Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 7 de julho de 2025

Paulo Leminski - Iceberg

Nestas linhas, Leminski mergulha num domínio ártico e minimalista, com uma atmosfera fria e despojada, onde a vida parece deter-se, ansiando por uma poesia pura e cristalina como o gelo, enquanto expressão essencial e refinada por meio da qual, liminar e paradoxalmente, busca o silêncio e a ausência de palavras, sem dilatadas estruturas frasais, pois que em facundos enunciados – segundo lhe parece – há elevadas chances de se criar mal-entendidos e interpretações ambivalentes.

 

Em suma: longe do enquadramento a modelos pré-existentes, tem-se aqui a propositura de versos simples, sucintos, austeros, quase “ausentes”, despojados de ornamentos, superfluidades e excessos, ou por outra, caracterizados pela concisão e uso preciso da linguagem, sem significados ocultos ou simbolismos complexos – ainda que venham a se espraiar para mais além do convencionalismo vocabular, com o objetivo de escapar, de algum modo, às limitações da lógica e da razão.

 

Eis aí o que me parece ser um traço característico da poesia de vanguarda praticada pelo poeta paranaense, metaforizado por uma “lira nula”, a saber, desinteressada por regras de musicalidade ou ritmo, quiçá de métrica, mas capaz de, num relance fugaz e instantâneo, num breve flash de luz de autenticidade e de originalidade, iluminar a mente e o coração de seus leitores.

 

J.A.R. – H.C.

 

Paulo Leminski

(1944-1989)

 

Iceberg

 

Uma poesia ártica,

claro, é isso que desejo.

Uma prática pálida,

três versos de gelo.

Uma frase-superfície

onde vida-frase alguma

não seja mais possível.

Frase, não. Nenhuma.

Uma lira nula,

reduzida ao puro mínimo,

um piscar do espírito,

a única coisa única.

Mas falo. E, ao falar, provoco

nuvens de equívocos

(ou enxame de monólogos?).

Sim, inverno, estamos vivos.

 

Em: “Distraídos venceremos” (1987)

 

Sonho Ártico

(David McEown: artista canadense)

 

Referência:

 

LEMINSKI, Paulo. Iceberg. In: __________. Toda poesia. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2013. p. 181.

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