O norte-americano William Burroughs foi outro crítico e escritor que, já
mais para o fim de sua vida, cedeu aos encantos dos gatos. Muitos o conhecem
pelos experimentos literários radicais, ou melhor, pela produção de textos em
estados de consciência alterados por drogas, fato relativamente comum entre os
que, lá pelos anos 60 e 70 do século passado, abraçaram o filão da
contracultura.
Em sua biografia de Burroughs, Phil Baker (2010, p. 183) dá-nos ciência
do quanto Burroughs era preocupado com os bichanos: para ele, todos os
edifícios deveriam portar um adesivo na porta da frente, para alertar os
serviços de emergência de que haveria gatos a serem salvos em seu interior. Ou
ainda, quando perguntado sobre a perspectiva de um holocausto nuclear, apenas
manifestou o seu receio pelo bem-estar dos seus felídeos.
Decerto tais comportamentos revelam alguma espécie de desajuste nos
relacionamentos com os seus pares humanos. Com olhos só para os seus queridos,
Burroughs (2010, p. 18) arremata: “O gato não oferece serviços. Ele se oferece.
Claro que ele quer carinho e abrigo. O amor não é de graça. Como todas as
criaturas puras, os gatos são pragmáticos”.
J.A.R. – H.C.
Burroughs (1914-1997)
e um de seus Gatos
O Gato Branco
O gato branco simboliza a lua prateada
que se intromete nos cantos e purifica o céu para o dia seguinte. O gato branco
é o “limpador”, ou “o animal que se limpa”, descrito pela palavra em sânscrito Margaras, que significa “o caçador que
segue a trilha; o investigador; o rastreador ágil”. O gato branco é o caçador e
o matador, e seu caminho é iluminado pela lua prateada. Todos os lugares e
pessoas escondidos nas sombras são revelados sob essa luz suave inexorável.
Você não consegue afastar seu gato branco porque seu gato branco é você. Não
pode se esconder de seu gato branco, porque seu gato branco se esconde em você.
(BURROUGHS, 2010, p. 39).
Um Adulador
Alguém disse que os
gatos são o animal mais distante do modelo humano. Isso depende da linhagem de
humanos a que você está se referindo e, é claro, a que gatos. Acho que, às
vezes, os gatos são estranhamente humanos.
Em 1963, Ian
Sommerville e eu tínhamos acabado de nos mudar para a casa nº 4 da Calle
Larachi, em Tânger. Vários gatos estavam reunidos diante da porta aberta.
Zanzavam de um lado para outro, mas tinham medo de chegar mais perto. Um gato
branco se aproximou. Estendi a mão. O gato, que andava de um lado para o outro
sem se afastar, arqueou as costas e ronronou sob meu carinho, como os gatos têm
feito desde que o primeiro deles foi domesticado.
Os outros gatos
rosnaram e gemeram em protesto.
– Puxa-saco! (BURROUGHS, 2010, p. 59)
Projeção Mental
Eu já disse que gatos servem como
Familiares, companheiros psíquicos. “Ele são mesmo uma companhia”. Os
Familiares de um velho escritor são suas memórias, cenas e personagens de seu
passado, real ou imaginário. Um psicanalista diria que eu estou simplesmente
projetando essas fantasias em meus gatos. Sim, de maneira bem simples e
literal, os gatos servem como telas sensitivas para atitudes bastante precisas
quando escalados em papéis apropriados. Os papéis podem mudar e um gato pode
assumir vários papéis: minha mãe; minha esposa, Joan; Jane Bowles; meu filho,
Billy; meu pai; Kiki e outros amigos; Denton Welch, que me influenciou mais que
qualquer outro escritor, apesar de nunca termos nos conhecido. Os gatos podem
ser meu último elo vivo com uma espécie moribunda. (BURROUGHS, 2010, p. 75)
Capa da Obra
“The Cat Inside” ou
“O Gato por Dentro”
Referência:
BAKER, Phil. William S.
Burroughs: 1914-1997. London: Reaktion Books, 2010. (Critical Lives)
BURROUGHS, William. O gato por dentro. Tradução de Edmundo
Barreiros. Porto Alegre: L&PM, 2010. (Coleção L&PM Pocket, v. 547)
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