Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Fernando Moreira Salles - Metempsicose

O poeta explora a ideia de reencarnação e de transmigração da alma através de diferentes vidas e papéis ao longo do binômio espaço x tempo: cada verso do poema menciona uma nova encarnação do sujeito poético, a lidar com um trabalho ou situação diferente, integrado, como se verifica, a distintos períodos históricos e localizações geográficas.

 

A concisão dos versos e a falta de pontuação criam um efeito cumulativo e ininterrupto, capaz de evocar a fluidez dessa migração ininterrupta do espírito, numa enumeração que, partindo de profissões mais humildes ou perigosas, evolui a outras mais refinadas ou elegantes – o que outorga uma dimensão algo lúdica ao poema, como se o poeta, entre a ironia e o humor, procurasse nos fazer refletir sobre a relatividade dos valores sociais e a futilidade de muitas de nossas aspirações.

 

Tal sucessão de vidas culmina na “oitava encarnação” – não se sabe, exatamente, se um ponto de chegada ou um novo começo nessa jornada existencial –, na qual a alma em apreço alcança uma ocupação de maior requinte ou status: sommelier – um profissional especialista em vinhos – em Brasília, aqui neste Planalto Central, o que sugere o atingimento de certa capacidade para apreciar o desfrute de experiências mais conformes a uma vida “aprumada”. (rs)

 

J.A.R. – H.C.

 

Fernando Moreira Salles

(n. 1946)

 

Metempsicose

 

Lavador de panos em Tebas

na casa dos mortos

Guerreiro a soldo na Mesopotâmia

Escriba de tripulações no mar Tirreno

e de fenícios no Adriático

Em Avignon perdeu um olho em briga de rua

Viveu pouco em Bruges, morto de febre

Coletor de impostos em Lyon

Vinhateiro em Vila Nova de Gaya

Esmolou em Santiago de Compostela

Na oitava encarnação se aprumou:

é sommelier em Brasília

 

Sommelier

(Jason Barnes: artista norte-americano)

 

Referência:

 

SALLES, Fernando Moreira. Metempsicose. In: __________. Ser longe: poemas. Desenhos de Iole de Freitas. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2003. p. 60.

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