Adélia tece este
panegírico à obra do grande poeta português, conhecido por seus múltiplos
heterônimos ou “almas” literárias, fazendo referência, primeiramente, a uma sua
poesia intitulada “Ode à noite antiga” – mas que, salvo engano, trata-se de
excertos de poema escrito sob o heterônimo de Álvaro de Campos, a iniciar-se
com o verso “Vem, Noite antiquíssima e idêntica”, disponível nesta página do site oficial do poeta
–, além de aludir, indiretamente, ao título de outra poemário, desta feita
publicada sob o heterônimo de Alberto Caeiro, nomeadamente “O Guardador de Rebanhos”.
Contudo, o poema tem
muito das temáticas da poesia de Ricardo Reis, um terceiro heterônimo do poeta,
pois que trata da fugacidade do existir humano, da morte, da serenidade, do
equilíbrio, da simplicidade de uma vida algo bucólica, em contato com a natureza.
A traduzir contornos
próprios da poetisa em sua “reza”, tem-se a incursão nos domínios da espiritualidade
e da religiosidade, não exatamente sob uma visão tradicional – uma vez que aborda
a oração mais como forma de se conectar a uma força interior que nos dá poder e
nos permite afrontar as dificuldades da vida, tudo isso em rápida associação
com uma perspectiva dir-se-ia meio oriental, digo melhor, com elementos que nos
fazem lembrar da ideia de karma. Ao fim e ao cabo, Adélia expressa rendição e
humildade ao apresentar-se diante da divindade com um “eis-me aqui”, a evocar
uma entrega incondicional aos seus imperativos.
J.A.R. – H.C.
Adélia Prado
(n. 1935)
Reza para as quatro
almas
de Fernando Pessoa
Da belíssima “Ode à
noite antiga”
resulta que eu
entendo, limpo de esforço
e vaidade, se nos
fosse possível:
da oração verdadeira
nasce a força.
Ninguém se cansa de
bondade e avencas.
Os rebanhos guardados
guardam o homem.
Todos que estamos
vivos morreremos.
Não é para entender
que nós pensamos,
é para sermos
perdoados.
Pai nosso, criador da
noite, do sonho,
do meu poder sobre os
bois,
eis-me, eis-me.
Em: “Bagagem” (1976)
Fernando Pessoa
(1888-1935)
Referência:
PRADO, Adélia. Reza
para as quatro almas de Fernando Pessoa. In: __________. Poesia reunida.
1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2015. p. 43.
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