Entre certa desmotivação,
ausência de aspirações, a aridez criativa e alguma tristeza existencial vive o
poeta, estado sob o qual o seu estado de espírito tolda-se sob névoas cinzentas
de monotonia, simbolizada por uma espécie de tela onde cabem representações de
livros empoeirados, páginas amassadas e uma caneta que se arrasta vãmente ante
a aludida dificuldade em encontrar inspiração para se expressar, para engendrar
mundos com as palavras.
Poder-se-ia dizer que
esse ânimo melancólico e introspectivo, até nostálgico, vai em linha com o presumido
desencanto do falante em sua busca por um sentido de vida, levando-o a imergir solitariamente
numa “tarde cinzenta”, de onde, entre os livros, espera obter redenção ou zarpar para um novo começo, fazendo valer as
suas capacidades de empatia e todo o conteúdo mental ainda abstruso sob o nível
de sua percepção consciente.
J.A.R. – H.C.
José Paulo Paes
(1926-1998)
Balada
Folha enrugada,
poeira nos livros.
A pena se arrasta
no esforço inútil
de libertação.
Nenhuma vontade,
nem mesmo desejo
na tarde cinzenta.
A árvore seca
esperando seiva
não tem paisagem.
Na frente é o deserto
coberto de pedras.
Nem sombra de oásis.
Pobre árvore seca
na tarde cinzenta!
Se houvesse um
castelo
com torres e dama
de loiros cabelos,
talvez eu fizesse
algum madrigal.
Mas a dama morreu,
os castelos se foram
na tarde cinzenta!
O caminho se alonga
por entre montanhas,
por campos e vales.
Talvez me conduza
ao roteiro perdido
no fundo do mar.
Mas estou tão cansado
na tarde cinzenta!
Não sou lobo da estepe;
amo a todos os homens
e suporto as
mulheres.
Contudo não posso
falar com os lábios,
amar com o sexo,
porque sinto a
tortura
da tarde cinzenta!
Só me restam os
livros.
Vou ficar com eles
esperando que chegue
do fundo da noite,
das sombras do tempo,
oh! imenso mar,
vem me libertar
da tarde cinzenta!
Em: “O aluno” (1947)
Homem com um livro
(Ferdinand Bol: pintor
holandês)
Referência:
PAES, José Paulo. Balada. In: __________. Melhores poemas de José Paulo Paes. Seleção de Davi Arrigucci Jr. 3. ed. São Paulo, SP: Global, 2000. p. 62-63. (Coleção ‘Melhores Poemas’; v. 37)
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