Heinrich Heine
(1797-1856)
Em engraçado poema do grande poeta judeu-alemão Heinrich Heine, “Mimi”,
assomam os denominados “gatos musicais”, capazes de desenvolver genuíno
concerto nos telhados da vida.
Heine – como Thomas Grey, neste poema
em que faz referência às Nereidas, filhas de Nereu e de Dóris, na mitologia
grega, sempre prontas a ajudar os navegantes em perigo –, toma também à
mitologia três deusas que vêm bastante ao caso em que se revela sua criação:
Filomela, Selene e Aurora.
Filomela é uma figura da mitologia grega conhecida por ser a amante do
canto. Teria sido transformada num rouxinol, para escapar da perseguição de
Teseu, motivo por que a versão em inglês do poema, igualmente transcrita a
seguir, sequer faz referência direta e explícita ao seu nome, senão o associa à
palavra “nightingale”, o equivalente em inglês para o referido pássaro.
Selene, por sua vez, é o nome da deusa grega da lua – ou de outro modo,
a sua própria personificação –, e Aurora, da deusa romana do amanhecer,
equivalente à deusa grega Eos.
Feitos os devidos esclarecimentos, vão aqui a transcrição do original em
alemão, uma versão em inglês e uma última que desenvolvi para o nosso idioma.
J.A.R. – H.C.
Mimi
“Bin kein sittsam Bürgerkätzchen,
Nicht im frommen Stübchen spinn ich.
Auf dem Dach, in freier Luft,
Eine freie Katze bin ich”.
“Wenn ich sommernächtlich schwärme,
Auf dem Dache, in der Kühle,
Schnurrt und knurrt in mir Musik,
Und ich singe was ich fühle”.
Also spricht sie. Aus dem Busen
Wilde Brautgesänge quellen,
Und der Wohllaut lockt herbei
Alle Katerjunggesellen.
Alle Katerjunggesellen,
Schnurrend, knurrend, alle kommen,
Mit Mimi zu musizieren,
Liebelechzend, lustentglommen.
Das sind keine Virtuosen,
Die entweiht jemals für Lohngunst
Die Musik, sie blieben stets
Die Apostel heil’ger Tonkunst.
Brauchen keine Instrumente,
Sie sind selber Bratsch und Flöte;
Eine Pauke ist ihr Bauch,
Ihre Nasen sind Trompeten.
Sie erheben ihre Stimmen
Zum Konzert gemeinsam jetzo;
Das sind Fugen, wie von Bach
Oder Guido von Arezzo.
Das sind tolle Symphonien,
Wie Capricen von Beethoven
Oder Berlioz, der wird
Schnurrend, knurrend übertroffen.
Wunderbare Macht der Töne!
Zauberklänge sondergleichen!
Sie erschüttern selbst den Himmel,
Und die Sterne dort erbleichen.
Wenn sie hört die Zauberklänge,
Wenn sie hört die Wundertöne,
So verhüllt ihr Angesicht
Mit dem Wolkenflor Selene.
Nur das Lästermaul, die alte
Prima-Donna Philomele
Rümpft die Nase, schnupft und schmäht
Mimis Singen - kalte
Seele!
Doch gleichviel! Das
musizieret,
Trotz dem Neide der
Signora,
Bis am Horizont erscheint
Rosig lächelnd Fee Aurora.
Mimi
“I’m no modest city creature
By the hearth demurely spinning,
But a free cat on the roof,
“In the air, with manners winning”.
“When in summer nights I’m musing
On the roof, in grateful coolness,
Music in me purrs, I sing
From my heart’s o’erpowering fulness”.
Thus she speaks, and from her bosom
Wild and wedding-songs stream thickly,
And the melody allures
All the cats unmarried quickly.
Purring, mewing, thither hasten
All the young cats, plain or brindled,
And with Mimi join in chorus,
Full of love, with passion kindled.
They are no mere virtuosos
Who profane, for sordid wages,
Music, but of harmony
Are apostles true, and sages.
They no instruments use ever,
Each is his own flute and viol;
All their noses trumpets are,
Bellies, drums, and no denial.
They in chorus raise their voices,
In one general intermezzo,
Playing fugues, as if by Bach,
Or by Guido of Arezzo.
Wild the symphonies they’re singing,
Like capriccios of Beethoven,
Or of Berlioz, who’s excell’d
By their strains so interwoven.
Wonderful their music’s might is!
Magic notes without an equal!
E’en the heavens they shake, the stars
All turn pallid in the sequel.
When the magic notes she heareth,
And the wondrous tones delightful,
Then Selene hides her face
With a veil of clouds so frightful.
But the nightingale with envy –
Scandalous old prima donna –
Turns her nose up, snuffs, and scorns
Mimi’s voice, to her dishonor.
Never mind! She’ll go on singing
Spite the envy of Signora,
Till on the horizon’s seen,
Smiling rosily, Aurora.
Mimi
“Não sou uma gatinha
burguesa e pudica,
Nem dedicada a quedar-se
entre quatro paredes.
Sobre o telhado, ao
ar fresco,
Sou eu uma gata livre”.
“Quando devaneio
durante as noites de verão,
Sobre o teto, em meio
à fria brisa,
A música em mim rosna
e ronrona,
E eu canto o que
sinto”.
Assim ela se expressa.
E do seu peito
Jorram selvagens
canções de esponsais,
E a melodia atrai de
todas as partes
Jovens solteiros da
tribo dos gatos.
Os jovens solteiros
da tribo dos gatos,
Rosnando, ronronando,
acorrem todos,
Unindo-se ao coro com
Mimi,
Ardentes de amor, ávidos
de luxúria.
Eles não são meros
virtuoses
Que profanam, por
sórdidos salários,
A música; senão
verdadeiros apóstolos
Da sagrada arte
musical.
De instrumentos eles
não fazem caso,
Eles próprios são
violino e flauta;
Timbales são seus
ventres,
E seus narizes são
trombetas.
Todos juntos elevam
suas vozes
Agora num concerto em
conjunto;
A articularem fugas,
como as de Bach
Ou de Guido d’Arezzo.
São sinfonias
soberbas o que eles cantam,
Como os caprichos de
Beethoven
Ou de Berlioz, a quem
superam
Pelos seus ronronados
e rosnados.
Maravilhoso poder dos
tons!
Acentos mágicos e
inigualáveis!
Eles comovem o
próprio céu
E empalidecem as
estrelas.
Quando ouve essas
mágicas notas,
Escuta tão
deslumbrante harmonia,
No alto dos céus encobre
o rosto
Selene, com um manto
de nuvens.
Somente a maledicente,
a velha
Prima dona Filomela
Franze o nariz, a
bufar e a desprezar
O canto de Mimi –
alma gélida!
Pouco importa! Segue
a sessão musical
Apesar do ciúme da Signora,
Até aparecer no
horizonte
Rosada e sorridente a
fada Aurora.
Referências:
Do Poema em Alemão
HEINE, Heinrich. Mimi. In: __________. Heinrich Heine’s Sämmtliche Werke. Vierter Band, Wintermärchen,
Utta Troll, Romanzero, Neueste Gedichte, Fünfte Auflage. Philadelphia: Verlag
von John Wein & Co., 1859. p. 338-339.
Do Poema em Inglês
HEINE, Heinrich. Mimi. In: __________. The poems of Heine. Translated by Edgar Alfred Bowring. London:
Longman, Brown, Green, Longmans, & Roberts., 1859. p. 535-536.
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