Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 17 de maio de 2014

Burroughs – Projeções Mentais no Gato Branco e no Puxa-Saco

O norte-americano William Burroughs foi outro crítico e escritor que, já mais para o fim de sua vida, cedeu aos encantos dos gatos. Muitos o conhecem pelos experimentos literários radicais, ou melhor, pela produção de textos em estados de consciência alterados por drogas, fato relativamente comum entre os que, lá pelos anos 60 e 70 do século passado, abraçaram o filão da contracultura.

Em sua biografia de Burroughs, Phil Baker (2010, p. 183) dá-nos ciência do quanto Burroughs era preocupado com os bichanos: para ele, todos os edifícios deveriam portar um adesivo na porta da frente, para alertar os serviços de emergência de que haveria gatos a serem salvos em seu interior. Ou ainda, quando perguntado sobre a perspectiva de um holocausto nuclear, apenas manifestou o seu receio pelo bem-estar dos seus felídeos.

Decerto tais comportamentos revelam alguma espécie de desajuste nos relacionamentos com os seus pares humanos. Com olhos só para os seus queridos, Burroughs (2010, p. 18) arremata: “O gato não oferece serviços. Ele se oferece. Claro que ele quer carinho e abrigo. O amor não é de graça. Como todas as criaturas puras, os gatos são pragmáticos”.

J.A.R. – H.C. 
Burroughs (1914-1997)
e um de seus Gatos

O Gato Branco

O gato branco simboliza a lua prateada que se intromete nos cantos e purifica o céu para o dia seguinte. O gato branco é o “limpador”, ou “o animal que se limpa”, descrito pela palavra em sânscrito Margaras, que significa “o caçador que segue a trilha; o investigador; o rastreador ágil”. O gato branco é o caçador e o matador, e seu caminho é iluminado pela lua prateada. Todos os lugares e pessoas escondidos nas sombras são revelados sob essa luz suave inexorável. Você não consegue afastar seu gato branco porque seu gato branco é você. Não pode se esconder de seu gato branco, porque seu gato branco se esconde em você. (BURROUGHS, 2010, p. 39).

Um Adulador

Alguém disse que os gatos são o animal mais distante do modelo humano. Isso depende da linhagem de humanos a que você está se referindo e, é claro, a que gatos. Acho que, às vezes, os gatos são estranhamente humanos.
Em 1963, Ian Sommerville e eu tínhamos acabado de nos mudar para a casa nº 4 da Calle Larachi, em Tânger. Vários gatos estavam reunidos diante da porta aberta. Zanzavam de um lado para outro, mas tinham medo de chegar mais perto. Um gato branco se aproximou. Estendi a mão. O gato, que andava de um lado para o outro sem se afastar, arqueou as costas e ronronou sob meu carinho, como os gatos têm feito desde que o primeiro deles foi domesticado.
Os outros gatos rosnaram e gemeram em protesto.
– Puxa-saco! (BURROUGHS, 2010, p. 59)

Projeção Mental

Eu já disse que gatos servem como Familiares, companheiros psíquicos. “Ele são mesmo uma companhia”. Os Familiares de um velho escritor são suas memórias, cenas e personagens de seu passado, real ou imaginário. Um psicanalista diria que eu estou simplesmente projetando essas fantasias em meus gatos. Sim, de maneira bem simples e literal, os gatos servem como telas sensitivas para atitudes bastante precisas quando escalados em papéis apropriados. Os papéis podem mudar e um gato pode assumir vários papéis: minha mãe; minha esposa, Joan; Jane Bowles; meu filho, Billy; meu pai; Kiki e outros amigos; Denton Welch, que me influenciou mais que qualquer outro escritor, apesar de nunca termos nos conhecido. Os gatos podem ser meu último elo vivo com uma espécie moribunda. (BURROUGHS, 2010, p. 75) 

Capa da Obra
“The Cat Inside” ou
“O Gato por Dentro”

Referência:

BAKER, Phil. William S. Burroughs: 1914-1997. London: Reaktion Books, 2010. (Critical Lives)

BURROUGHS, William. O gato por dentro. Tradução de Edmundo Barreiros. Porto Alegre: L&PM, 2010. (Coleção L&PM Pocket, v. 547)
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