A partir de epígrafe tomada
a versos do poema “One
Art”, de Elizabeth Bishop (1911-1979), associados à perda de coisas tangíveis,
materiais – como as chaves da porta ou as horas mal empregadas –, o poeta
curitibano estende a ideia a um sentido mais existencial e até mesmo emocional,
ao encetar conexões com a saudade e a percepção acerca de quem realmente somos,
do que efetivamente importa.
É que a saudade não é
apenas um sentimento nostálgico, senão uma fonte motriz a moldar nossa
experiência no mundo, uma presença constante que habita o nosso interior,
ignoremo-la ou não, feito um espectro a nos acompanhar por toda a vida.
O soneto propõe-nos ainda
questionar a nossa própria identidade, ao levarmos em conta o processo de transformação
por que passamos quando sucedem tais perdas, em especial a da “língua”, esse
território do perdido e do reconquistado, não só de formas específicas de
expressão, bem assim de toda uma identidade cultural – o que aproxima a
temática do poema à conjunção de desenraizamento e de desapego constante a que
estamos recorrentemente submetidos.
J.A.R. – H.C.
Adriano Scandolara
(n. 1988)
Da arte de perder
Lose something every
day. Accept the fluster
of lost door keys,
the hour badly spent.
Elizabeth Bishop (*)
Saudade, sereno
incapaz
de penetrar estas
paredes,
veste nesta língua
cores
distantes de
estrangeira
tanto não é nenhum
desastre –
as coisas, lugares,
um pai,
três avós, toda uma
língua
outra que ratos
carcomeram no sótão,
e identidades também,
só pergunte
se algo dói ou coça
ou faz falta, aqui
este concreto, este
asfalto,
onde nenhuma flor a
inevitáveis
invernos concede o prazer
de
arrancarem suas
pétalas.
Sentimento de perda
(Ray Khalife: artista
libanês)
Nota:
(*). São versos extraídos ao poema “One Art” (“Uma Arte”), de Elizabeth
Bishop (1911-1979): “Perca algo todo dia. Aceite a frustração de perder as
chaves da porta, a hora mal empregada”.
Referência:
SCANDOLARA, Adriano.
Da arte de perder. In: MARQUES, Fabrício; MELO, Tarso de (Selección y notas). Inventar
la felicidad: muestra de poesía brasileña reciente. Edición bilingüe: portugués
x español. 1. ed. [Lima, PE]: Vallejo & Co., set. 2016. p. 44. Disponível neste endereço. Acesso em: 10 ago. 2025.
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