Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 14 de julho de 2025

Jaime Sabines - O diabo e eu nos entendemos

Numa mescla de intimidade e de conflito, a voz lírica torna explícita ao leitor a complexa e estreita relação entre o poeta e o seu próprio lado obscuro, personificado como o diabo e apresentado como uma figura constante em sua vida, sempre presente como uma sombra que o acompanha para todo lado, mesmo nos momentos mais íntimos, como os que se passam no leito.

 

Seria ele o onipresente figurante de nossas mentes a nos avizinhar das tentações, dos impulsos destrutivos, das inquietudes que nos assediam, em síntese, do lado oculto e tetro de nossa natureza, retratado não como um inimigo a combater, senão como uma parte integrante de nossa existência – a ser aceita e compreendida para que possamos alcançar certa harmonia interior –, pois que componente inamovível do intrincado fotograma da psique humana.

 

J.A.R. – H.C.

 

Jaime Sabines

(1926-1999)

 

El diablo y yo nos entendemos

 

El diablo y yo nos entendemos

como dos viejos amigos.

A veces se hace mi sombra,

va a todas partes conmigo.

Se me trepa a la nariz

y me la muerde

y la quiebra con sus dientes finos.

Cuando estoy en la ventana

me dice: ¡brinca!,

detrás del oído.

Aquí en la cama se acuesta

a mis pies como un niño

y me ilumina el insomnio

con luces de artificio.

Nunca se está quieto.

Anda como un maldito,

como un loco, adivinando

cosas que no me digo.

Quién sabe qué gotas pone

en mis ojos, que me miro

a veces cara de diablo

cuando estoy distraído.

De vez en cuando me toma

los dedos mientras escribo.

Es raro y simple. Parece

a veces arrepentido.

El pobre no sabe nada

de sí mismo.

Cuando soy santo me pongo

a murmurarle al oído

y lo mareo y me desquito.

Pero después de todo

somos amigos

y tiene una ternura como un membrillo

y se siente solo el pobrecito.

 

En: “Otros poemas sueltos” (1973-1994)

 

Dois Sátiros

(Peter Paul Rubens: pintor flamengo)

 

O diabo e eu nos entendemos

 

O diabo e eu nos entendemos

como dois velhos amigos.

Às vezes ele se torna a minha sombra,

vai comigo para todo lado.

Sobe-me pelo nariz

e o morde

e o espedaça com seus dentes finos.

Quando estou à janela

me diz: salta!

atrás da orelha.

Aqui na cama se deita

aos meus pés como uma criança

e me ilumina a insônia

com luzes de artifício.

Nunca está quieto.

Anda como um maldito,

como um louco, adivinhando

coisas que não digo a mim mesmo.

Quem sabe que gotas me pinga

nos olhos, para que eu às vezes

pareça um diabo

quando estou distraído.

De vez em quando segura

os meus dedos enquanto escrevo.

É excêntrico e simplório. Parece

às vezes arrependido.

O coitado não sabe nada

de si mesmo.

Quando sou santo me ponho

a murmurar em seu ouvido

e o desoriento e me vingo.

Mas no fim das contas

somos amigos

e ele é tão terno quanto um bom sujeito

e se sente só, o coitadinho.

 

Em: “Outros poemas soltos” (1973-1994)

 

Referência:

 

SABINES, Jaime. El diablo y yo nos entendemos. In: __________. Poesía. La Habana, CU: Casa de las Américas, 1987. p. 61. (Colección ‘La Honda’)

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