Merton compendia
nestes versos toda uma circunscrição oprimida por injustas desigualdades sociais
e raciais no bairro novaiorquino do Harlem – historicamente um reduto afro-americano
–, para o que emprega associações com imagens religiosas, sobretudo a da crucificação
de Cristo, refletindo assim a tencionada visão do martírio simbólico das
crianças que crescem naquele distrito, para quem o futuro se mostra refém de fartas
incertezas.
A crítica do monge
trapista dirige-se à indiferença, a incapacidade de empatia ou mesmo à cumplicidade
das autoridades com tal contexto de exclusão, cristalizado, diga-se de passagem,
num clima que evola o medo, o perigo e a violência do mundo das drogas, além do
desalento e da desesperança daqueles que buscam um descortínio positivo para as
suas vidas e que dificilmente o conseguem.
J.A.R. – H.C.
Thomas Merton
(1915-1968)
Aubade-Harlem (*)
for Baroness C. de
Hueck
Across the cages of the keyless aviaries,
The lines and wires,
the gallows of the broken kites,
Crucify, against the
fearful light,
The ragged dresses of
the little children.
Soon, in the sterile jungles of the waterpipes and
ladders,
The bleeding sun, a bird of prey, will terrify the
poor,
These will forget the unbelievable moon.
But in the cells of whiter buildings,
Where the glass dawn is brighter than the knives of
surgeons,
Paler than alcohol or ether, shinier than Money,
The white men’s
wives, like Pilate’s,
Cry in the peril of
their frozen dreams:
“Daylight has driven iron spikes,
Into the flesh of Jesus’ hands and feet:
Four flowers of blood have nailed Him to the walls
of Harlem.”
Along the white halls of the clinics and the
hospitals
Pilate evaporates with a cry:
They have cut down two hundred Judases,
Hanged by the neck in the opera houses and the
museum.
Across the cages of the keyless aviaries,
The lines and wires, the gallows of the broken
kites,
Crucify, against the fearful light,
The ragged dresses of the little children.
In: “A Man in the
Divided Sea” (1946)
Lua sobre o Harlem
(William Johnson:
pintor afro-americano)
Aubade-Harlem
a Baroness C. de
Hueck
Por entre as gaiolas
dos aviários sem chaves,
As cordas e os arames,
as armações de pipas despedaçadas,
Crucificam-se, sob a aterrorizante
luz,
As roupas
esfarrapadas das criancinhas.
Em breve, nas selvas
estéreis de encanamentos e de escadas,
O sol sangrento – uma
ave de rapina – aterrorizará os pobres,
Que logo hão de
esquecer a lua incrível.
Porém, nas celas dos edifícios
mais translúcidos,
Onde a vítrea aurora
brilha mais que os bisturis dos cirurgiões,
Mais pálida que o
álcool ou o éter, mais rútila que a Moeda metálica,
As esposas dos homens
brancos, como a de Pilatos,
Lamentam-se ante o
perigo de cristalização de seus sonhos:
“O romper do dia
cravou pregos de ferro
Na carne das mãos e
dos pés de Jesus:
Quatro flores de
sangue fincaram-nO às paredes do Harlem”.
Ao longo dos alvos
corredores das clínicas e dos hospitais,
Pilatos evapora-se
com um grito:
Deceparam duzentos
Judas,
Pendurados pelo
pescoço no museu e nas casas de ópera.
Por entre as gaiolas
dos aviários sem chave,
As cordas e os
arames, as armações de pipas despedaçadas,
Crucificam-se, sob a aterrorizante
luz,
As roupas
esfarrapadas das criancinhas.
Em: “Um Homem no Mar
Dividido” (1946)
Nota:
(*). Aubade é uma
palavra francesa que significa “na alvorada do século”. Em inglês, aubade pode
ter dois significados: (i) uma canção ou poema que saúda o amanhecer; ou (ii)
um prelúdio ou abertura romântica ou idílica.
Referência:
MERTON, Thomas.
Aubade-Harlem. In: __________. The collected poems of Thomas Merton. 6th
print. New York, NY: New Directions, 1980. p. 82-83.
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