Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 3 de agosto de 2025

Cassiano Nunes - História

O poeta nos fala sobre o seu relacionamento conflituoso e cambiante com a beleza ao longo da vida: a princípio, “por humildade”, não se sentia digno de apreciá-la, o que o motivou a esquadrinhar o feio em lugares sórdidos; mas a Poesia surgiu e a tudo transfigurou, remodelando a roupagem de monótonas “silhuetas” em belas peças de “madrepérola”.

 

Com o tempo, o falante chegou à conclusão de que era merecedor de se comprazer com o belo, pois que não havia qualquer requisito ou privilégio especial para tanto, conquanto já fosse “muto tarde”: afadigado pela sôfrega jornada imposta pela busca interminável de perfeição estética, acabou por se quedar à janela, “contemplando a agonia da noite”.

 

Democrática é a “terrível” igualdade da beleza – essa “Dama Pálida” –, diz-nos Nunes, com frequência incrustada nas linhas da própria Poesia!

 

J.A.R. – H.C.

 

Cassiano Nunes

(1921-2007)

 

História

 

Nunca amei a Beleza

por humildade.

Não a mereço, pensava.

Procurei, pois, o feio

em bairros encardidos.

Por sorte,

a Poesia surgiu

e transfigurou tudo.

Silhuetas baças

toucaram-se de madrepérola.

Até que, um dia, concluí:

mereço como os outros.

Não há privilégio.

Mas era muito tarde

e detive-me à janela,

contemplando a agonia da noite.

Só pensar na Beleza

já me fatigava.

 

Ó Dama Pálida!

Como é terrível

a tua igualdade!

 

Em: “Madrugada” (1975)

 

Alegoria da Beleza

(Detalhe)

(Gaetano Gandolfi: pintor italiano)

 

Referência:

 

NUNES, Cassiano. História. In: __________. Obra reunida: poesia. Vol. 1. Organização de Maria de Jesus Evangelista. Brasília, DF: Centro Editorial (UnB); Thesaurus, 2015. p. 91.

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