Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Raymond Carver - Esperança

Neste poema de duas faces com perspectivas bem distintas, a compendiar os momentos finais de um matrimônio de vinte anos e o consequente rompimento, Carver retrata o ex-marido recompondo-se do evento, depois de, inicialmente, atingir o fundo do poço – como previra a sua ex-esposa –, o que representou, em última instância, o ingresso em uma nova jornada de redenção.

 

A expectativa da ex-mulher era de que o falante, em poucos dias, torrasse todo o dinheiro que lhe foi dado e viesse a afundar na miséria e no vício. Mas tal não ocorreu: algum tempo depois, ao vê-lo sóbrio e sereno, bem vestido e num carro novo, em frente à antiga casa do casal, ela reconheceu, chorando, que a sua “última esperança” resultou em ruínas – numa espécie de desagravo não violento, por parte do ex-consorte.

 

J.A.R. – H.C.

 

Raymond Carver

(1938-1988)

 

Hope

 

“My wife,” said Pinnegar, “expects to see me go

to the dogs when she leaves me. It is her last hope.”

D. H. Lawrence, “Jimmy and the Desperate Woman”

 

She gave me the car and two

hundred dollars. Said, So long, baby.

Take it easy, hear? So much

for twenty years of marriage.

She knows, or thinks she knows,

I’ll go through the dough

in a day or two, and eventually

wreck the car – which was

in my name and needed work anyway.

When I drove off, she and her boy-

friend were changing the lock

on the front door. They waved.

I waved back to let them know

I didn’t think any the less

of them. Then sped toward

the sate line. I was hellbent.

She was right to think so.

 

I went to the dogs, and we

became good friends.

But I kept going. Went

a long way without stopping.

Left the dogs, my friends, behind.

Nevertheless, when I did show

my face at that house again,

months, or years, later, driving

a different car, she wept

when she was me at the door.

Sober. Dressed in a clean shirt,

pants, and boots. Her last hope

blasted.

She didn’t have a thing

to hope for anymore.

 

Separação

(Edvard Munch: pintor norueguês)

 

Esperança

 

“Minha mulher”, disse Pinnegar, “espera me ver

em ruínas depois que ela me deixar. É sua última

esperança.”

D.H. Lawrence, “Jimmy e a mulher desesperada”

 

Ela me deu o carro e duzentos

dólares. Disse “Adeus, querido.

Se cuide, viu?” Isso após

vinte anos de casados.

Ela saber, ou pensa que sabe,

que vou torrar o dinheiro

em um ou dois dias, e acabar

com o carro – que de qualquer jeito

estava em meu nome e precisava de reparos.

Quando saí, ela e o namorado

estavam trocando a fechadura

da porta da frente. Eles acenaram.

Eu acenei de volta, para que soubessem

que não os considerava menos

do que eles a mim. Então pisei fundo

rumo à fronteira do estado. Eu estava decidido.

E ela tinha razão.

 

Fui ao fundo do poço,

fiquei amigo dos cães.

E fui além. Fui

sempre em frente, sem parar.

Deixei os cães, meus amigos, para trás.

Mesmo assim, quando mostrei

minha cara em casa novamente,

meses, ou anos depois, guiando

um carro diferente, ela chorou

ao me ver parado na porta.

Sóbrio. Vestindo uma camisa limpa,

calças e botas. Sua última esperança,

arruinada.

Ela não tinha mais nada

pelo que esperar.

 

Referência:

 

CARVER, Raymond. Esperança. Tradução de Cide Piquet. Tradução de Cide Piquet. In: __________. Esta vida: poemas escolhidos. Seleção e tradução de Cide Piquet. Edição bilíngue. 1. ed. São Paulo, SP: Editora 34, 2017. Em inglês: p. 179-180; em português: p. 99-100.

Nenhum comentário:

Postar um comentário