Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Zbigniew Herbert - Jonas

Herbert moderniza a história bíblica de Jonas – sendo tragado por uma baleia por ordem de Deus, após tentar fugir de sua missão profética em Nínive –, para trazer à baila o plano de escapismo do ser humano diante de seu propósito de vida e da negação de um destino profético, transladando, assim, a parábola religiosa para uma metáfora existencial contemporânea.

 

Nessa toda, o Jonas hodierno, mais astuto, mergulha no anonimato para não aceitar novamente uma missão perigosa, adotando um “nome falso”, enquanto negocia gado e antiguidades, longe do mar e de Nínive. Ademais, os “agentes do Leviatã” (a baleia mítica) são subornáveis e não têm “senso de destino”, pois que são meros burocratas do acaso.

 

Por fim, Jonas morre de câncer em um hospital, sem saber realmente quem era em verdade, sem ter ido ao encontro do significado simbólico de sua vida, quer por não havê-lo encontrado, quer por, dadas as circunstâncias, havê-lo rejeitado.

 

Pode-se auferir do poema alguma crítica à sobrevalorização da comodidade, da estabilidade e da segurança, em detrimento do compromisso e da afirmação dos desígnios colimados de início, com o que se externaliza o lado menos resiliente da natureza humana, mais propenso às dúvidas, ao medo, até mesmo à hipocrisia.

 

J.A.R. – H.C.

 

Zbigniew Herbert

(1924-1998)

 

Jonasz

 

I nagotował Pan rybę wielką

żeby połknęła Jonasza

 

Jonasz syn Ammitaja

uciekając od niebezpiecznej misji

wsiadł na okręt płynący

z Joppen do Tarszisz

 

potem były rzeczy wiadome

wiatr wielki burza

załoga wyrzuca Jonasza w głębokości

morze staje od burzenia swego

nadpływa przewidziana ryba

trzy dni i trzy noce

modli się Jonasz w brzuchu ryby

która wyrzuca go w końcu

na suchą ziemię

 

współczesny Jonasz

idzie jak kamień w wodę

jeśli trafi na wieloryba

nie ma czasu westchnąć

 

uratowany

postępuje chytrzej

niż biblijny kolega

drugi raz nie podejmuje się

niebezpiecznej misji

zapuszcza brodę

i z daleka od morza

z daleka od Niniwy

pod fałszywym nazwiskiem

handluje bydłem i antykami

 

agenci Lewiatana

dają się przekupić

nie mają zmysłu losu

są urzędnikami przypadku

 

w schludnym szpitalu

umiera Jonasz na raka

sam dobrze nie wiedząc

kim właściwie był

 

parabola

przyłożona do głowy jego

gaśnie

i balsam przypowieści

nie ima się jego ciała

 

Jonas arremessado pela baleia

(Gustave Doré: ilustrador francês)

 

Jonas

 

Deparou pois o Senhor um grande peixe

para que tragasse a Jonas

 

Jonas filho de Amithai

fugindo de uma missão perigosa

embarcou numa nau que navegava

de Joppen a Tharsis

 

depois se deram as coisas sabidas

um grande vento uma tempestade

a tripulação joga Jonas nas profundezas

e o mar se aquieta de seu furor

vem nadando o peixe previsto

três dias e três noites

Jonas ora nas entranhas do peixe

que por fim o vomita

na terra seca

 

o Jonas contemporâneo

afunda como uma pedra na água

se topa com uma baleia

não tem tempo nem de suspirar

 

salvo

procede mais astutamente

que o seu colega bíblico

pela segunda vez não aceita

a missão perigosa

deixa a barba crescer

e longe do mar

longe de Nínive

sob um nome falso

é comerciante de gado e antiguidades

 

os agentes do Leviatã

se deixam subornar

não têm o sentido do destino

são funcionários do acaso

 

num hospital asseado

morre Jonas de câncer

ele mesmo sem saber bem

quem era na verdade

 

a parábola

aplicada na sua cabeça

se extingue

e o bálsamo da alegoria

não afeta o seu corpo

 

Referência:

 

HERBERT, Zbigniew. Jonasz / Jonas. Tradução de Piotr Kilanowski. In: KILANOWSKI, Piotr. Poemas de Zbigniew Herbert. Qorpus, Florianópolis (SC), n. 19, dez. 2015. Edição eletrônica neste endereço. Acesso em: 25 abr. 2025.

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