A partir de um mote a
acompanhá-las como epígrafe – de fato, os dois últimos versos do longo poema “A
bomba”, de Drummond –, estas linhas da poetisa e tradutora carioca encetam um
expressivo diálogo intertextual ao empregar um jogo de palavras com o verbo “liquidar”,
para cotejar as consequências de se eliminar as bombas ou de se destruir o ser
humano e, por extensão, o próprio poeta.
Depois de refletir
sobre o impacto destrutivo das bombas e das armas nucleares sobre a humanidade
e o planeta, seus amplos estragos sobre a vida animal e vegetal, Leonardos
volta-se para a possibilidade de “ressurreição do poeta”, uma vez que se elimine
esse artefato exterminador: quantas culturas desintegradas ao longo da história
em razão de guerras e conflitos que tais, quanta interlocução interrompida, quanto
engenho mal empregado!
No entanto, a poetisa
encerra o seu poema com certo otimismo, pois que deposita alguma dose de
esperança em que, findo esse violento terror, possa o homem renascer “poeta”,
servindo-se de sua criatividade, de seu poder de imaginação e invenção, para
erigir um mundo novo com potencial para integrar as pessoas e estabelecer uma
condição de concórdia planetária.
J.A.R. – H.C.
Stella Leonardos
(1923-2019)
Da bomba
O homem
(tenho esperança)
liquidará a bomba.
Carlos Drummond de
Andrade
A esperança
(do Poeta) liquidará
a bomba?
Ante meus olhos
violentados
estranhas
terras e praias
se desdobram.
Nelas nem verdes
nem gaivotas.
O homem
(tendo esperança) liquidará
o poeta?
Silêncio mineral
de mortalha
envolvendo espaços
de ex-passos
e ex-vozes
– gestos mortos,
línguas mortas,
de quantos bilhões
de corpos
e sonhos
des-in-te-gra-dos?
O homem
(liquidada a bomba)
tenho esperança:
renascerá poeta.
Idílio atômico e
urânico melancólico
(Salvador Dalí:
pintor espanhol)
Referência:
LEONARDOS, Stella. Da bomba. In: __________. Amanhecência. Rio de Janeiro (GB): José Aguilar; Brasília (DF): INL, 1974. p. 167. (Biblioteca ‘Manancial’; n. 9)
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