Nestas linhas, Leminski
mergulha num domínio ártico e minimalista, com uma atmosfera fria e despojada,
onde a vida parece deter-se, ansiando por uma poesia pura e cristalina como o
gelo, enquanto expressão essencial e refinada por meio da qual, liminar e
paradoxalmente, busca o silêncio e a ausência de palavras, sem dilatadas
estruturas frasais, pois que em facundos enunciados – segundo lhe parece – há
elevadas chances de se criar mal-entendidos e interpretações ambivalentes.
Em suma: longe do
enquadramento a modelos pré-existentes, tem-se aqui a propositura de versos
simples, sucintos, austeros, quase “ausentes”, despojados de ornamentos,
superfluidades e excessos, ou por outra, caracterizados pela concisão e uso
preciso da linguagem, sem significados ocultos ou simbolismos complexos – ainda
que venham a se espraiar para mais além do convencionalismo vocabular, com o objetivo
de escapar, de algum modo, às limitações da lógica e da razão.
Eis aí o que me
parece ser um traço característico da poesia de vanguarda praticada pelo poeta
paranaense, metaforizado por uma “lira nula”, a saber, desinteressada por
regras de musicalidade ou ritmo, quiçá de métrica, mas capaz de, num relance
fugaz e instantâneo, num breve flash de luz de autenticidade e de originalidade,
iluminar a mente e o coração de seus leitores.
J.A.R. – H.C.
Paulo Leminski
(1944-1989)
Iceberg
Uma poesia ártica,
claro, é isso que
desejo.
Uma prática pálida,
três versos de gelo.
Uma frase-superfície
onde vida-frase
alguma
não seja mais
possível.
Frase, não. Nenhuma.
Uma lira nula,
reduzida ao puro
mínimo,
um piscar do
espírito,
a única coisa única.
Mas falo. E, ao
falar, provoco
nuvens de equívocos
(ou enxame de
monólogos?).
Sim, inverno, estamos
vivos.
Em: “Distraídos
venceremos” (1987)
Sonho Ártico
(David McEown:
artista canadense)
Referência:
LEMINSKI, Paulo.
Iceberg. In: __________. Toda poesia. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia
das Letras, 2013. p. 181.
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