Em soneto do francês Jules Laforgue, nascido em
Montevidéu (Uruguai), somos inteirados das questões que o poeta se coloca na
tentativa de perscrutar a intimidade de sua gata, como se buscasse decifrar o
que estaria ela a pensar sobre as mais humanas vicissitudes. Tudo em vão,
diz-nos ele, se estamos a lidar com uma esfinge, incapaz ainda de verbalizar o
seu interno!
Um ponto que deixou-me em suspenso na tradução do
poema foi o fato de o seu título exibir o substantivo feminino “chatte” (gata),
embora o corpo do soneto traga referências ao masculino “chat” (gato), em
aparente contradição. Seja como for, a versão ao português que ora apresento
altera o gênero no corpo do soneto, para elidir esse aparente contratempo.
J.A.R. – H.C.
Jules Laforgue
(1860-1887)
À la Mémoire d’une Chatte Naine que J’avais
Ô mon beau chat frileux, quand l’automne morose
Faisait glapir plus fort les mômes dans les cours,
Combien passâmes-nous
de ces spleeniques jours
À rêver face à face
en ma chambre bien close.
Lissant ton poil
soyeux de ta langue âpre et rose
Trop grave pour les
jeux d’autrefois et les tours,
Lentement tu venais
de ton pas de velours
Devant moi t’allonger
en quelque noble pose.
Et je songeais, perdu
dans tes prunelles d’or:
- Il ne soupçonne rien, non, du globe stupide
Qui l’emporte avec
moi tout au travers du vide,
Rien des astres
lointains, des dieux ni de la mort?
Pourtant !... quels yeux profonds !... parfois...
il m’intimide
Saurait-il donc le mot? - Non, c’est le sphinx encore.
À Memória de uma Gata Anã que Eu Tinha
Ó minha bela e friorenta gata, quando o outono sombrio
Fazia estridular mais forte os gritos das crianças nas salas,
Quantos dias de tédio juntos passamos
A sonhar encerrados em meu quarto face a face.
Tua língua rosa e áspera alisava o pelo sedoso
Algo bem austero ante os jogos de outrora e os passeios,
Lentamente vinhas com teu passo de veludo
À minha frente te alongar numa pose nobre qualquer.
E eu especulava, perdido em tuas pupilas de ouro:
– Não suspeita nada, nada, do absurdo globo
Que a arrasta comigo através do vazio,
Nada de astros longínquos, de deuses nem da morte?
Contudo!... esses olhos profundos!... às vezes... me intimidam
Compreenderia então as palavras? – Não, ainda é uma esfinge.
Referência:
LEMAÎTRE, Jules. À la mémoire d’une chatte naine que j’avais. In: NOVARINO-POTHIER, Albine (Éd.). Le chat em 60 poèmes. Paris: Omnibus, 2013. p. 76.
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