A poetisa carioca vê
a sua experiência de vida particular como que encarnando verdades universais,
inerentes à natureza humana, a engolfá-la num descomedido conflito interno, o
qual, ao mesmo tempo que lhe transmite uma sensação de desconexão e de angústia
existencial, fá-la reconhecer como um caminho possível de redenção, digo
melhor, de crescimento pessoal – ainda que repleto de perdas, ilusões e aflitivas
crises.
Nessa jornada
introspectiva aos abismos d’alma, a falante revira as suas mais íntimas
imperfeições e contradições, num processo de fragmentação que se poderia dizer
de autossabotagem ou autodestruição, mas que, de modo algum, se alimenta de pusilanimidade,
haja vista o conjecturável objetivo maior de vir a atingir uma individualidade
mais autêntica e a aceitação de si mesma, superando assim o contingente
alheamento e a falta de propósito.
J.A.R. – H.C.
Adalgisa Nery
(1905-1980)
Sou o particular de
cada um
A minha fragmentação
está debruçada na borda do meu ser.
Contemplando a minha
extrema miséria interior
Sabendo que a solução
sobre toda esta ruína que sou
Está na vontade do
espírito incriado e superior.
Se houve lucro nas
perdas das minhas ilusões,
No descrédito de mim
mesma, no erro das minhas ações,
Foram estas as únicas
construções.
Desde o meu primeiro
instante de vida, tenho sido
Inimiga do meu eu, me
agredindo,
Me desfalcando,
gradativamente me pulverizando
E me matando.
Eu sou o universal
que se move,
Que tropeça, que
levanta
No particular de cada
um
Sem participar na
responsabilidade da criação
E sem depender da
vontade de ser algum.
(1939)
Dúvida existencial
(Fernando Ruiz Pavón:
artista espanhol)
Referência:
NERY, Adalgisa. Sou o
particular de cada um. Revista Acadêmica, Antologia da moderna poesia
brasileira. Rio de Janeiro (RJ), p. 46, 1939. Disponível neste endereço. Acesso em: 12 ago.
2025.
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