Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 11 de julho de 2025

John Donne - O Êxtase

No âmbito do que se costuma denominar por “poesia metafísica’, o poeta inglês incursiona pela ideia de que o verdadeiro amor transcende o meramente físico e carnal, alcançando um plano mais elevado de comunhão entre as almas, eis que então imersas numa espécie de êxtase contemplativo, por meio do qual poderiam experimentar estágios mais avançados de perfeição espiritual.

 

Sob os seus efeitos, não há vencedores nem vencidos, senão uma harmonia perfeita entre duas forças parelhas, as quais, partindo de suas manifestações corpóreas neste plano de existência, se refundem para criar uma nova entidade, mais pura e intensa, que ascende a uma espiritualidade extática, quiçá a um grau ontológico de ordem superior.

 

J.A.R. – H.C.

 

John Donne

(1573-1631)

Retratado por Isaac Oliver

 

The Ecstasy

 

Where like a pillow on a bed

A pregnant bank swell’d up to rest

The violet’s reclining head

Sat we two, one another’s best.

 

Our hands were firmly cemented

By a fast balm which thence did spring,

Our eye-beams twisted and did thread

Our eyes upon one double string

 

So to engraft our hands, as yet

Was all the means to make us one,

And pictures in our eyes to get

Was all our propagation.

 

As twixt two equal armies Fate

Suspends uncertain victory,

Our souls, which to advance their state

Were gone out, hung twixt her and me.

 

And whilst our souls negotiate there,

We like sepulchral statues lay.

All day the same our postures were

And we said nothing all the day.

 

If any, so by love refined

That he soul’s language understood

And by good love were grown all mind,

Within convenient distance stood,

 

He, though he knew not which soul spake

(Because both meant, both spoke the same),

Might thence a new concoction (1) take

And part far purer than he came.

 

This ecstasy doth unperplex,

We said, and tell us what we love,

We see by this it was not sex

We see, we saw not what did move.

 

But as all several souls contain

Mixture of things they know not what,

Love these mixed souls doth mix again

And make both one, each this and that.

 

A single violet transplant,

The strength, the colour and the size,

All, which before was poor and scant,

Redoubles still and multiplies,

 

When love with one another so

lnterinanimates two souls

That abler soul which thence doth fiow

Defects ofloneliness controls,

 

We then, who are this new soul, know

Of what we are composed and made,

For th’ anatomies of which we grow

Are souls whom no change can invade.

 

But 0 alas, so long, so far

Our bodies why do we forbear?

They are ours though they’re not we. We are

Th’ intelligences, they the spheres.

 

We owe them thanks because they thus

Did us to us at first convey;

Yielded their forces to us

Nor are dross to us, but allay. (2)

 

On man heaven’s influence works not so

But that it first imprints the air,

So soul into soul may fiow

Though it to body first repair

 

As our blood labours to beget

Spirits as like souls as it can

Because such fingers need to knit

That subtle knot which makes us man

 

So must pure lovers’ souls descend

To affections and to faculties

Which sense may reach and apprehend

Else a great prince in prison lies.

 

To our bodies turn we then that so

Weak men on love reveal’d may look,

Loves mysteries in souls do grow

But yet the body is his book

 

And if some lover such as we

Have heard thie dialogue of one,

Let him still mark ue, he shall eee

Small change when we’re to bodies (3) gone.

 

Êxtase: casal de patinação no gelo

(Peppino Mangravita: pintor ítalo-americano)

 

O Êxtase

 

Onde, qual almofada sobre o leito,

Grávida areia inchou para apoiar

A inclinada cabeça da violeta,

Nós nos sentamos, olhar contra olhar.

 

Nossas mãos duramente cimentadas

No firme bálsamo que delas vem,

Nossas vistas trançadas e tecendo

Os olhos em um duplo filamento;

 

Enxertar mão em mão é até agora

Nossa única forma de atadura

E modelar nos olhos as figuras

A nossa única propagação.

 

Como entre dois exércitos iguais,

Na incerteza, o Acaso se suspende,

Nossas almas (dos corpos apartadas

Por antecipação) entre ambos pendem.

 

E enquanto alma com alma negocia,

Estátuas sepulcrais ali quedamos

Todo o dia na mesma posição,

Sem mínima palavra, todo o dia.

 

Se alguém – pelo amor tão refinado

Que entendesse das almas a linguagem,

E por virtude desse amor tornado

Só pensamento – a elas se chegasse,

 

Pudera (sem saber que alma falava

Pois ambas eram uma só palavra),

Nova sublimação tomar do instante

E retornar mais puro do que antes.

 

Nosso Êxtase – dizemos – nos dá nexo

E nos mostra do amor o objetivo,

Vemos agora que não foi o sexo.

Vemos que não soubemos o motivo.

 

Mas que assim como as almas são misturas

Ignoradas, o amor reamalgama

A misturada alma de quem ama,

Compondo duas numa e uma em duas.

 

Transplanta a violeta solitária:

A força, a cor, a forma, tudo o que era

Até aqui degenerado e raro

Ora se multiplica e regenera.

 

Pois quando o amor assim uma na outra

Interinanimou duas almas,

A alma melhor que dessas duas brota

A magra solidão derrota,

 

E nós, que somos essa alma jovem,

Nossa composição já conhecemos

Por isto: os átomos de que nascemos

São almas que não mais se movem.

 

Mas que distância e distração as nossas!

Aos corpos não convém fazermos guerra:

Não sendo nós, são nossos. Nós as

Inteligências, eles as esferas.

 

Ao contrário, devemos ser-lhes gratas

Por nos (a nós) haverem atraído,

Emprestando-nos forças e sentidos:

Escória, não, mas liga que nos ata.

 

A influência dos céus em nós atua

Só depois de se ter impresso no ar.

Também é lei de amor que alma não flua

Em alma sem os corpos transpassar.

 

Como o sangue trabalha para dar

Espíritos, que às almas são conformes.

Pois tais dedos carecem de apertar

Esse invisível nó que nos faz homens,

 

Assim as almas dos amantes devem

Descer às afeições e às faculdades

Que os sentidos atingem e percebem,

Senão um Príncipe jaz aprisionado.

 

Aos corpos, finalmente, retornemos,

Descortinando o amor a toda a gente;

Os mistérios do amor, a alma os sente,

Porém o corpo é as páginas que lemos.

 

Se alguém – amante como nós – tiver

Esse diálogo a um ouvido a ambos,

Que observe ainda e não verá qualquer

Mudança quando aos corpos nos mudamos.

 

Notas de Ezra Pound:

 

(1). Concoction: technical alchemical term [termo técnico da alquimia];

(2). Allay: that makes metal fit for a given [que torna o metal adequado para um determinado propósito];

(3). Bodies: probably technical for atoms [provavelmente a denotar o termo técnico para átomos].

 

Referência:

 

DONNE, John. The ecstasy / O êxtase. Tradução de Augusto de Campos. In: POUND, Ezra. Abc da literatura. Organização e apresentação da edição brasileira por Augusto de Campos. Tradução de Augusto de Campos e José Paulo Paes. 12. ed. São Paulo, SP: Cultrix, 2013. Em inglês: p. 127-129; em português: p. 220-222.

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