Haveria conflito entre a ciência e poesia? A
ciência tende a afastar, por completo, as quimeras e os mitos a que recorrem os
poetas para imaginar um mundo de beleza?
Se não for impróprio o que hei de afirmar,
talvez esse conflito seja aparentado daquele outro que o cientista social Max
Weber – como dizem, um dos “três porquinhos” da Sociologia, juntamente com Marx
e Durkheim –, já houvera levantado há algumas décadas, por meio de sua teoria
do “desencantamento do mundo”.
Em todo caso, o processo de racionalização do
mundo ocidental – a industrialização nele considerada – veio a devastar os
cenários do Parnaso e do Olimpo: toda a magia imanente à realidade deixou de ser
palpável, para se transformar num copo um pouco mais vazio!
E como a ciência contribuiu para tal processo!
Poe atribui-lhe o poder de haver desterrado vários mitos, em seu famoso poema
“To Science” – que abaixo transcrevemos no seu original, em inglês, e numa
versão em que nos esmeramos por manter intacta, pelo menos, a estrutura de
rimas do autor norte-americano.
Um olhar atento às suas palavras permite-nos
concluir que a Ciência, literalmente, logrou banir de seu palco quaisquer
referências aos Elfos, às Hamadríades, às Náiades e a Diana, todos eles
entidades de famosas mitologias europeias, a incorporar um substrato de sonho,
de espírito criador e de manifestação do belo, do qual somente a humanidade não
corrompida, de íntegro espírito, é capaz de usufruir!
Será mesmo que o cenário ficou melhor, desvestido de seus protagonistas
imaginários? Certamente que, para a Literatura, não! Logo ela que vive da
poesia e da criatividade de seus autores. Essa convicção é que configura o
elemento de defesa de Poe: a Ciência tem uma face predatória – e pouca
imaginação! –, já que, segundo ele, se volta a conceber realidades
maçantes.
Concordaria você com Poe, leitor?!
J.A.R. – H.C.
Edgar
Allan Poe
(1809-1849)
To
Science
Science!
true daughter of Old Time thou art!
Who
alterest all things with thy peering eyes.
Why
preyest thou thus upon the poet’s heart,
Vulture,
whose wings are dull realities?
How
should he love thee? or how deem thee wise?
Who
wouldst not leave him in his wandering
To
seek for treasure in the jewelled skies,
Albeit
he soared with an undaunted wing?
Hast
thou not dragged Diana from her car?
And
driven the Hamadryad from the wood
To
seek a shelter in some happier star?
Hast
thou not torn the Naiad from her flood,
The
Elfin from the green grass, and from me
The
summer dream beneath the tamarind tree?
Montagem Futurista de
Alex Andreev
(Artista de São
Petersburgo)
À Ciência
Ó Ciência! Do Vetusto Tempo descendes!
Com sagazes olhos as coisas transformas;
por que devorar-me o coração pretendes,
ó abutre, cujas asas são maçantes formas?
Como o vate há de amar-te ou fiar-te os louros,
se o impediste de vagar em suas quimeras
por céus ornados, à procura de tesouros,
ainda que, presto, ascendesse àquelas esferas?
Não sacaste Diana de sua biga a moscardo?
E acaso as Hamadríades do bosque não tiraste,
para em estrela mais feliz buscar resguardo?
Porventura as Náiades de sua fonte não exilaste,
idem o Elfo do verde prado, e a mim por igual,
ao pé do tamarindo, de todo sonho estival?
Referência:
POE,
Edgar Allan. To science. In:
__________. The raven and other favorite poems. New York, NY: Digireads, 2010. p. 37.
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