Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 26 de julho de 2025

Adélia Prado - Reza para as quatro almas de Fernando Pessoa

Adélia tece este panegírico à obra do grande poeta português, conhecido por seus múltiplos heterônimos ou “almas” literárias, fazendo referência, primeiramente, a uma sua poesia intitulada “Ode à noite antiga” – mas que, salvo engano, trata-se de excertos de poema escrito sob o heterônimo de Álvaro de Campos, a iniciar-se com o verso “Vem, Noite antiquíssima e idêntica”, disponível nesta página do site oficial do poeta –, além de aludir, indiretamente, ao título de outra poemário, desta feita publicada sob o heterônimo de Alberto Caeiro, nomeadamente “O Guardador de Rebanhos”.

 

Contudo, o poema tem muito das temáticas da poesia de Ricardo Reis, um terceiro heterônimo do poeta, pois que trata da fugacidade do existir humano, da morte, da serenidade, do equilíbrio, da simplicidade de uma vida algo bucólica, em contato com a natureza.

 

A traduzir contornos próprios da poetisa em sua “reza”, tem-se a incursão nos domínios da espiritualidade e da religiosidade, não exatamente sob uma visão tradicional – uma vez que aborda a oração mais como forma de se conectar a uma força interior que nos dá poder e nos permite afrontar as dificuldades da vida, tudo isso em rápida associação com uma perspectiva dir-se-ia meio oriental, digo melhor, com elementos que nos fazem lembrar da ideia de karma. Ao fim e ao cabo, Adélia expressa rendição e humildade ao apresentar-se diante da divindade com um “eis-me aqui”, a evocar uma entrega incondicional aos seus imperativos.

 

J.A.R. – H.C.

 

Adélia Prado

(n. 1935)

 

Reza para as quatro almas

de Fernando Pessoa

 

Da belíssima “Ode à noite antiga”

resulta que eu entendo, limpo de esforço

e vaidade, se nos fosse possível:

da oração verdadeira nasce a força.

Ninguém se cansa de bondade e avencas.

Os rebanhos guardados guardam o homem.

Todos que estamos vivos morreremos.

Não é para entender que nós pensamos,

é para sermos perdoados.

Pai nosso, criador da noite, do sonho,

do meu poder sobre os bois,

eis-me, eis-me.

 

Em: “Bagagem” (1976)

 

Fernando Pessoa

(1888-1935)

 

Referência:

 

PRADO, Adélia. Reza para as quatro almas de Fernando Pessoa. In: __________. Poesia reunida. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2015. p. 43.

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