Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 5 de agosto de 2025

Paulo Henriques Britto - Balancete

Adentrando nas complexidades da condição humana, suas aspirações, falhas e contradições, o poeta e tradutor carioca nos fala das máscaras que costumamos usar para fazer frente às expectativas sociais, dos desejos que nos movem e da necessidade de autodescoberta e de autoaceitação, para que possamos chegar a uma identidade autêntica.

 

Ser honesto consigo mesmo não é aderir incondicionalmente à matriz de normalidade – ou conformidade – que o meio social nos impõe por meio de suas convenções, senão selecionar e modelar, à sua própria maneira, o corpo de valores que nos faça mais sentido para nortear nossas vidas, tal que, ao passarmos a derradeira régua somatória nesse “balancete” de perdas e ganhos, venha a resultar um saldo positivo de momentos felizes em nosso favor.

 

J.A.R. – H.C.

 

Paulo Henriques Britto

(n. 1951)

 

Balancete

 

Antes quis ser normal.

Como todo mundo, quis ser todo mundo.

Até a estupidez alheia me era santa,

por ser raiz dessa felicidade besta

de quem só sabe ser feliz.

 

Nisso fracassei, como tantos outros.

Fabriquei outros projetos, bebi de um trago só

o esterco do ridículo, e constatei

que o gosto era de mel.

 

O mel enjoa. Hoje sou quase puro,

quase honesto, competente, estúpido

como toda gente, o espelho exato

do que não quis, ou pude, ou soube ser.

Falhei até no fracasso. Agora o jeito

é me encarar de frente

e me reconhecer.

 

Xadrez

(Daniel C. Chiriac: artista romeno)

 

Referência:

 

BRITTO, Paulo Henriques. Balancete. In: __________. Liturgia da matéria: poesia. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1982. p. 32. (Coleção ‘Poesia Hoje’; v. 59)

Nenhum comentário:

Postar um comentário