Numa mescla de intimidade
e de conflito, a voz lírica torna explícita ao leitor a complexa e estreita
relação entre o poeta e o seu próprio lado obscuro, personificado como o diabo
e apresentado como uma figura constante em sua vida, sempre presente como uma
sombra que o acompanha para todo lado, mesmo nos momentos mais íntimos, como os
que se passam no leito.
Seria ele o onipresente
figurante de nossas mentes a nos avizinhar das tentações, dos impulsos
destrutivos, das inquietudes que nos assediam, em síntese, do lado oculto e
tetro de nossa natureza, retratado não como um inimigo a combater, senão como
uma parte integrante de nossa existência – a ser aceita e compreendida para que
possamos alcançar certa harmonia interior –, pois que componente inamovível do
intrincado fotograma da psique humana.
J.A.R. – H.C.
Jaime Sabines
(1926-1999)
El diablo y yo nos
entendemos
El diablo y yo nos
entendemos
como dos viejos
amigos.
A veces se hace mi
sombra,
va a todas partes
conmigo.
Se me trepa a la
nariz
y me la muerde
y la quiebra con sus
dientes finos.
Cuando estoy en la
ventana
me dice: ¡brinca!,
detrás del oído.
Aquí en la cama se
acuesta
a mis pies como un
niño
y me ilumina el
insomnio
con luces de
artificio.
Nunca se está quieto.
Anda como un maldito,
como un loco,
adivinando
cosas que no me digo.
Quién sabe qué gotas
pone
en mis ojos, que me
miro
a veces cara de
diablo
cuando estoy
distraído.
De vez en cuando me
toma
los dedos mientras
escribo.
Es raro y simple.
Parece
a veces arrepentido.
El pobre no sabe nada
de sí mismo.
Cuando soy santo me
pongo
a murmurarle al oído
y lo mareo y me
desquito.
Pero después de todo
somos amigos
y tiene una ternura
como un membrillo
y se siente solo el pobrecito.
En: “Otros poemas
sueltos” (1973-1994)
Dois Sátiros
(Peter Paul Rubens:
pintor flamengo)
O diabo e eu nos
entendemos
O diabo e eu nos
entendemos
como dois velhos
amigos.
Às vezes ele se torna
a minha sombra,
vai comigo para todo
lado.
Sobe-me pelo nariz
e o morde
e o espedaça com seus
dentes finos.
Quando estou à janela
me diz: salta!
atrás da orelha.
Aqui na cama se deita
aos meus pés como uma
criança
e me ilumina a
insônia
com luzes de
artifício.
Nunca está quieto.
Anda como um maldito,
como um louco,
adivinhando
coisas que não digo a
mim mesmo.
Quem sabe que gotas me
pinga
nos olhos, para que
eu às vezes
pareça um diabo
quando estou distraído.
De vez em quando
segura
os meus dedos
enquanto escrevo.
É excêntrico e simplório.
Parece
às vezes arrependido.
O coitado não sabe
nada
de si mesmo.
Quando sou santo me
ponho
a murmurar em seu
ouvido
e o desoriento e me
vingo.
Mas no fim das contas
somos amigos
e ele é tão terno
quanto um bom sujeito
e se sente só, o coitadinho.
Em: “Outros poemas
soltos” (1973-1994)
Referência:
SABINES, Jaime. El
diablo y yo nos entendemos. In: __________. Poesía. La Habana, CU: Casa
de las Américas, 1987. p. 61. (Colección ‘La Honda’)
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