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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 28 de julho de 2025

Hilda Hilst - XX: Nós, poetas e amantes

Vemos aqui a poetisa paulista a revisitar o tema da solidão inerente ao ser humano, inclusive nos domínios do amor e da poesia: “poetas e amantes”, ainda que persigam a beleza e a paixão – e, de fato, os experimentem com um sentido de assombro através da arte e do romance –, não seriam capazes, a seu ver, de escapar à inevitável condição de se verem apartados.

 

Com efeito, a dor e a solidão são parte integrante de nossos seres, pois que há limites no amor e nas relações interpessoais – v.g., sacrifícios, renúncias com potencial para trazerem impactos ao bem-estar e à própria identidade –, os quais resultam no cerceamento à plenitude na conexão com os outros, gerando abismos de incomunicação, ainda que vezes sem conta nos disponhamos a expressar compaixão e ânimo de compartilhamento com os pares.

 

J.A.R. – H.C.

 

Hilda Hilst

(1930-2004)

 

XX: Nós, poetas e amantes

 

Nós, poetas e amantes

o que sabemos do amor?

Temos o espanto na retina

diante da morte e da beleza.

Somos humanos e frágeis

mas antes de tudo, sós.

 

Somos inimigos.

Inimigos com muralhas

de sombra sobre os ombros.

E sonhamos. Às vezes

damos as mãos àqueles

que estão chorando

(os que nunca choraram por nós).

 

Ah, meus irmãos e irmãs…

Ai daqueles que nos amam

e que por amor de nós se perdem.

Ah, pudéssemos amar um homem

ou uma mulher ou uma coisa…

Mas diante de nós, o tempo

se consome, desaparece e não para.

 

Ouvi: que vossos olhos se inundem

de pranto e água de todo o mundo!

Somos humanos e frágeis

mas antes de tudo, sós.

 

Em: “Balada do festival” (1955)

 

Velho consolando uma mulher que chora

(Louisa Starr Canziani: pintora inglesa)

 

Referência:

 

HILST, Hilda. XX: Nós, poetas e amantes. In: __________. Da poesia. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2017. p. 77.

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