Nestas linhas, o
poeta parece questionar a fachada de respeitabilidade social de um “sujeito do bem”,
o qual, de um “pacato cidadão” passou a ser visto como a “vergonha da família”,
quando as contradições que lhe transpassavam o espírito vieram à tona e o seu
mundo de aparências converteu-se em um pesadelo para os de casa.
Ressaltando a fragilidade
do ser humano frente às expectativas e tensões da vida moderna, o poema, em boa
parte, é uma crítica sutil à hipocrisia e às aparências enganosas da classe
média tradicional, com o “seu ezequias” – frustrado e reprimido – a representar
os valores e o modo de vida convencionais, até que o silencioso desconforto em
seguir as regras que lhe foram impostas, de repente, se rompe e um
comportamento violento, potencializado pelo consumo de álcool, passa a se
manifestar, pondo tudo a perder.
J.A.R. – H.C.
Torquato Neto
(1944-1972)
era um pacato cidadão
de roupa clara
era um pacato cidadão
de roupa clara
seu terno, sua
gravata lhe caíam bem
seu nome, que eu me
lembre, era ezequias
casado, vacinado e
sem ninguém.
brasileiro e eleitor,
seu ezequias
reservista de
terceira e com família
três filhos,
prestações e alguns livros
(enciclopédias e
biografias).
era um pacato cidadão
de roupa clara
era um homem de bem
que eu conhecia
cumpria seus deveres,
trabalhava
chegava cedo, em casa
de madrugada
lutando pelo pão de
cada dia.
era um pacato cidadão
de roupa clara
e todo dia passava e
me dizia
que o mundo estava
andando muito mal
eu perguntava por
que, eu perguntava
seu ezequias nunca me
explicava
apenas repetia
lá dentro do seu puro
tropical
este mundo vai
seguindo muito mal
este mundo, meu
filho, vai seguindo muito mal.
ah, seu ezequias!
que pena, que
desastre, que tragédia
que coisa aconteceu naquele
dia
seu ezequias, ah, seu
ezequias
saiu do emprego e foi
tomar cachaça
e apenas de manhã
voltou pra casa
batendo na mulher,
xingando os filhos
seu ezequias, ah, seu
ezequias
era um pacato cidadão
de roupa clara
era um homem de bem
que eu conhecia
e agora é a vergonha
da família.
Homem jovem
(Don Faulkner:
artista inglês)
Referência:
ARAÚJO NETO, Torquato Pereira de. era um pacato cidadão de roupa clara. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (Org.). 26 poetas hoje: antologia. 6. ed. Rio de Janeiro, RJ: Aeroplano, 2007. p. 61-62.
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