Ginsberg nos transporta a uma cena quotidiana ao redor de um “estranho chalé”, em Berkeley (CA), onde o falante realiza algumas tarefas simples – colher amoras-pretas, consertar um vazamento, regar cuidadosamente as flores e as plantas... –, numa celebração dos pequenos prazeres da vida, em clima de paz e de gratidão em meio à natureza.
Os versos também contêm
algumas referências características ao estilo de Ginsberg, como a menção casual
à sua maconha escondida entre os arbustos, o que explicita, no caso, a mescla
do mundano ao transgressor, tão típica da poesia Beat.
De resto, o fecho do
poema nobilita aquilo que começou como uma prosaica cena doméstica a algo quase
transcendente, comutando o trivial em qualquer coisa de sagrado: o acesso meio
mágico aos frutos da ameixeira, dos quais se alimenta, é descrito pelo poeta em
linguagem com um quê de reverencial, como se fosse o presente de um “anjo” atento
às suas necessidades físicas e espirituais.
J.A.R. – H.C.
Allen Ginsberg
(1926-1997)
A strange new cottage
in Berkeley
All afternoon cutting
bramble blackberries off a tottering
brown fence
under a low branch
with its rotten old apricots miscellaneous
under the leaves,
fixing the drip in
the intricate gut machinery of a new toilet;
found a good
coffeepot in the vines by the porch, rolled a
big tire out of the
scarlet bushes, hid my marijuana;
wet the flowers,
playing the sunlit water each to each,
returning for godly
extra drops for the stringbeans
and daisies;
three times walked
round the grass and sighed absently:
my reward, when the
garden fed me its plums from the
form of a small tree
in the corner,
an angel thoughtful
of my stomach, and my, dry
and lovelorn tongue.
1956
In: “Reality
Sandwiches” (1963)
Casa em Berkeley
(Donald Maier: pintor
norte-americano)
Um estranho chalé novo em Berkeley (*)
A tarde toda colhendo
amoras-pretas junto
a uma cambaleante cerca
marrom
debaixo de um ramo
inclinado com seus velhos
abricós estragados no
meio das folhas;
consertando o
vazamento nas intrincadas entranhas
do mecanismo de uma
nova privada;
eu achei um bule de
café bom entre as moitas junto
da varanda, rolei um
pneu grande para fora dos
arbustos escarlates, escondi
minha maconha;
reguei as flores,
jogando a água iluminada pelo sol
de uma para a outra,
voltando por algumas divinas
gotas a mais para as vagens
e margaridas;
por três vezes dei a
volta ao gramado e suspirei
distraidamente:
minha recompensa,
quando o jardim me deu suas ameixas
saídas de dentro da
forma de um arbusto no canto,
um anjo que teve
consideração pelo meu estômago e pela
minha língua
ressecada e desamada.
1956
Em: “Sanduíches de
Realidade” (1963)
Nota do tradutor
(Claudio Willer):
(*). Embora tenham
ido parar em livros diferentes, este poema foi escrito no mesmo dia e na mesma
folha de papel que “Um Supermercado na Califórnia”. Ambos, durante o processo
de criação de “Uivo”. É o chalé de “Dentro da Noite Ocidental” da parte II de “Uivo”,
e do final de “Kaddish”. (GINSBERG, 2010, n.r., p. 216).
Referências:
Em Inglês
GINSBERG, Allen. A
strange new cottage in Berkeley. In: __________. Reality
sandwiches: 1953-1960. San
Francisco, CA: City Light Books, 1963. p. 53. (The Pocket Poets Series; n. 18)
Em Português
GINSBERG, Allen. Um
estranho chalé novo em Berkeley. Tradução de Claudio Willer. In: __________. Uivo,
Kaddish e outros poemas. Tradução, seleção e notas de Claudio Willer. Porto
Alegre, RS: L&PM, 2010.
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