Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Bernardo Vilhena - revanche

Neste poema sombrio e desiludido – musicalizado pelo roqueiro Lobão lá pelos anos 80 do século passado –, o poeta e letrista carioca censura as constantes – e fracassadas – tentativas de se refazer a sociedade pela via de “novos saltos”, comparando-as a ciclos reiterados de opressão e de aprisionamento, com o que, meio resignado, dá-nos a entender que é inútil continuar tentando mudar um sistema inerentemente defeituoso, perpetuador de desigualdades e de alienação.

 

Por trás dessas tentativas falhas de mudança, há a ilusão do progresso e da liberdade, que os grandes centros urbanos teimam em negar com as suas estruturas antigas de dominação, agora convertidas em outros tantos sustentáculos: a favela no lugar da senzala, a sala de estar na posição da sala de estar, onde todos estão confinados entre as grades da tecnologia e do consumo, solitários e entregues ao vício do café, do cigarro e do álcool.

 

J.A.R. – H.C.

 

Bernardo Vilhena

(n. 1949)

 

revanche

 

eu sei que já faz muito tempo

que a gente volta aos princípios

tentando acertar o passo

usando mil artifícios

mas sempre alguém tenta um salto

e a gente é que paga por isso

 

fugimos pras grandes cidades

bichos do mato em busca do mito

de uma nova sociedade

escravos de um novo rito

mas se tudo deu errado

quem é que vai pagar por isso?

 

a favela é a nova senzala

correntes da velha tribo

e a sala é a nova cela

prisioneiros nas grades do vídeo

e se o sol ainda nasce quadrado

quem é que vai pagar por isso?

 

o café, um cigarro, um trago,

tudo isso não é vício

são companheiros da solidão

mas isso só foi no início

hoje em dia somos todos escravos

e quem é que vai pagar por isso?

 

eu não quero mais nenhuma chance

eu não quero mais revanche

 

Desforra

(J.V.: artista eslovaco)

 

Referência:

 

VILHENA, Bernardo. revanche. In: COHN, Sergio (Selección y Prólogo). Once poetas brasileiros. Edición bilingüe. Traducción de John Galán Casanova. 1. ed. Bogotá, BO: Instituto Distrital de las Artes – IDARTES; 2013. p. 60 e 62. (‘Libro al viento universal’; n. 91)

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