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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 2 de julho de 2025

Stella Leonardos - Da bomba

A partir de um mote a acompanhá-las como epígrafe – de fato, os dois últimos versos do longo poema “A bomba”, de Drummond –, estas linhas da poetisa e tradutora carioca encetam um expressivo diálogo intertextual ao empregar um jogo de palavras com o verbo “liquidar”, para cotejar as consequências de se eliminar as bombas ou de se destruir o ser humano e, por extensão, o próprio poeta.

 

Depois de refletir sobre o impacto destrutivo das bombas e das armas nucleares sobre a humanidade e o planeta, seus amplos estragos sobre a vida animal e vegetal, Leonardos volta-se para a possibilidade de “ressurreição do poeta”, uma vez que se elimine esse artefato exterminador: quantas culturas desintegradas ao longo da história em razão de guerras e conflitos que tais, quanta interlocução interrompida, quanto engenho mal empregado!

 

No entanto, a poetisa encerra o seu poema com certo otimismo, pois que deposita alguma dose de esperança em que, findo esse violento terror, possa o homem renascer “poeta”, servindo-se de sua criatividade, de seu poder de imaginação e invenção, para erigir um mundo novo com potencial para integrar as pessoas e estabelecer uma condição de concórdia planetária.

 

J.A.R. – H.C.

 

Stella Leonardos

(1923-2019)

 

Da bomba

 

O homem

(tenho esperança) liquidará a bomba.

Carlos Drummond de Andrade

 

A esperança

(do Poeta) liquidará a bomba?

Ante meus olhos

violentados

estranhas

terras e praias

se desdobram.

Nelas nem verdes

nem gaivotas.

 

O homem

(tendo esperança) liquidará o poeta?

Silêncio mineral

de mortalha

envolvendo espaços

de ex-passos

e ex-vozes

– gestos mortos,

línguas mortas,

de quantos bilhões

de corpos

e sonhos

des-in-te-gra-dos?

 

O homem

(liquidada a bomba)

tenho esperança: renascerá poeta.

 

Idílio atômico e urânico melancólico

(Salvador Dalí: pintor espanhol)

 

Referência:

 

LEONARDOS, Stella. Da bomba. In: __________. Amanhecência. Rio de Janeiro (GB): José Aguilar; Brasília (DF): INL, 1974. p. 167. (Biblioteca ‘Manancial’; n. 9)

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