Vemos aqui a poetisa
paulista a revisitar o tema da solidão inerente ao ser humano, inclusive nos
domínios do amor e da poesia: “poetas e amantes”, ainda que persigam a beleza e
a paixão – e, de fato, os experimentem com um sentido de assombro através da
arte e do romance –, não seriam capazes, a seu ver, de escapar à inevitável
condição de se verem apartados.
Com efeito, a dor e a
solidão são parte integrante de nossos seres, pois que há limites no amor e nas
relações interpessoais – v.g., sacrifícios, renúncias com potencial para trazerem
impactos ao bem-estar e à própria identidade –, os quais resultam no cerceamento
à plenitude na conexão com os outros, gerando abismos de incomunicação, ainda
que vezes sem conta nos disponhamos a expressar compaixão e ânimo de compartilhamento
com os pares.
J.A.R. – H.C.
Hilda Hilst
(1930-2004)
XX: Nós, poetas e
amantes
Nós, poetas e amantes
o que sabemos do
amor?
Temos o espanto na
retina
diante da morte e da
beleza.
Somos humanos e
frágeis
mas antes de tudo,
sós.
Somos inimigos.
Inimigos com muralhas
de sombra sobre os
ombros.
E sonhamos. Às vezes
damos as mãos àqueles
que estão chorando
(os que nunca
choraram por nós).
Ah, meus irmãos e
irmãs…
Ai daqueles que nos amam
e que por amor de nós
se perdem.
Ah, pudéssemos amar
um homem
ou uma mulher ou uma
coisa…
Mas diante de nós, o
tempo
se consome,
desaparece e não para.
Ouvi: que vossos
olhos se inundem
de pranto e água de
todo o mundo!
Somos humanos e
frágeis
mas antes de tudo,
sós.
Em: “Balada do
festival” (1955)
Velho consolando uma mulher
que chora
(Louisa Starr
Canziani: pintora inglesa)
Referência:
HILST, Hilda. XX: Nós,
poetas e amantes. In: __________. Da poesia. 1. ed. São Paulo, SP:
Companhia das Letras, 2017. p. 77.
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