Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 31 de julho de 2025

José Paulo Paes - Balada

Entre certa desmotivação, ausência de aspirações, a aridez criativa e alguma tristeza existencial vive o poeta, estado sob o qual o seu estado de espírito tolda-se sob névoas cinzentas de monotonia, simbolizada por uma espécie de tela onde cabem representações de livros empoeirados, páginas amassadas e uma caneta que se arrasta vãmente ante a aludida dificuldade em encontrar inspiração para se expressar, para engendrar mundos com as palavras.

 

Poder-se-ia dizer que esse ânimo melancólico e introspectivo, até nostálgico, vai em linha com o presumido desencanto do falante em sua busca por um sentido de vida, levando-o a imergir solitariamente numa “tarde cinzenta”, de onde, entre os livros, espera obter redenção ou zarpar para um novo começo, fazendo valer as suas capacidades de empatia e todo o conteúdo mental ainda abstruso sob o nível de sua percepção consciente.

 

J.A.R. – H.C.

 

José Paulo Paes

(1926-1998)

 

Balada

 

Folha enrugada,

poeira nos livros.

A pena se arrasta

no esforço inútil

de libertação.

Nenhuma vontade,

nem mesmo desejo

na tarde cinzenta.

 

A árvore seca

esperando seiva

não tem paisagem.

Na frente é o deserto

coberto de pedras.

Nem sombra de oásis.

Pobre árvore seca

na tarde cinzenta!

 

Se houvesse um castelo

com torres e dama

de loiros cabelos,

talvez eu fizesse

algum madrigal.

Mas a dama morreu,

os castelos se foram

na tarde cinzenta!

 

O caminho se alonga

por entre montanhas,

por campos e vales.

Talvez me conduza

ao roteiro perdido

no fundo do mar.

Mas estou tão cansado

na tarde cinzenta!

 

Não sou lobo da estepe;

amo a todos os homens

e suporto as mulheres.

Contudo não posso

falar com os lábios,

amar com o sexo,

porque sinto a tortura

da tarde cinzenta!

 

Só me restam os livros.

Vou ficar com eles

esperando que chegue

do fundo da noite,

das sombras do tempo,

oh! imenso mar,

vem me libertar

da tarde cinzenta!

 

Em: “O aluno” (1947)

 

Homem com um livro

(Ferdinand Bol: pintor holandês)

 

Referência:

 

PAES, José Paulo. Balada. In: __________. Melhores poemas de José Paulo Paes. Seleção de Davi Arrigucci Jr. 3. ed. São Paulo, SP: Global, 2000. p. 62-63. (Coleção ‘Melhores Poemas’; v. 37)

 

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