Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 14 de maio de 2014

T. S. Eliot – A Nomeação dos Gatos

Da obra “The Book of Practical Cats”, do britânico Thomas Stearns Eliot, transcrevemos abaixo o poema “The Naming of Cats”, contido no livro a que fazemos referência ao final desta postagem.

De ode a um superfamoso musical da Broadway – “Cats”, de Andrew Lloyd Webber –, a criação de Eliot, cômica, burlesca, faz referência a duas atribuições e a uma terceira e última autoatribuição, vale dizer, um nome familiar e geral, uma nome peculiar ou particular e um nome que o próprio gato se reserva o direito de se designar.

Destaque-se que as duas passagens grafadas com maiúsculas no corpo do texto constam do original – “Três nomes diferentes” e “O gato conhece a si mesmo” –, como se, a partir daí, o autor pretendesse nos ensinar algo novo sobre os bichanos. Certamente, Eliot as adotou para conferir certo foco e seriedade ao assunto tratado, coisa que, de resto, não chegaria a tanto!

Aproveitamos para oferecer, também, uma tradução do poema, de autoria do filósofo e escritor Rodrigo Suzuki Cintra, por ele disponibilizada em seu blog. Podemos ver que Rodrigo esmerou-se em manter o esquema de rimas alternadas do poema original, que lhe confere certa leveza e descontração – um grande mérito, certamente –, mas que por vezes leva a problemas irremediáveis.

Por exemplo: na terceira linha, Eliot claramente faz alusão ao “Chapeleiro Maluco”, da historinha “Alice no País das Maravilhas”, ao afirmar, literalmente, que “Você pode pensar à primeira vista que eu sou louco como um chapeleiro”. Mas o trocadilho e o símile se perdem com o termo “desvairado”, empregado na tradução.

Indubitavelmente, Eliot metaforiza a forma como nós, humanos, nos chamamos. O primeiro nome está associado ao modo como os outros nos veem, a opinião que de nós têm, a assumir, no texto, padrões mais fáceis e imediatos, enquanto “nomes sensíveis para o dia-a-dia” – nomes que são sugeridos ao longo do poema, mais do que afirmados, por meio de reiteradas anáforas.

O segundo nome refere-se à forma como nossos familiares e amigos mais próximos nos veem, algo já mais distinto e de classe superior, já que nos conhecem melhor, “nomes que nunca pertencem a mais de um gato”.

O terceiro e último nome, porque o “o gato conhece a si mesmo”, revela a forma como nós nos vemos, um nome quase impronunciável e pleno de adjetivações: afável, inefável, oculto, singular, inescrutável.

Para esse último nome, Eliot nos provoca pela repetição do verbo “pensar” – traduzido como “lembrar” –, num aparente titubeio, como que a nos alertar sobre as dúvidas que temos sobre nós mesmos, se tivéssemos que nos descrever de maneira fidedigna a outrem.

Você, leitor, saberia o seu nome íntimo?! Saberia pronunciá-lo sem hesitar?!

J.A.R. – H.C. 
T. S. Eliot
(1888-1965)

The Naming of Cats
(T. S. Eliot)

The Naming of Cats is a difficult matter,
It isn't just one of your holiday games;
You may think at first I'm as mad as a hatter
When I tell you, a cat must have THREE DIFFERENT NAMES.
First of all, there's the name that the family use daily,
Such as Peter, Augustus, Alonzo or James,
Such as Victor or Jonathan, George or Bill Bailey –
All of them sensible everyday names.
There are fancier names if you think they sound sweeter,
Some for the gentlemen, some for the dames:
Such as Plato, Admetus, Electra, Demeter −
But all of them sensible everyday names.
But I tell you, a cat needs a name that's particular,
A name that's peculiar, and more dignified,
Else how can he keep up his tail perpendicular,
Or spread out his whiskers, or cherish his pride?
Of names of this kind, I can give you a quorum,
Such as Munkustrap, Quaxo, or Coricopat,
Such as Bombalurina, or else Jellylorum −
Names that never belong to more than one cat.
But above and beyond there's still one name left over,
And that is the name that you never will guess;
The name that no human research can discover −
But THE CAT HIMSELF KNOWS, and will never confess.
When you notice a cat in profound meditation,
The reason, I tell you, is always the same:
His mind is engaged in a rapt contemplation
Of the thought, of the thought, of the thought of his name:
His ineffable effable
Effanineffable
Deep and inscrutable singular Name. 

“Cats” de Andrew L. Webber
(Foto de Joan Marcus)

O Nome dos Gatos
(T. S. Eliot)
                                      
Dar nome aos gatos é assunto complicado,
Não é apenas um jogo que divirta adolescentes;
Podem pensar, à primeira vista, que sou doido desvairado
Quando eu digo, um gato deve ter TRÊS NOMES DIFERENTES.
Primeiro, temos o nome que a família usa diariamente,
Como Pedro, Augusto, Alonso ou Zé Maria,
Como Vitor ou Jonas, Jorge ou Gui Clemente –
Todos nomes sensíveis para o dia-a-dia.
Há nomes mais requintados se pensam que podem soar melhor,
Alguns para os cavalheiros, outros para titia:
Como Platão, Demetrius, Electra ou Eleonor –
Mas todos eles são sensíveis nomes de todo dia.
Mas eu digo, um gato precisa ter um nome que é particular,
Um nome que lhe é peculiar, e que muito o dignifica,
De outro modo, como poderia manter sua cauda perpendicular,
Ou espreguiçar os bigodes, orgulhar-se de sua estica?
Dos nomes deste tipo, posso oferecer um quórum,
Como Munkustrap, Quaxo, ou Coricopato,
Como Bombalurina, ou mesmo Jellylorum –
Nomes que nunca pertencem a mais de um gato.
Mas, acima e para além, ainda existe um nome a suprir,
E este é o nome que você jamais cogitaria;
O nome que nenhuma investigação humana pode descobrir –
Mas O GATO E SOMENTE ELE SABE, e nunca o confessaria.
Se um gato for surpreendido com um olhar de meditação,
A razão, eu lhe digo, é sempre a mesma que o consome:
Sua mente está engajada em uma rápida contemplação
De lembrar, de lembrar, de lembrar qual é o seu nome:
Seu inefável afável
Inefavefável
Oculto, inescrutável e singular Nome.

Referências:

ELIOT, Thomas Stearns. The naming of cats. In: APPLEBEE, Arthur N. et al. The language of literature: british literature. Evanston, IL: McDougal Littell, 2007. p. 1070.

CINTRA, Rodrigo Sukuki. O nome dos gatos. Tradução de “The naming of cats” de T. S. Eliot. Disponível neste endereço. Acesso em: 8 mai 2014.
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