Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 9 de agosto de 2025

Allen Ginsberg - Um estranho chalé novo em Berkeley

Ginsberg nos transporta a uma cena quotidiana ao redor de um “estranho chalé”, em Berkeley (CA), onde o falante realiza algumas tarefas simples – colher amoras-pretas, consertar um vazamento, regar cuidadosamente as flores e as plantas... –, numa celebração dos pequenos prazeres da vida, em clima de paz e de gratidão em meio à natureza. 

 

Os versos também contêm algumas referências características ao estilo de Ginsberg, como a menção casual à sua maconha escondida entre os arbustos, o que explicita, no caso, a mescla do mundano ao transgressor, tão típica da poesia Beat.

 

De resto, o fecho do poema nobilita aquilo que começou como uma prosaica cena doméstica a algo quase transcendente, comutando o trivial em qualquer coisa de sagrado: o acesso meio mágico aos frutos da ameixeira, dos quais se alimenta, é descrito pelo poeta em linguagem com um quê de reverencial, como se fosse o presente de um “anjo” atento às suas necessidades físicas e espirituais.

 

J.A.R. – H.C.

 

Allen Ginsberg

(1926-1997)

 

A strange new cottage in Berkeley

 

All afternoon cutting bramble blackberries off a tottering

brown fence

under a low branch with its rotten old apricots miscellaneous

under the leaves,

fixing the drip in the intricate gut machinery of a new toilet;

found a good coffeepot in the vines by the porch, rolled a

big tire out of the scarlet bushes, hid my marijuana;

wet the flowers, playing the sunlit water each to each,

returning for godly extra drops for the stringbeans

and daisies;

three times walked round the grass and sighed absently:

my reward, when the garden fed me its plums from the

form of a small tree in the corner,

an angel thoughtful of my stomach, and my, dry

and lovelorn tongue.

 

1956

 

In: “Reality Sandwiches” (1963)

 

Casa em Berkeley

(Donald Maier: pintor norte-americano)

 

Um estranho chalé novo em Berkeley (*)

 

A tarde toda colhendo amoras-pretas junto

a uma cambaleante cerca marrom

debaixo de um ramo inclinado com seus velhos

abricós estragados no meio das folhas;

consertando o vazamento nas intrincadas entranhas

do mecanismo de uma nova privada;

eu achei um bule de café bom entre as moitas junto

da varanda, rolei um pneu grande para fora dos

arbustos escarlates, escondi minha maconha;

reguei as flores, jogando a água iluminada pelo sol

de uma para a outra, voltando por algumas divinas

gotas a mais para as vagens e margaridas;

por três vezes dei a volta ao gramado e suspirei

distraidamente:

minha recompensa, quando o jardim me deu suas ameixas

saídas de dentro da forma de um arbusto no canto,

um anjo que teve consideração pelo meu estômago e pela

minha língua ressecada e desamada.

 

1956

 

Em: “Sanduíches de Realidade” (1963)

 

Nota do tradutor (Claudio Willer):

 

(*). Embora tenham ido parar em livros diferentes, este poema foi escrito no mesmo dia e na mesma folha de papel que “Um Supermercado na Califórnia”. Ambos, durante o processo de criação de “Uivo”. É o chalé de “Dentro da Noite Ocidental” da parte II de “Uivo”, e do final de “Kaddish”. (GINSBERG, 2010, n.r., p. 216).

 

Referências:

 

Em Inglês

 

GINSBERG, Allen. A strange new cottage in Berkeley. In: __________. Reality

sandwiches: 1953-1960. San Francisco, CA: City Light Books, 1963. p. 53. (The Pocket Poets Series; n. 18)

 

Em Português

 

GINSBERG, Allen. Um estranho chalé novo em Berkeley. Tradução de Claudio Willer. In: __________. Uivo, Kaddish e outros poemas. Tradução, seleção e notas de Claudio Willer. Porto Alegre, RS: L&PM, 2010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário