Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Ciência e Poesia: Conflito em Poe

Haveria conflito entre a ciência e poesia? A ciência tende a afastar, por completo, as quimeras e os mitos a que recorrem os poetas para imaginar um mundo de beleza?

 

Se não for impróprio o que hei de afirmar, talvez esse conflito seja aparentado daquele outro que o cientista social Max Weber – como dizem, um dos “três porquinhos” da Sociologia, juntamente com Marx e Durkheim –, já houvera levantado há algumas décadas, por meio de sua teoria do “desencantamento do mundo”.

 

Em todo caso, o processo de racionalização do mundo ocidental – a industrialização nele considerada – veio a devastar os cenários do Parnaso e do Olimpo: toda a magia imanente à realidade deixou de ser palpável, para se transformar num copo um pouco mais vazio!

 

E como a ciência contribuiu para tal processo! Poe atribui-lhe o poder de haver desterrado vários mitos, em seu famoso poema “To Science” – que abaixo transcrevemos no seu original, em inglês, e numa versão em que nos esmeramos por manter intacta, pelo menos, a estrutura de rimas do autor norte-americano.

 

Um olhar atento às suas palavras permite-nos concluir que a Ciência, literalmente, logrou banir de seu palco quaisquer referências aos Elfos, às Hamadríades, às Náiades e a Diana, todos eles entidades de famosas mitologias europeias, a incorporar um substrato de sonho, de espírito criador e de manifestação do belo, do qual somente a humanidade não corrompida, de íntegro espírito, é capaz de usufruir!


Será mesmo que o cenário ficou melhor, desvestido de seus protagonistas imaginários? Certamente que, para a Literatura, não! Logo ela que vive da poesia e da criatividade de seus autores. Essa convicção é que configura o elemento de defesa de Poe: a Ciência tem uma face predatória – e pouca imaginação! –, já que, segundo ele, se volta a conceber realidades maçantes.

 

Concordaria você com Poe, leitor?!

 

J.A.R. – H.C. 

 

Edgar Allan Poe

(1809-1849)

 

To Science

 

Science! true daughter of Old Time thou art!

Who alterest all things with thy peering eyes.

Why preyest thou thus upon the poet’s heart,

Vulture, whose wings are dull realities?

 

How should he love thee? or how deem thee wise?

Who wouldst not leave him in his wandering

To seek for treasure in the jewelled skies,

Albeit he soared with an undaunted wing?

 

Hast thou not dragged Diana from her car?

And driven the Hamadryad from the wood

To seek a shelter in some happier star?

 

Hast thou not torn the Naiad from her flood,

The Elfin from the green grass, and from me

The summer dream beneath the tamarind tree? 

 

Montagem Futurista de Alex Andreev

(Artista de São Petersburgo)

 

À Ciência

 

Ó Ciência! Do Vetusto Tempo descendes!

Com sagazes olhos as coisas transformas;

por que devorar-me o coração pretendes,

ó abutre, cujas asas são maçantes formas?

 

Como o vate há de amar-te ou fiar-te os louros,

se o impediste de vagar em suas quimeras

por céus ornados, à procura de tesouros,

ainda que, presto, ascendesse àquelas esferas?

 

Não sacaste Diana de sua biga a moscardo?

E acaso as Hamadríades do bosque não tiraste,

para em estrela mais feliz buscar resguardo?

 

Porventura as Náiades de sua fonte não exilaste,

idem o Elfo do verde prado, e a mim por igual,

ao pé do tamarindo, de todo sonho estival?

 

Referência:

 

POE, Edgar Allan. To science. In: __________. The raven and other favorite poemsNew York, NY: Digireads, 2010. p. 37.

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