Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Richard Murphy - O Poeta na Ilha

Dedicado ao norte-americano Theodore Roethke (1908-1963), estes versos retratam o poeta como um criativo exilado numa ilha – um espaço físico e mental onde impera a liberdade para vocacionar-se à Lírica –, oscilando entre o refúgio e a tormenta interior, a aceitação e a incompreensão, a inspiração e a loucura, algo que reflete deveras a tensão interna vivenciada por Roethke em sua acirrada luta contra a crise mental por que passou.

 

Com efeito, muitas das alusões empregadas por Murphy capturam esse universo em desalinho, particularmente a que se reporta à transformação do seu estado perceptivo e da linguagem, amiúde a apresentar efeitos deliberados de distorção, como uma forma de dar sentido à sua experiência caótica, sempre tão lindeira a um colapso psíquico – e que, em última instância, levou-o a internar-se para tratamento psiquiátrico.

 

J.A.R. – H.C.

 

Richard Murphy

(1927-2018)

 

The Poet on the Island

 

to Theodore Roethke

 

On a wet night, laden with books for luggage,

And stumbling under the burden of himself,

He reached the pier, looking for a refuge.

 

Darkly he crossed to the island six miles off:

The engine pulsed, the sails invented rhythm,

While the sea expanded and the rain drummed softly.

 

Safety on water, he rocked with a new theme:

And in the warmth of his mind’s greenhouse bloomed

A poem as graceful as a chrysanthemum.

 

His forehead, a Prussian helmet, moody, domed,

Relaxed in the sun: a lyric was his lance.

To be loved by the people, he, a stranger, hummed

 

In the herring-store on Sunday crammed with drunks

Ballads of bawdry with a speakeasy stress.

Yet lonely they left him, “one of the Yanks.”

 

The children understood. This was not madness.

How many orphans had he fathered in words

Robust and cunning, but never heartless.

 

He watched the harbour scouted by sea-birds:

His fate was like fish under poetry’s beaks:

Words began weirdly to take off inwards.

 

Time that they calendar in seasons not in clocks,

In gardens dug over and houses roofed,

Was to him a see-saw of joys and shocks,

 

Where his body withered but his style improved.

A storm shot up, his glass cracked in a gale:

An abstract thunder of darkness deafened

 

The listeners he’d once given roses, now hail.

He’d burst the lyric barrier: logic ended.

Doctors were called, and he agreed to sail.

 

Homero e os Pastores

(Jean-Baptiste Camille Corot: pintor francês)

 

O Poeta na Ilha

 

a Theodore Roethke

 

Numa noite úmida, abarrotado de livros como bagagem

e tropeçando sob o seu próprio peso,

chegou ao cais, à procura de um refúgio.

 

Furtivamente, atravessou as seis milhas até a ilha:

o motor pulsava, as velas compunham o ritmo,

enquanto o mar se abria em meio ao suave tamborilar da chuva.

 

A salvo sobre as águas, bulia-se com um novo tema:

e sob o calor da estufa de sua mente floresceu

um poema tão encantador quanto um crisântemo.

 

Sua fronte, uma gálea prussiana, taciturna, abaulada,

descontraída ao sol: a lírica era o seu arpão.

Para ser benquisto por todos, ele, um estrangeiro, cantarolava

 

aos domingos, no armazém de arenques cheio de bêbados,

baladas obscenas com um quê de taberna clandestina.

No entanto, deixaram-no sozinho: “é um dos ianques”.

 

As crianças percebiam o intento. Isso não era loucura.

Quantos órfãos ele apadrinhara com palavras

ásperas e incisivas, porém nunca insensíveis.

 

Observava a enseada sendo explorada pelas aves marinhas:

seu destino era como um peixe sob os promontórios da poesia:

as palavras, insolitamente, começaram a lhe decolar nas entranhas.

 

O tempo que se delimita em estações e não em relógios,

em hortos lavrados e em casas com telhados concluídos,

era para ele uma gangorra de alegrias e comoções,

 

em cujo curso o seu corpo se engelhava, mas lapidava-se o seu estilo.

Irrompeu uma tormenta, sua objetiva espedaçou-se na borrasca:

um abstrato trovejar de escuridão ensurdeceu os ouvintes,

 

os quais certa vez presenteara com rosas, granizo agora.

Rompera-se a barreira lírica: a sua lógica chegou ao fim.

Médicos foram chamados, e ele assentiu em zarpar.

 

Referência:

 

MURPHY, Richard. The poet on the island. In: BRADLEY, Anthony (Edition, introduction and notes). Contemporary irish poetry: an anthology. Berkeley, CA: University of California Press, 1980. p. 165-166.

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