Neste poema de duas
faces com perspectivas bem distintas, a compendiar os momentos finais de um matrimônio
de vinte anos e o consequente rompimento, Carver retrata o ex-marido recompondo-se
do evento, depois de, inicialmente, atingir o fundo do poço – como previra a
sua ex-esposa –, o que representou, em última instância, o ingresso em uma nova
jornada de redenção.
A expectativa da
ex-mulher era de que o falante, em poucos dias, torrasse todo o dinheiro que
lhe foi dado e viesse a afundar na miséria e no vício. Mas tal não ocorreu: algum
tempo depois, ao vê-lo sóbrio e sereno, bem vestido e num carro novo, em frente
à antiga casa do casal, ela reconheceu, chorando, que a sua “última esperança”
resultou em ruínas – numa espécie de desagravo não violento, por parte do
ex-consorte.
J.A.R. – H.C.
Raymond Carver
(1938-1988)
Hope
“My wife,” said
Pinnegar, “expects to see me go
to the dogs when she
leaves me. It is her last hope.”
D. H. Lawrence,
“Jimmy and the Desperate Woman”
She gave me the car
and two
hundred dollars.
Said, So long, baby.
Take it easy, hear?
So much
for twenty years of
marriage.
She knows, or thinks
she knows,
I’ll go through the
dough
in a day or two, and
eventually
wreck the car – which
was
in my name and needed
work anyway.
When I drove off, she
and her boy-
friend were changing
the lock
on the front door.
They waved.
I waved back to let
them know
I didn’t think any
the less
of them. Then sped
toward
the sate line. I was
hellbent.
She was right to
think so.
I went to the dogs,
and we
became good friends.
But I kept going.
Went
a long way without
stopping.
Left the dogs, my
friends, behind.
Nevertheless, when I
did show
my face at that house
again,
months, or years, later,
driving
a different car, she
wept
when she was me at
the door.
Sober. Dressed in a
clean shirt,
pants, and boots. Her
last hope
blasted.
She didn’t have a
thing
to hope for anymore.
Separação
(Edvard Munch: pintor
norueguês)
Esperança
“Minha mulher”, disse
Pinnegar, “espera me ver
em ruínas depois que
ela me deixar. É sua última
esperança.”
D.H. Lawrence, “Jimmy
e a mulher desesperada”
Ela me deu o carro e
duzentos
dólares. Disse
“Adeus, querido.
Se cuide, viu?” Isso
após
vinte anos de
casados.
Ela saber, ou pensa
que sabe,
que vou torrar o
dinheiro
em um ou dois dias, e
acabar
com o carro – que de
qualquer jeito
estava em meu nome e
precisava de reparos.
Quando saí, ela e o
namorado
estavam trocando a
fechadura
da porta da frente.
Eles acenaram.
Eu acenei de volta,
para que soubessem
que não os
considerava menos
do que eles a mim.
Então pisei fundo
rumo à fronteira do
estado. Eu estava decidido.
E ela tinha razão.
Fui ao fundo do poço,
fiquei amigo dos
cães.
E fui além. Fui
sempre em frente, sem
parar.
Deixei os cães, meus
amigos, para trás.
Mesmo assim, quando
mostrei
minha cara em casa
novamente,
meses, ou anos
depois, guiando
um carro diferente,
ela chorou
ao me ver parado na
porta.
Sóbrio. Vestindo uma
camisa limpa,
calças e botas. Sua
última esperança,
arruinada.
Ela não tinha mais
nada
pelo que esperar.
Referência:
CARVER, Raymond.
Esperança. Tradução de Cide Piquet. Tradução de Cide Piquet. In: __________. Esta
vida: poemas escolhidos. Seleção e tradução de Cide Piquet. Edição
bilíngue. 1. ed. São Paulo, SP: Editora 34, 2017. Em inglês: p. 179-180; em
português: p. 99-100.
❁


Nenhum comentário:
Postar um comentário