No âmbito do que se
costuma denominar por “poesia metafísica’, o poeta inglês incursiona pela ideia de
que o verdadeiro amor transcende o meramente físico e carnal, alcançando um
plano mais elevado de comunhão entre as almas, eis que então imersas numa
espécie de êxtase contemplativo, por meio do qual poderiam experimentar
estágios mais avançados de perfeição espiritual.
Sob os seus efeitos,
não há vencedores nem vencidos, senão uma harmonia perfeita entre duas forças parelhas,
as quais, partindo de suas manifestações corpóreas neste plano de existência, se
refundem para criar uma nova entidade, mais pura e intensa, que ascende a uma
espiritualidade extática, quiçá a um grau ontológico de ordem superior.
J.A.R. – H.C.
John Donne
(1573-1631)
Retratado por Isaac
Oliver
The Ecstasy
Where like a pillow
on a bed
A pregnant bank swell’d
up to rest
The violet’s
reclining head
Sat we two, one another’s
best.
Our hands were firmly
cemented
By a fast balm which
thence did spring,
Our eye-beams twisted
and did thread
Our eyes upon one
double string
So to engraft our
hands, as yet
Was all the means to
make us one,
And pictures in our
eyes to get
Was all our
propagation.
As twixt two equal
armies Fate
Suspends uncertain
victory,
Our souls, which to
advance their state
Were gone out, hung
twixt her and me.
And whilst our souls
negotiate there,
We like sepulchral
statues lay.
All day the same our
postures were
And we said nothing
all the day.
If any, so by love
refined
That he soul’s
language understood
And by good love were
grown all mind,
Within convenient
distance stood,
He, though he knew
not which soul spake
(Because both meant, both
spoke the same),
Might thence a new
concoction (1) take
And part far purer
than he came.
This ecstasy doth
unperplex,
We said, and tell us
what we love,
We see by this it was
not sex
We see, we saw not
what did move.
But as all several
souls contain
Mixture of things
they know not what,
Love these mixed
souls doth mix again
And make both one,
each this and that.
A single violet
transplant,
The strength, the
colour and the size,
All, which before was
poor and scant,
Redoubles still and
multiplies,
When love with one
another so
lnterinanimates two
souls
That abler soul which
thence doth fiow
Defects ofloneliness
controls,
We then, who are this
new soul, know
Of what we are
composed and made,
For th’ anatomies of
which we grow
Are souls whom no
change can invade.
But 0 alas, so long,
so far
Our bodies why do we
forbear?
They are ours though
they’re not we. We are
Th’ intelligences,
they the spheres.
We owe them thanks
because they thus
Did us to us at first
convey;
Yielded their forces
to us
Nor are dross to us,
but allay. (2)
On man heaven’s
influence works not so
But that it first
imprints the air,
So soul into soul may
fiow
Though it to body
first repair
As our blood labours
to beget
Spirits as like souls
as it can
Because such fingers
need to knit
That subtle knot
which makes us man
So must pure lovers’
souls descend
To affections and to
faculties
Which sense may reach
and apprehend
Else a great prince
in prison lies.
To our bodies turn we
then that so
Weak men on love
reveal’d may look,
Loves mysteries in
souls do grow
But yet the body is
his book
And if some lover
such as we
Have heard thie
dialogue of one,
Let him still mark
ue, he shall eee
Small change when we’re
to bodies (3) gone.
Êxtase: casal de
patinação no gelo
(Peppino Mangravita:
pintor ítalo-americano)
O Êxtase
Onde, qual almofada
sobre o leito,
Grávida areia inchou
para apoiar
A inclinada cabeça da
violeta,
Nós nos sentamos,
olhar contra olhar.
Nossas mãos duramente
cimentadas
No firme bálsamo que
delas vem,
Nossas vistas
trançadas e tecendo
Os olhos em um duplo
filamento;
Enxertar mão em mão é
até agora
Nossa única forma de
atadura
E modelar nos olhos
as figuras
A nossa única
propagação.
Como entre dois
exércitos iguais,
Na incerteza, o Acaso
se suspende,
Nossas almas (dos
corpos apartadas
Por antecipação)
entre ambos pendem.
E enquanto alma com
alma negocia,
Estátuas sepulcrais
ali quedamos
Todo o dia na mesma
posição,
Sem mínima palavra,
todo o dia.
Se alguém – pelo amor
tão refinado
Que entendesse das
almas a linguagem,
E por virtude desse
amor tornado
Só pensamento – a
elas se chegasse,
Pudera (sem saber que
alma falava
Pois ambas eram uma
só palavra),
Nova sublimação tomar
do instante
E retornar mais puro
do que antes.
Nosso Êxtase –
dizemos – nos dá nexo
E nos mostra do amor
o objetivo,
Vemos agora que não
foi o sexo.
Vemos que não
soubemos o motivo.
Mas que assim como as
almas são misturas
Ignoradas, o amor
reamalgama
A misturada alma de
quem ama,
Compondo duas numa e
uma em duas.
Transplanta a violeta
solitária:
A força, a cor, a
forma, tudo o que era
Até aqui degenerado e
raro
Ora se multiplica e
regenera.
Pois quando o amor
assim uma na outra
Interinanimou duas
almas,
A alma melhor que
dessas duas brota
A magra solidão
derrota,
E nós, que somos essa
alma jovem,
Nossa composição já
conhecemos
Por isto: os átomos
de que nascemos
São almas que não
mais se movem.
Mas que distância e
distração as nossas!
Aos corpos não convém
fazermos guerra:
Não sendo nós, são
nossos. Nós as
Inteligências, eles
as esferas.
Ao contrário, devemos
ser-lhes gratas
Por nos (a nós)
haverem atraído,
Emprestando-nos
forças e sentidos:
Escória, não, mas
liga que nos ata.
A influência dos céus
em nós atua
Só depois de se ter
impresso no ar.
Também é lei de amor
que alma não flua
Em alma sem os corpos
transpassar.
Como o sangue
trabalha para dar
Espíritos, que às
almas são conformes.
Pois tais dedos
carecem de apertar
Esse invisível nó que
nos faz homens,
Assim as almas dos
amantes devem
Descer às afeições e
às faculdades
Que os sentidos
atingem e percebem,
Senão um Príncipe jaz
aprisionado.
Aos corpos,
finalmente, retornemos,
Descortinando o amor
a toda a gente;
Os mistérios do amor,
a alma os sente,
Porém o corpo é as
páginas que lemos.
Se alguém – amante
como nós – tiver
Esse diálogo a um
ouvido a ambos,
Que observe ainda e
não verá qualquer
Mudança quando aos
corpos nos mudamos.
Notas de Ezra Pound:
(1). Concoction: technical
alchemical term [termo técnico da alquimia];
(2). Allay: that makes metal fit for a given [que torna o metal adequado para um determinado propósito];
(3). Bodies: probably
technical for atoms [provavelmente a denotar o termo técnico para átomos].
Referência:
DONNE, John. The ecstasy
/ O êxtase. Tradução de Augusto de Campos. In: POUND, Ezra. Abc da
literatura. Organização e apresentação da edição brasileira por Augusto de
Campos. Tradução de Augusto de Campos e José Paulo Paes. 12. ed. São Paulo, SP:
Cultrix, 2013. Em inglês: p. 127-129; em português: p. 220-222.
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