O poeta nos fala
sobre o seu relacionamento conflituoso e cambiante com a beleza ao longo da
vida: a princípio, “por humildade”, não se sentia digno de apreciá-la, o que o
motivou a esquadrinhar o feio em lugares sórdidos; mas a Poesia surgiu e a tudo
transfigurou, remodelando a roupagem de monótonas “silhuetas” em belas peças de
“madrepérola”.
Com o tempo, o falante chegou à
conclusão de que era merecedor de se comprazer com o belo, pois que não havia
qualquer requisito ou privilégio especial para tanto, conquanto já fosse “muto
tarde”: afadigado pela sôfrega jornada imposta pela busca interminável de
perfeição estética, acabou por se quedar à janela, “contemplando a agonia da
noite”.
Democrática é a “terrível”
igualdade da beleza – essa “Dama Pálida” –, diz-nos Nunes, com frequência incrustada
nas linhas da própria Poesia!
J.A.R. – H.C.
Cassiano Nunes
(1921-2007)
História
Nunca amei a Beleza
por humildade.
Não a mereço,
pensava.
Procurei, pois, o
feio
em bairros
encardidos.
Por sorte,
a Poesia surgiu
e transfigurou tudo.
Silhuetas baças
toucaram-se de
madrepérola.
Até que, um dia,
concluí:
mereço como os
outros.
Não há privilégio.
Mas era muito tarde
e detive-me à janela,
contemplando a agonia
da noite.
Só pensar na Beleza
já me fatigava.
Ó Dama Pálida!
Como é terrível
a tua igualdade!
Em: “Madrugada”
(1975)
Alegoria da Beleza
(Detalhe)
(Gaetano Gandolfi:
pintor italiano)
Referência:
NUNES, Cassiano.
História. In: __________. Obra reunida: poesia. Vol. 1. Organização de
Maria de Jesus Evangelista. Brasília, DF: Centro Editorial (UnB); Thesaurus,
2015. p. 91.
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