(Para ler a Parte I, acesse aqui)
(Continuação da “Teoria
da Norma Jurídica”)
III. As
Proposições Prescritivas (p. 49-84)
O
autor inicia este capítulo observando que considerará a norma em seu ponto de
vista formal, ou melhor, em sua estrutura, independentemente de seu conteúdo.
Assim, seu estudo atenta para a norma em sua estrutura lógico-linguística (p.
49).
Em
seu estudo formal das normas jurídicas, Bobbio analisa três diferentes espécies
de formalismos, a cuidarem de
problemas diversos: (i) ético:
procura responder à pergunta sobre o que é a justiça; (ii) jurídico: ambiciona definir o que é o direito; e (iii) científico: investiga como deve se
comportar a ciência jurídica e o trabalho dos juristas. Cada um desses
formalismos pressupõe a ocorrência do outro, sendo todos necessários, conclui
Bobbio, para um conhecimento pleno da experiência jurídica (p. 50-51).
Passando
à análise formal da norma, o autor a define como uma proposição, entendida esta como um conjunto de palavras que possuem
um significado em sua unidade. Um código ou uma constituição nada mais são do
que um conjunto de proposições pertencentes à categoria geral das proposições prescritivas (p. 52).
Diz
Bobbio que a sua linha de investigação desenvolver-se-á em quatro fases, a
constituírem o objeto de cada um dos capítulos subsequentes da obra sob
comento: (i) estudo das proposições prescritivas e sua distinção dos outros
tipos de proposições; (ii) exame e crítica das principais teorias sustentadas
sobre a estrutura formal da norma jurídica; (iii) estudo dos elementos
específicos da norma jurídica como prescrição; e (iv) classificação das
prescrições jurídicas (p. 52).
A
forma mais comum de uma proposição é um juízo,
ou seja, uma proposição composta por um sujeito e um predicado, do tipo “S é
P”. Distintamente, o enunciado nada
mais é do que a forma gramatical e linguística pela qual um dado significado é
expresso. Logo, uma norma é uma proposição prescritiva não necessariamente
redutível a um juízo, podendo ser expressa por diversos enunciados. Segue daí
que uma proposição pode ser verdadeira ou
falsa, mas uma norma jurídica não se reveste de tais atributos, senão de validade ou invalidade, ou, quando muito, de justiça ou injustiça (p.
53-54).
Bobbio
adota dois critérios para distinguir as proposições: a forma gramatical, atenta ao modo pelo qual a proposição é expressa,
e a função, que diz respeito ao fim
a que se propõe alcançar aquele que a pronuncia. Relativamente à forma
gramatical, as proposições podem ser declarativas,
interrogativas, imperativas e exclamativas.
Quanto à função, podem ser asserções,
perguntas, comandos e exclamações.
Destacando a função de comando, Bobbio a associa à pretensão de influir no
comportamento alheio, para modificá-lo. Por esse motivo, a forma imperativa é a
forma preferencial dos comandos, ainda que a mesma forma gramatical possa
exprimir diversas funções (p. 54-57).
A
linguagem detém, conforme o autor, três funções distintas, que quase sempre se
manifestam mescladas no discurso: (i) descritiva;
(ii) expressiva; e (iii) prescritiva. Destaque-se que a maioria
das normas jurídicas modula-se sob a forma de proposições prescritivas, de
comandos expressos no mais das vezes de forma declarativa (p. 57-59).
Bobbio
passa a enfrentar, então, o problema lógico da distinção entre proposições descritivas e proposições prescritivas, propondo três
características básicas que as diferenciam: a função, o comportamento do
destinatário e o critério de
valoração. Enquanto as proposições
descritivas têm a função de informar outrem, sendo prova de sua aceitação a
crença, imputando-se-lhes os adjetivos de verdadeiras ou falsas, as proposições prescritivas objetivam
modificar o comportamento de outrem, sendo prova de sua aceitação a execução,
podendo ser válidas ou inválidas, justas ou injustas (p. 59-61).
O
autor acrescenta, ainda, outros bons comentários: (i) o critério de valoração
empregado para se aceitar ou rejeitar uma prescrição descritiva é a sua
correspondência com os fatos (critério
de verificação empírica) ou com postulados auto-evidentes (critério de verificação racional); e
(ii) o critério de valoração empregado para se aceitar ou rejeitar uma
proposição prescritiva é a sua correspondência com os valores últimos (critério de justificação material) ou a
derivação das fontes primárias de produção normativa (critério de justificação formal) (p. 61-62).
