É possível se fazer
uma leitura metafórica deste descritivo poema de Williams, cujos versos –
carregados por detalhes visuais de iates, com suas velas enfunadas e afiladas
proas a singrarem as águas, parcialmente protegidos dos golpes demasiado fortes
de um oceano enfrene por se encontrarem ainda suficientemente próximos da terra
–, celebram as habilidades técnicas dos iatistas numa espécie de ferrenha
regata, mas que bem poderiam aludir espontaneamente às provações e adversidades
por que passamos em vida, mesmo que estejamos insertos num cenário belo e algo desafiador
quanto o do mar.
Nessa colagem em que
se justapõem beleza e inclemência, passa-se da sensação de um estado de
liberdade, graça e segurança a uma outra, com potencial para revelar a insânia
subjacente à natureza humana quando numa competição a todo custo, oportunidade
em que podemos ceder a impulsos os mais sombrios e destrutivos, sem apelos a
ideais de solidariedade e compaixão.
J.A.R. – H.C.
William Carlos
Williams
(1883-1963)
The Yachts
contend in a sea
which the land partly encloses
shielding them from
the too-heavy blows
of an ungoverned
ocean which when it chooses
tortures the biggest
hulls, the best man knows
to pit against its
beatings, and sinks them pitilessly.
Mothlike in mists,
scintillant in the minute
brilliance of
cloudless days, with broad bellying sails
they glide to the
wind tossing green water
from their sharp
prows while over them the crew crawls
ant-like,
solicitously grooming them, releasing,
making fast as they
turn, lean far over and having
caught the wind
again, side by side, head for the mark.
In a well guarded
arena of open water surrounded by
lesser and greater
craft which, sycophant, lumbering
and flittering follow
them, they appear youthful, rare
as the light of a
happy eye, live with the grace
of all that in the
mind is fleckless, free and
naturally to be
desired. Now the sea which holds them
is moody, lapping
their glossy sides, as if feeling
for some slightest
flaw but fails completely.
Today no race. Then
the wind comes again. The yachts
move, jockeying for a
start, the signal is set and they
are off. Now the
waves strike at them but they are too
well made, they slip
through, though they take in canvas.
Arms with hands
grasping seek to clutch at the prows.
Bodies thrown
recklessly in the way are cut aside.
It is a sea of faces
about them in agony, in despair
until the horror of
the race dawns staggering the mind,
the whole sea become
an entanglement of watery bodies
lost to the world
bearing what they cannot hold. Broken,
beaten, desolate,
reaching from the dead to be taken up
they cry out,
failing, failing! their cries rising
in waves still as the
skillful yachts pass over.
In: “An Early Martyr”
(1935)
A alegria de navegar
(Russ Kramer: pintor
norte-americano)
Os Iates
disputam num trecho
de mar em parte protegido
pela terra, que os
livra de árduos golpes desferidos
por um oceano furioso
que, quando quer, castiga
os cascos mais
resistentes dos que contra ele brigam
e sem piedade arrasta
todos para o fundo. Insetos
em bando, cintilando
na claridade de dias
sem nuvem, navegando
rumo ao vento, a água rasgada
por suas proas
anavalhadas, enquanto sobre eles
atribula-se a
tripulação, bando de formigas.
Soltam as velas,
deslizam mais rápido na curva,
inclinam-se para o
mar e, no vento novamente,
navegam lado a lado
para o local de partida.
Numa bem guardada
arena de mar aberto em que
barcos maiores e
menores, sicofantas, seguem
atrás, uns rápidos,
outros se arrastando, eis que surgem
eles, vigorosos,
extraordinários como o alegre
brilho de um olhar,
cheios de vida e de tudo o que,
na vida, se deseja
natural e simplesmente.
O mar que os sustenta
agora é caprichoso, lambendo-lhes
os cascos brilhantes
como se buscasse uma falha,
mas fracassa
inteiramente. Hoje não haverá regata.
Súbito o vento volta.
Os iates já se acotovelam
para a largada, é
dado o sinal e partem. As vagas
investem, eles
resistem, no entanto ferram velas.
Braços e mãos em
garra tentam aferrar-se às proas.
Corpos que se
precipitam à frente são rasgados.
É um mar de rostos
agônicos e desesperados
que traz à tona o
horror da regata estonteantemente.
O mar inteiro é um
emaranhado de corpos líquidos
desligados des te
mundo. Vencidos, alquebrados,
desolados, surgem aos
gritos de entre os mortos para
serem alçados, mas
fracassam, fracassam. Seus gritos
se arrastam nas ondas
enquanto os hábeis iates passam.
Em: “Um Mártir
Precoce” (1935)
Folhetim, 11.09.8 3
Referências:
Em Inglês
WILLIAMS, William
Carlos. The yachts. In: __________. The William Carlos Williams reader.
Edited with an introduction by M. L. Rosenthal. 2nd print. New York, NY: New
Directions, 1966. p. 36-37.
Em Português
WILLIAMS, William
Carlos. Os iates. Tradução de João Moura Jr. In: SUZUKI JR., Matinas; ASCHER,
Nelson (Organizadores). Folhetim: poemas traduzidos. São Paulo, SP:
Folha de São Paulo, 1987. p. 99-100.
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