Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 16 de agosto de 2025

Manuel Bandeira - Belo belo

Bandeira celebra os usos da contemplação – e, por extensão, da conexão com a sua própria interioridade – com o objetivo de se conectar ao universo, à natureza, suas belezas, seus mistérios, para, desse modo, encontrar a felicidade de um modo quase espontâneo, sem contratempos ou desejos grandiosos, em meio ao que é simples e quotidiano, para além das complexidades da existência.

 

Perceba-se que a beleza, para o falante, é bem mais do que um simples atributo estético, senão uma fonte de inspiração para viver, haurida a partir de um porto seguro, um refúgio de paz e de serenidade, sob cujo efeito perscruta o mundo para transcender a pura tangibilidade das coisas – explico-me melhor, os comezinhos problemas e preocupações do dia a dia –, numa experiência que lhe proporciona profunda sensação de plenitude.

 

J.A.R. – H.C.

 

Manuel Bandeira

(1886-1968)

 

Belo belo

 

Belo belo belo,

Tenho tudo quanto quero,

Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.

E o risco brevíssimo – que foi? passou! – de tantas

estrelas cadentes.

 

A aurora apaga-se,

E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.

 

O dia vem, e dia a dentro

Continuo a possuir o segredo grande da noite.

 

Belo belo belo,

Tenho tudo quanto quero.

 

Não quero o êxtase nem os tormentos.

Não quero o que a terra só dá com trabalho.

 

As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:

Os anjos não compreendem os homens.

 

Não quero amar,

Não quero ser amado;

Não quero combater,

Não quero ser soldado.

 

– Quero é a delícia de poder sentir as coisas

mais simples.

 

Em: “Lira dos Cinquent’anos” (1940)

 

Coisas simples

(Carlos Reales: artista argentino)

 

Referência:

 

BANDEIRA, Manuel. Belo belo. In: __________. Antologia poética. 9. ed. Rio de Janeiro, RJ: José Olympio, 1977. p. 117-118.

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