Frente
à tese reducionista segundo a qual as prescrições podem ser reduzidas a
descrições capazes de definir o que acontecerá depois de um determinado
comportamento, Bobbio faz as seguintes objeções: (i) fundamenta-se no princípio
de que sempre há uma sanção prevista pela norma, o que nem sempre é verdadeiro;
(ii) ainda que a norma expresse uma sanção, o desconforto com ela não pode ser
avaliado antecipadamente, em virtude de que sua valoração somente é passível de
apuração em cada caso concreto; e (iii) a sanção é, em si, uma obrigação, pois
quem está no poder deve necessariamente aplicá-la (p. 63-66).
De
modo similar, o autor refuta a tese reducionista de que as proposições
prescritivas podem ser reduzidas a expressões, tornando explícita a vontade de
quem emite o comando, com três argumentos: (i) ainda que se altere a forma da
norma de prescritiva para expressiva, modifica-se apenas a forma, pois o escopo
é sempre fazer alguma coisa a alguém, eis que a função da prescrição não muda;
(ii) a participação emotiva do emitente do comando, tema caro à forma
expressiva, mostra-se como uma condição supérflua; e (iii) a lei perdura no
tempo e, no curso de sua existência, separa-se da vontade do legislador,
continuando a ter sua função de controle, independentemente das avaliações que
lhe deram origem (p. 67-69).
Voltando-se
mais detidamente às proposições prescritivas (regras jurídicas, morais etc.),
Bobbio, reconhecendo a existência de muitos outros, seleciona três critérios
que lhe parecem relevantes: (i) de acordo com a relação entre sujeito ativo e
passivo da prescrição; (ii) de acordo com a forma; e (iii) de acordo com a
força obrigante (p. 69).
Com
relação ao primeiro critério, a relacionar os sujeitos ativo e passivo, distinguem-se os imperativos autônomos dos imperativos
heterônomos. Denominam-se autônomos aqueles imperativos nos quais a mesma
pessoa é quem estabelece a norma e quem a executa. Chamam-se heterônomos
aqueles nos quais quem dita a norma e quem a executa são duas pessoas
distintas. Essa distinção, introduzida por Kant em Fundamentos da Metafísica dos Costumes, assegura que a moral se
expressa em imperativos autônomos e que o direito o faz por imperativos
heterônomos ou, em outras palavras, que quando nos comportamos moralmente não
obedecemos a ninguém distinto de nós mesmos, mas quando atuamos juridicamente
obedecemos às leis que, pelo contrário, nos são impostos por outros (p. 69-72).
Quanto
à forma, distinguem-se os comandos
em imperativos categóricos e os imperativos hipotéticos. Os primeiros
são aqueles que prescrevem uma boa ação em si mesma, em sentido absoluto, que
deve ser cumprida incondicionalmente, tal como não se deve mentir. Distintamente, os imperativos ou comandos
hipotéticos prescrevem uma boa ação para se atingir um fim, ou seja, deve-se
cumpri-la condicionalmente sob a hipótese de se desejar atingir esse fim.
Segundo Kant, os imperativos categóricos seriam próprios da moral, podendo-se
chamar, portanto, de normas éticas (p. 72-75).
Outro
critério de distinção, no âmbito das proposições prescritivas, relaciona-se à força vinculante. Diferentemente dos imperativos ou comandos, que têm maior
força vinculante, porquanto são prescrições obrigatórias, existem proposições
que não buscam determinar o comportamento alheio, muito embora tenham
relevância no mundo do direito: os conselhos
e as instâncias (p. 76).
Para
Bobbio, a distinção entre os comandos
e conselhos pode servir para
diferenciar direito da moral: enquanto o direito obriga, a moral apenas
aconselha. Para Hobbes, todavia, os argumentos para distingui-los são,
substancialmente, cinco: (i) em relação
ao sujeito ativo; (ii) em relação ao
conteúdo; (iii) em relação ao
destinatário; (iv) em relação ao fim;
e (v) em relação às consequências
(p. 77-78). Bobbio rejeita os argumentos (i) e (iv), pois, respectivamente,
quem aconselha também se reveste de autoridade, além de que os comandos não
ocorrem apenas no interesse do comandado (p. 78-79).
