Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 24 de julho de 2025

William Carlos Williams - Os Iates

É possível se fazer uma leitura metafórica deste descritivo poema de Williams, cujos versos – carregados por detalhes visuais de iates, com suas velas enfunadas e afiladas proas a singrarem as águas, parcialmente protegidos dos golpes demasiado fortes de um oceano enfrene por se encontrarem ainda suficientemente próximos da terra –, celebram as habilidades técnicas dos iatistas numa espécie de ferrenha regata, mas que bem poderiam aludir espontaneamente às provações e adversidades por que passamos em vida, mesmo que estejamos insertos num cenário belo e algo desafiador quanto o do mar.

 

Nessa colagem em que se justapõem beleza e inclemência, passa-se da sensação de um estado de liberdade, graça e segurança a uma outra, com potencial para revelar a insânia subjacente à natureza humana quando numa competição a todo custo, oportunidade em que podemos ceder a impulsos os mais sombrios e destrutivos, sem apelos a ideais de solidariedade e compaixão.

 

J.A.R. – H.C.

 

William Carlos Williams

(1883-1963)

 

The Yachts

 

contend in a sea which the land partly encloses

shielding them from the too-heavy blows

of an ungoverned ocean which when it chooses

 

tortures the biggest hulls, the best man knows

to pit against its beatings, and sinks them pitilessly.

Mothlike in mists, scintillant in the minute

 

brilliance of cloudless days, with broad bellying sails

they glide to the wind tossing green water

from their sharp prows while over them the crew crawls

 

ant-like, solicitously grooming them, releasing,

making fast as they turn, lean far over and having

caught the wind again, side by side, head for the mark.

 

In a well guarded arena of open water surrounded by

lesser and greater craft which, sycophant, lumbering

and flittering follow them, they appear youthful, rare

 

as the light of a happy eye, live with the grace

of all that in the mind is fleckless, free and

naturally to be desired. Now the sea which holds them

 

is moody, lapping their glossy sides, as if feeling

for some slightest flaw but fails completely.

Today no race. Then the wind comes again. The yachts

 

move, jockeying for a start, the signal is set and they

are off. Now the waves strike at them but they are too

well made, they slip through, though they take in canvas.

 

Arms with hands grasping seek to clutch at the prows.

Bodies thrown recklessly in the way are cut aside.

It is a sea of faces about them in agony, in despair

 

until the horror of the race dawns staggering the mind,

the whole sea become an entanglement of watery bodies

lost to the world bearing what they cannot hold. Broken,

 

beaten, desolate, reaching from the dead to be taken up

they cry out, failing, failing! their cries rising

in waves still as the skillful yachts pass over.

 

In: “An Early Martyr” (1935)

 

A alegria de navegar

(Russ Kramer: pintor norte-americano)

 

Os Iates

 

disputam num trecho de mar em parte protegido

pela terra, que os livra de árduos golpes desferidos

por um oceano furioso que, quando quer, castiga

 

os cascos mais resistentes dos que contra ele brigam

e sem piedade arrasta todos para o fundo. Insetos

em bando, cintilando na claridade de dias

 

sem nuvem, navegando rumo ao vento, a água rasgada

por suas proas anavalhadas, enquanto sobre eles

atribula-se a tripulação, bando de formigas.

 

Soltam as velas, deslizam mais rápido na curva,

inclinam-se para o mar e, no vento novamente,

navegam lado a lado para o local de partida.

 

Numa bem guardada arena de mar aberto em que

barcos maiores e menores, sicofantas, seguem

atrás, uns rápidos, outros se arrastando, eis que surgem

 

eles, vigorosos, extraordinários como o alegre

brilho de um olhar, cheios de vida e de tudo o que,

na vida, se deseja natural e simplesmente.

 

O mar que os sustenta agora é caprichoso, lambendo-lhes

os cascos brilhantes como se buscasse uma falha,

mas fracassa inteiramente. Hoje não haverá regata.

 

Súbito o vento volta. Os iates já se acotovelam

para a largada, é dado o sinal e partem. As vagas

investem, eles resistem, no entanto ferram velas.

 

Braços e mãos em garra tentam aferrar-se às proas.

Corpos que se precipitam à frente são rasgados.

É um mar de rostos agônicos e desesperados

 

que traz à tona o horror da regata estonteantemente.

O mar inteiro é um emaranhado de corpos líquidos

desligados des te mundo. Vencidos, alquebrados,

 

desolados, surgem aos gritos de entre os mortos para

serem alçados, mas fracassam, fracassam. Seus gritos

se arrastam nas ondas enquanto os hábeis iates passam.

 

Em: “Um Mártir Precoce” (1935)

Folhetim, 11.09.8 3

 

Referências:

 

Em Inglês

 

WILLIAMS, William Carlos. The yachts. In: __________. The William Carlos Williams reader. Edited with an introduction by M. L. Rosenthal. 2nd print. New York, NY: New Directions, 1966. p. 36-37.

 

Em Português

 

WILLIAMS, William Carlos. Os iates. Tradução de João Moura Jr. In: SUZUKI JR., Matinas; ASCHER, Nelson (Organizadores). Folhetim: poemas traduzidos. São Paulo, SP: Folha de São Paulo, 1987. p. 99-100.

Nenhum comentário:

Postar um comentário