O poeta explora a
ideia de reencarnação e de transmigração da alma através de diferentes vidas e papéis
ao longo do binômio espaço x tempo: cada verso do poema menciona uma nova
encarnação do sujeito poético, a lidar com um trabalho ou situação diferente, integrado,
como se verifica, a distintos períodos históricos e localizações geográficas.
A concisão dos versos
e a falta de pontuação criam um efeito cumulativo e ininterrupto, capaz de
evocar a fluidez dessa migração ininterrupta do espírito, numa enumeração que,
partindo de profissões mais humildes ou perigosas, evolui a outras mais
refinadas ou elegantes – o que outorga uma dimensão algo lúdica ao poema, como
se o poeta, entre a ironia e o humor, procurasse nos fazer refletir sobre a relatividade
dos valores sociais e a futilidade de muitas de nossas aspirações.
Tal sucessão de vidas
culmina na “oitava encarnação” – não se sabe, exatamente, se um ponto de
chegada ou um novo começo nessa jornada existencial –, na qual a alma em apreço
alcança uma ocupação de maior requinte ou status: sommelier – um profissional
especialista em vinhos – em Brasília, aqui neste Planalto Central, o que sugere
o atingimento de certa capacidade para apreciar o desfrute de experiências mais
conformes a uma vida “aprumada”. (rs)
J.A.R. – H.C.
Fernando Moreira
Salles
(n. 1946)
Metempsicose
Lavador de panos em
Tebas
na casa dos mortos
Guerreiro a soldo na
Mesopotâmia
Escriba de
tripulações no mar Tirreno
e de fenícios no
Adriático
Em Avignon perdeu um
olho em briga de rua
Viveu pouco em
Bruges, morto de febre
Coletor de impostos em
Lyon
Vinhateiro em Vila
Nova de Gaya
Esmolou em Santiago
de Compostela
Na oitava encarnação
se aprumou:
é sommelier em
Brasília
Sommelier
(Jason Barnes:
artista norte-americano)
Referência:
SALLES, Fernando
Moreira. Metempsicose. In: __________. Ser longe: poemas. Desenhos de
Iole de Freitas. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2003. p. 60.
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