No
âmbito do emprego de conselhos no
direito, o autor começa por afirmar que, em qualquer ordenamento, ao lado
de órgãos deliberativos, há órgãos consultivos. Enquanto os primeiros atentam
para os atos de vontade, pois se reportam a comandos ou ordens, os segundos,
enquanto exteriorizados sob a forma opinativa ou de conselhos, classificam-se
como atos de representação (p. 80).
Os
pareceres ou opiniões não são vinculativos, ainda que digam respeito a medidas
específicas a serem adotadas, porquanto objetivam apresentar elementos
suficientes acerca de determinada questão, arregimentando os conhecimentos para
a ciência de quem vai tomar a decisão. Observe-se, por exemplo, que os
organismos internacionais não ordenam ou emitem comandos, mas apenas formulam
recomendações (p. 80-81).
Bobbio
estabelece também uma distinção entre conselhos
e exortações: enquanto os conselhos
tentam mudar o comportamento dos outros por meio de bons argumentos e razões,
as exortações buscam fazer o mesmo pelo emprego de motivos sentimentais (p.
82).
Como
último tópico deste capítulo, detalham-se as distinções entre comandos e instâncias, entendidas estas como a ação de fazer alguém agir em
nosso benefício, sem constrangê-la. Sob a instância não se está obrigado como
no comando, sendo o interesse apenas de quem a exprime, diversamente do
conselho. Ademais, a instância pode ser inspirada num módulo de tipo
informativo ou num módulo de tipo emotivo, neste caso, constituindo as invocações ou súplicas (p. 84).
IV. As
Prescrições e o Direito (p. 85-124)
A
teoria da imperatividade do direito
ou das normas jurídicas como comandos
postula que as proposições componentes de um ordenamento jurídico pertencem à
esfera da linguagem prescritiva, pois, essencialmente, ordenam, vetam, permitem
ou punem. Daí a razão pela qual a imperatividade é elevada a caráter
constitutivo do direito (p. 85).
Bobbio
afirma que a formulação da doutrina
imperativista exclusiva teria sido obra do jurista alemão August Thon, em
sua obra Norma giuridica e diritto
soggestivo (1878), para quem: “Todo o direito de uma sociedade não é senão
um conjunto de imperativos ligados tão estreitamente entre si que a
desobediência a uns constitui frequentemente o pressuposto daquilo que é
comandado pelos outros” (p. 86).
O
mencionado perfil exclusivista decorreria do fato de Thon vislumbrar que a teoria imperativista caminha, para maior
parte dos seus partidários, pari passu
com a teoria estatista – normas
jurídicas somente são aquelas emanadas do Estado – e com a teoria coativista – a coação é a característica fundamental da
norma jurídica –, pelo que, não sendo partidário dessas caracterizações,
procurou formular sua doutrina livre de compromissos com tais teorias (p.
86-87).
Após
mencionar obras jurídicas de seus compatriotas Francesco Carnelutti e Giorgio
Del Vecchio, Bobbio afirma que, a considerar os três requisitos habituais da norma
jurídica – a imperatividade, o estatismo e a coatividade –, August Thon aceita
apenas a imperatividade, Del Vecchio acolhe a imperatividade e o estatismo, mas
Carnelutti aceita os três (p. 87-88).
Passando
à categorização dos imperativos, o autor os classifica como imperativos positivos, ou seja, em
comandos de fazer, e imperativos
negativos, isto é, em comandos de não fazer (proibições) (p. 88-89).
Bobbio
resgata as contribuições de Christianus Thomasius, que distinguia a moral do
direito partindo da ideia de que a moral comanda e o direito proíbe. Bobbio
rejeita essa teoria, pois se mostra “[...] uma concepção demasiado restrita da
função do direito e do Estado”. Diz ele que a função do direito não se
restringe a possibilitar a coexistência das liberdades externas por meio de
obrigações negativas, mas também permitir a cooperação recíproca dos homens em
convívio, o que requer a imposição de obrigações positivas (p. 91).
