Bandeira celebra os
usos da contemplação – e, por extensão, da conexão com a sua própria interioridade
– com o objetivo de se conectar ao universo, à natureza, suas belezas, seus
mistérios, para, desse modo, encontrar a felicidade de um modo quase espontâneo,
sem contratempos ou desejos grandiosos, em meio ao que é simples e quotidiano, para
além das complexidades da existência.
Perceba-se que a beleza,
para o falante, é bem mais do que um simples atributo estético, senão uma fonte
de inspiração para viver, haurida a partir de um porto seguro, um refúgio de
paz e de serenidade, sob cujo efeito perscruta o mundo para transcender a pura
tangibilidade das coisas – explico-me melhor, os comezinhos problemas e
preocupações do dia a dia –, numa experiência que lhe proporciona profunda sensação
de plenitude.
J.A.R. – H.C.
Manuel Bandeira
(1886-1968)
Belo belo
Belo belo belo,
Tenho tudo quanto
quero,
Tenho o fogo de
constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo –
que foi? passou! – de tantas
estrelas cadentes.
A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais
puras lágrimas da aurora.
O dia vem, e dia a
dentro
Continuo a possuir o
segredo grande da noite.
Belo belo belo,
Tenho tudo quanto
quero.
Não quero o êxtase
nem os tormentos.
Não quero o que a
terra só dá com trabalho.
As dádivas dos anjos
são inaproveitáveis:
Os anjos não
compreendem os homens.
Não quero amar,
Não quero ser amado;
Não quero combater,
Não quero ser
soldado.
– Quero é a delícia
de poder sentir as coisas
mais simples.
Em: “Lira dos
Cinquent’anos” (1940)
Coisas simples
(Carlos Reales: artista
argentino)
Referência:
BANDEIRA, Manuel.
Belo belo. In: __________. Antologia poética. 9. ed. Rio de Janeiro, RJ:
José Olympio, 1977. p. 117-118.
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