Adentrando nas
complexidades da condição humana, suas aspirações, falhas e contradições, o
poeta e tradutor carioca nos fala das máscaras que costumamos usar para fazer
frente às expectativas sociais, dos desejos que nos movem e da necessidade de
autodescoberta e de autoaceitação, para que possamos chegar a uma identidade autêntica.
Ser honesto consigo
mesmo não é aderir incondicionalmente à matriz de normalidade – ou conformidade
– que o meio social nos impõe por meio de suas convenções, senão selecionar e
modelar, à sua própria maneira, o corpo de valores que nos faça mais sentido
para nortear nossas vidas, tal que, ao passarmos a derradeira régua somatória nesse
“balancete” de perdas e ganhos, venha a resultar um saldo positivo de momentos
felizes em nosso favor.
J.A.R. – H.C.
Paulo Henriques
Britto
(n. 1951)
Balancete
Antes quis ser
normal.
Como todo mundo, quis
ser todo mundo.
Até a estupidez
alheia me era santa,
por ser raiz dessa
felicidade besta
de quem só sabe ser
feliz.
Nisso fracassei, como
tantos outros.
Fabriquei outros
projetos, bebi de um trago só
o esterco do
ridículo, e constatei
que o gosto era de
mel.
O mel enjoa. Hoje sou
quase puro,
quase honesto,
competente, estúpido
como toda gente, o
espelho exato
do que não quis, ou
pude, ou soube ser.
Falhei até no
fracasso. Agora o jeito
é me encarar de
frente
e me reconhecer.
Xadrez
(Daniel C. Chiriac:
artista romeno)
Referência:
BRITTO, Paulo
Henriques. Balancete. In: __________. Liturgia da matéria: poesia. Rio
de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1982. p. 32. (Coleção ‘Poesia Hoje’; v.
59)
❁


Nenhum comentário:
Postar um comentário