Bobbio
passa a outra distinção, entre comandos
e imperativos jurídicos, segundo a qual
as normas jurídicas pertenceriam à segunda categoria, e não à primeira. Essa
tese foi sustentada pelo jurista sueco Karl Olivecrona, em sua obra Law
as Fact (1939). Para ele, considerando que um comando pressupõe uma
pessoa que comanda e um destinatário desse comando, na lei faltaria a pessoa
que comanda, sendo, portanto, um imperativo impessoal. Bobbio julga a presente
tese também inconvincente, pois lhe parece difícil demonstrar que todos os
imperativos jurídicos sejam impessoais, além de que estes existem em outros
sistemas normativos que não os jurídicos, nos quais a regra é a impessoalidade
(p. 93-94).
Mais
à frente, Bobbio passa a outro exemplo de teoria imperativista exclusiva, qual
seja, a do direito como norma técnica, de Adolfo Ravà, para quem o direito é um
conjunto de imperativos que, conforme Kant, podem ser denominados por normas técnicas, verdadeiros
imperativos hipotéticos – e não categóricos –, pois: (i) as normas jurídicas
atribuem tanto as obrigações quanto os direitos subjetivos; (ii) o direito é
coercível; e (iii) em todo ordenamento jurídico existem normas que ordenam
meios para se atingir um fim, e não ações boas em si mesmas, assentadas sob
genuíno tecnicismo jurídico (p.
94-96).
Bobbio
passa, então, a analisar a temática acerca dos destinatários da norma jurídica. Para Saint Romano, o ordenamento
jurídico não tem destinatários. Para Jhering, os destinatários da norma
jurídica são “[...] os órgãos judiciários encarregados de exercer o poder
coativo”. Para Allorio, “[...] não há lugar para nenhuma norma que não seja
destinada a órgãos do Estado”. Bobbio disserta, ainda, sobre a particular
contribuição de Kelsen, que vislumbrava duas espécies de normas: as normas
primárias, coativas ou sancionadoras, destinadas ao Estado, e normas secundárias,
destinadas aos cidadãos, uma vez que ordenam o comportamento que evita a sanção
(p. 100-102).
Importa
frisar, neste momento, que Kelsen, de início, definia como norma jurídica primária aquela que estipulava a sanção, ao passo
que aquela que definia a conduta capaz de evitar a coação, somente poderia
valer como norma jurídica secundária
(KELSEN, 1998, p. 86). Posteriormente, reviu o seu ponto de vista, e inverteu
as definições anteriores, passando a norma primária ao lugar que,
anteriormente, pertencia à secundária e vice-versa (KELSEN, 1986, p. 181 e ss).
Bobbio
refuta muitos dos argumentos anteriores com as seguintes objeções: (i) num ordenamento
jurídico há normas tanto dirigidas aos órgãos judiciais quanto aos cidadãos;
(ii) afirmar que as normas primárias não são jurídicas não corresponde à
verdade, quando se considera a sua juridicidade sob o enfoque de validade;
(iii) há normas terciárias e, sob tal perspectiva, o poder sancionatório
poderia ser a estas remetido, o que descaracterizaria a adjetivação de normas
secundárias àquelas normas que lhes fossem anteriores na escala ascendente;
tampouco se resolveria o problema restringindo a resposta à norma fundamental
enquanto única norma; e (iii) dizer que o ordenamento jurídico possui eficácia
reforçada não significa afirmar que as normas primárias não sejam qualificadas
como tal, já que contam com eficácia (p. 103-104).
Progredindo
em direção às teorias mistas, Bobbio
afirma que elas admitem, tal como a teoria
permissiva parcial, que, em todo ordenamento jurídico, há proposições
imperativas, porém negam que todas sejam imperativas ou redutíveis a
imperativas. Desse modo, ao lado das normas imperativas – a impor deveres –, há
outras normas permissivas, que atribuem faculdades ou permissões (p. 104-105).
As
normas jurídicas podem, desse modo, ser imperativas
ou permissivas. As normas imperativas, por sua vez, podem
ser positivas – enquanto comandos
para ações obrigatórias de fazer –, ou negativas
– como os comandos para ações proibitórias de não fazer. Idem para as normas permissivas, as quais também
podem ser positivas – a configurarem
permissões de ações de fazer –, ou negativas
– a permitirem ações facultativas de não fazer. Acrescente-se que, para haver
uma norma permissiva, faz-se necessária a existência prévia de uma norma
imperativa, e que aquela preveja uma exceção desta (p. 105-107).
