Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 25 de julho de 2025

José Emilio Pacheco - Ser sem estar

Pacheco capta memoravelmente nestes versos, ainda que breves, a solidão metafísica e de angústia existencial do ser humano diante de um universo que lhe parece indiferente, com poder para ensejar rastros de sofrimento, de violência e de ameaça de autodestruição em meio a tempos turbulentos (no caso, em fins de década de 60 do século passado, quando o mundo se encontrava sob a ameaça latente da “Guerra Fria”).

 

De fato, o poema acaba por ser uma antevisão soturna do que, meses depois, especificamente em 2 de outubro de 1968, viria a ocorrer na cidade mexicana de Tlatelolco, quando, estimativamente, 350 pessoas foram mortas durante o que ficou conhecido como o “Massacre Estudantil da Praça das Três Culturas”, perpetrado durante o longo e hegemônico poder do Partido Revolucionário Institucional (PRI), exatamente no mesmo ano em que haveria a Olímpiada no México, uma das razões dos protestos levados a cabo por cerca de 200 mil estudantes em todo o país.

 

J.A.R. – H.C.

 

José Emilio Pacheco

(1939-2014)

 

Ser sin estar

(agosto 1968)

 

Te preguntas

si entre tantos desastres que no esperabas

mecanismos cuyo admirable funcionamiento desconoces

gérmenes afilados que fermentan

para matar al mundo

hombres que luchan por borrar al hombre

no serás ya un fantasma

o el último vestigio de un fantasma

o la sombra

de una especie extinguida

que interrumpe

con la mirada absorta e implorante

la abyecta procesión del matadero

 

Sem título

(Miguel Ángel Rojas: artista colombiano)

 

Ser sem estar

(agosto de 1968)

 

Perguntas-te

se entre tantos desastres que não esperavas

mecanismos cujo admirável funcionamento desconheces

germes afiados que fermentam

para matar o mundo

homens que lutam para apagar o homem

não serás já um fantasma

ou o último vestígio de um fantasma

ou a sombra

de uma espécie extinta

que interrompe

com o olhar absorto e implorante

a abjeta procissão do matadouro

 

Referência:

 

PACHECO, José Emilio. Ser sin estar. In: __________. No me preguntes cómo pasa el tiempo: poemas (1964-1968). 1. ed. México, D.F.: Joaquín Mortiz, ago. 1969. p. 20.

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