, são pouco prendadas –, há comida e bebida farta, por vários
dias em festa, como os da quadra natalina.
Diríamos que o poeta, à altura em que
concebeu o poema, ainda não havia tragado álcool o suficiente, de sorte que os
critérios para arranjar uma companheira estavam – como se diria? – ainda meio
elevados! (rs).
Uma breve nota sobre a transcrição
abaixo: ela se encontra tal e qual consta na obra referenciada ao final,
observe-se, de origem lusitana. Portanto, não se estranhe a grafia diferente de
algumas palavras.
J.A.R. – H.C.
Almeida Garrett
(1799-1854)
O Natal em Londres
Anathema sit.
CONC. TRID.
Que Natal este! –
sempre sois herejes,
Meus amigos Ingleses.
Bem haja o santo padre
e a sua bula
De fulminante anátema,
Que excomungou estes
ilhéus descridos!
Oh! nunca a mão lhe doa
Ver na minha católica
Lisboa
As festas de tal noite!
Sinos a repicar,
moças aos bandos
Co’a a bem-trajada capa,
E o alvo-teso lenço
em coca airosa,
D’onde um par de olhos negros
Dão as boas-festas ao
vivaz desejo
Do tafulo devoto
Que embuçado acudiu
no seu capote
À pactuada igreja!
Natal da minha terra,
que lembranças
Saudosas e devotas
Tenho de tuas festas
tão gulosas,
E de teus dias santos
Tão folgados e
alegres! Como vinhas
Nos frios de Dezembro
De regalados fartes
coroado
Aquecer corpo e alma
C’o o vinho quente, c’os
os mechidos ovos,
E farta comezana!
E estes excomungados
protestantes,
(Olhem que bruta gente)
Sempre casmurros,
sempre enregelados,
Bebendo no seu ale,
E tasquinhando na
carnal montanha
Do beef cru e insípido!
Pois os Christmas-pyes, gabado esmero
De sarmatas manjares!...
Olhem estas pequenas...
são bonitas;
Mas que importa que o sejam
Se das Graças donosas
praguejadas,
Rústicas e selvagens,
Nem dança airosa, nem
alegre jogo
De divertidas prendas
Arranjar sabem, e
passar o tempo
Em honesto folguedo!
Jogar um whist morno e taciturno,
Sentar-se em mona roda
Junto ao fogão, fazer
um detestável
Chá preto e fedorento,
Sem ar, sem graça... –
Oh madre natureza,
Quanto mal empregaste
A formosura, o mimo,
as lindas cores
Que a tais estátuas deste!
(Londres - Dezembro de 1823)
Referência:
GARRETT, Almeida. O Natal em Londres.
In: TORRES, Alexandre Pinheiro (introdução, selecção e notas). Antologia da poesia portuguesa (Séc. XII-Séc.
XX). Volume II (Sécs. XVII-XX). Porto (PT): Lello & Irmão, 1977. p.
733-734.
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