Já aqui aparecido, num outro poema, Borges agora retorna para nos falar
das dúvidas que temos quando vemos os animais – o seu gato branco Beppo, no
caso, presente na foto acima com o escritor – mirarem-se num espelho.
De minha parte, penso que, sobretudo entre os bichos do sexo masculino,
eles julgam que passou a haver concorrência ao domínio mais ou menos absoluto
que antes detinham no mesmo espaço. Ou, então, por que será que um belo
bem-te-vi, todas as manhãs, posta-se em frente ao vidro espelhado, no moderno
prédio diante do meu apartamento, e fica ali bicando a vidraça até não poder
mais resistir ao cansaço? (rs).
Uma nota: Beppo é a abreviatura de “Giuseppe”, esposo de Laura, no
famoso poema em italiano, do inglês Lord Byron, “Beppo: uma história veneziana”.
Como se nota, Borges nomeia o seu gato com uma referência que não exorbita à
própria literatura...
J.A.R. – H.C.
Borges e Beppo
(Foto de Paola Agosti
em 1980)
Beppo
El gato blanco y
célibe se mira
en la lúcida luna del
espejo
y no puede saber que
esa blancura
y esos ojos de oro
que no ha visto
nunca en la casa son
su propia imagen.
¿Quién le dirá que el
otro que lo observa
es apenas un sueño
del espejo?
Me digo que esos
gatos armoniosos,
el de cristal y el de
caliente sangre,
son simulacros que
conceden al tiempo
un arquetipo eterno.
Así lo afirma,
sombra también,
Plotino en las Ennéadas.
¿De qué Adán anterior
al paraíso,
de qué divinidad
indescifrable
somos los hombres un
espejo roto?
Beppo
O gato branco e solipso
se mira
na lúcida lua do
espelho
e não pode saber que
tal brancura
e esses olhos de ouro
nunca vistos
antes na casa são a
sua própria imagem.
Quem lhe dirá que o
outro que o observa
é apenas um sonho do
espelho?
Digo-me que esses
gatos harmoniosos,
o de cristal e o de quente
sangue,
são simulacros que
concedem ao tempo
um arquétipo eterno.
Assim o afirma,
pressagia também,
Plotino nas Enéadas.
De que Adão anterior
ao paraíso,
de que divindade
indecifrável
somos os homens um espelho
fendido?
Referência:
BORGES, Jorge Luis. Beppo. In:
__________. Obras completas:
1975-1985; La cifra. Tomo II. 1. ed. Buenos Aires: Emecé, 1989. p. 297.
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