Um certo desencanto e
desilusão perante a vida perpassa as linhas deste poema de Monteiro, para quem,
aparentemente, a existência humana exibe carência de sentido, imersa que está em
certezas e crenças que, aos poucos, desmoronam e perdem o seu valor,
transmitindo uma sensação de vazio que ainda mais se amplifica diante da inevitabilidade
do sofrimento e da morte.
Com efeito, entrecortam-se
ideias no discurso do falante a questionarem a futilidade das verdades absolutas,
vislumbrando a memória como um espaço ilusório ou infecundo; considerando a
indiferença do universo como contraparte a uma esperança que se obstina em
manter-se operante, mesmo à vista de desarrazoados padecimentos. Ainda assim, a
despeito de todos os infortúnios e prognósticos, “a vida continua”!
J.A.R. – H.C.
Adolfo Casais
Monteiro
(1908-1972)
Amarga taça
A Carlos Drummond de
Andrade
Nada é resolução e
nada é fim.
A vida passa,
e das “verdades definitivas”
só fica poeira e cinza,
e, coalhadas na
memória estéril de alguém,
certezas apesar de
tudo que não querem dizer nada.
Porque a vida
continua
e continua a
esperança, continua a ilusão
de tudo se continuar
e durar sempre.
Dura, na ilusão do nosso
segundo de vida.
Dura, na memória
irreal das coisas pensadas.
Dura, fora de nós,
alheia a nós,
como um rastro de
estrela apagada há milénios.
E que nos importa? De
que nos vale
essa ilusão em todos
e mentira em cada um?
Vale a escravidão? Valem
as amarguras
das vidas sempre em
vão sacrificadas?
Nada vale o sangue e
a vida poluídos.
Nada vale a vida
roubada de sentido.
Nada vale os
sofrimentos sofridos sempre em vão.
Vida vã
(Younes Faghihi:
artista franco-iraniano)
Referência:
MONTEIRO, Adolfo
Casais. Amarga taça. In: __________. Poesias completas: 1929-1969.
Lisboa, PT: Portugália, 1969. p. 253-254.
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