Neste poema sombrio e
desiludido – musicalizado pelo roqueiro Lobão lá pelos anos 80 do século
passado –, o poeta e letrista carioca censura as constantes – e fracassadas –
tentativas de se refazer a sociedade pela via de “novos saltos”, comparando-as
a ciclos reiterados de opressão e de aprisionamento, com o que, meio resignado,
dá-nos a entender que é inútil continuar tentando mudar um sistema inerentemente
defeituoso, perpetuador de desigualdades e de alienação.
Por trás dessas tentativas
falhas de mudança, há a ilusão do progresso e da liberdade, que os grandes
centros urbanos teimam em negar com as suas estruturas antigas de dominação,
agora convertidas em outros tantos sustentáculos: a favela no lugar da senzala,
a sala de estar na posição da sala de estar, onde todos estão confinados entre
as grades da tecnologia e do consumo, solitários e entregues ao vício do café,
do cigarro e do álcool.
J.A.R. – H.C.
Bernardo Vilhena
(n. 1949)
revanche
eu sei que já faz
muito tempo
que a gente volta aos
princípios
tentando acertar o
passo
usando mil artifícios
mas sempre alguém
tenta um salto
e a gente é que paga
por isso
fugimos pras grandes
cidades
bichos do mato em
busca do mito
de uma nova sociedade
escravos de um novo
rito
mas se tudo deu
errado
quem é que vai pagar
por isso?
a favela é a nova
senzala
correntes da velha
tribo
e a sala é a nova
cela
prisioneiros nas
grades do vídeo
e se o sol ainda
nasce quadrado
quem é que vai pagar
por isso?
o café, um cigarro,
um trago,
tudo isso não é vício
são companheiros da
solidão
mas isso só foi no
início
hoje em dia somos
todos escravos
e quem é que vai
pagar por isso?
eu não quero mais
nenhuma chance
eu não quero mais
revanche
Desforra
(J.V.: artista
eslovaco)
Referência:
VILHENA, Bernardo. revanche.
In: COHN, Sergio (Selección y Prólogo). Once poetas brasileiros. Edición
bilingüe. Traducción de John Galán Casanova. 1. ed. Bogotá, BO: Instituto
Distrital de las Artes – IDARTES; 2013. p. 60 e 62. (‘Libro al viento
universal’; n. 91)
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