Adiante,
o autor passa a traçar uma espécie de quadro evolutivo do sistema normativo.
Partindo-se da hipótese abstrata em que ainda não haja um sistema normativo,
revela-se uma situação em que tudo é lícito. Nesse estado de natureza, hobbesiano, ocorre absoluta ausência de normas
imperativas, já que não existem deveres, mas apenas direitos. Com a passagem do
estado de natureza para o estado civil, criam-se normas imperativas, primeiro
negativas e depois positivas, gerando uma nova situação tripartite, com três
esferas: esfera do proibido, esfera do lícito e esfera do comandado (p. 108-109).
Na
hipótese em que todo comportamento seja ou proibido ou comandado e nenhum seja
lícito, ter-se-ia a condição de que tudo
é obrigatório, típica dos estados
totalitários. A realidade histórica, todavia, conhece apenas situações em
que a esfera do lícito convive com a do obrigatório, distante das duas
hipóteses extremas anteriores, quais sejam, a de supressão de toda liberdade
natural ou a de anarquia pela total ausência de Estado (p. 109).
Assim,
reconhece-se o Estado liberal, para
o qual vale a máxima de que tudo é
permitido, exceto o que é proibido, em contraposição ao Estado socialista, onde tudo é proibido, exceto o que é permitido.
Bem observa Sombart que “[...] no primeiro a esfera do permitido prevalece
sobre a do obrigatório; no segundo, ao contrário, a esfera do obrigatório
prevalece sobre a do permitido” (p. 110-111).
Outra
teoria mista é a das regras finais
de Brunetti, normas que, segundo ele, não seriam imperativas, pois não impõem
uma ação como boa em si mesma, mas boa para atingir um certo fim, tal como na
teoria do direito como norma técnica, de Ravà, com a diferença de que, nesta, a
meta é a definição do direito em seu complexo e, naquela, o objetivo é a
caracterização de certas normas jurídicas em confronto com outras (p. 112-113).
Quanto
às teorias negativas, negam que as
normas jurídicas sejam imperativas. Um dos primeiros autores a divulgar essa
tese foi Zietelmann, para quem as proposições jurídicas são assertivas – não
comandos –, genuínos juízos hipotéticos expressos sob a forma “se ..., tu
deves”, ou de outro modo, verdadeiras asserções sobre relações já existentes (p.
115-116).
Para
Kelsen, a norma moral constitui um comando e a norma jurídica, ao contrário,
constitui um juízo hipotético, a relação ou nexo específico de um fato
condicionante – o ilícito – com uma consequência condicionada – a sanção –, sob
a seguinte fórmula: “Se é A (ilícito), deve ser B (sanção)” (p. 118-119).
Bobbio
entende que a teoria do juízo hipotético não é uma teoria contrária à tese da
norma jurídica enquanto prescrição, porque o juízo em que se expressa a norma é
sempre um juízo hipotético prescritivo – atribui-se a uma determinada ação
(meio) uma consequência (fim) – e não descritivo, isto é, um juízo que na sua
segunda parte contém uma prescrição do tipo “...deve ser B” (p. 119).
Outra
formulação da teoria antimperativista é a que define as normas jurídicas não
como juízos hipotéticos, mas como juízos
de valor, verdadeiros “[...] cânones que valoram um comportamento do
indivíduo na vida em sociedade”. Giuliano e Perassi são dois dos principais
partidários dessa teoria (p. 120).
Bobbio
comenta que quando os autores anteriores afirmam que a norma é a valorização de
certos fatos, querem dizer que a norma jurídica qualifica certos fatos como
jurídicos, isto é, coliga a certos fatos determinadas consequências jurídicas.
A mais importante e frequente dessas consequências jurídicas é o surgimento de
uma obrigação ou sobre a pessoa dos consociados, caso se trate de uma norma
primária, ou sobre os juízes, no caso de normas secundárias (p. 121).
Ao
final deste capítulo, Bobbio argumenta que as disputas entre imperativistas e
não-imperativistas apresentou-se como uma disputa quanto ao gênero, quando, em
verdade, reportam-se às espécies, vale dizer, aos diversos tipos de proposições
prescritivas, enquanto palpavelmente distintas das descritivas (p. 124).
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