Profundamente humanas,
estas palavras do poeta espanhol transmitem não só um sentimento de arrependimento
em relação às atitudes ultrajantes frente àqueles que haja ofendido – muitos
dos quais já falecidos –, senão também um desejo sincero de buscar fazer as pazes
com a sua própria consciência, antes que findem os seus derradeiros dias.
A fragilidade da
existência e a necessidade de redenção vêm imbricadas no discurso de Felipe, especialmente
quando reflete sobre a natureza passageira dos sofrimentos e dos infortúnios da
vida, comparando-os a “brinquedos” – embora nem todos! Afinal, o poeta levanta
a possibilidade de que a sua poesia, ainda que não haja revelado uma têmpera
mais sublime, possa finalmente provocar algum impacto, como uma “pedra
aventureira” lançada contra as injustiças, tal como na narrativa bíblica de
David contra Golias.
J.A.R. – H.C.
León Felipe
(1884-1968)
¡Perdón!
Soy ya tan viejo,
y se ha muerto tanta
gente a la que yo he ofendido
y ya no puedo
encontrarla
para pedirle perdón.
Ya no puedo hacer
otra cosa
que arrodillarme ante
el primer mendigo
y besarle la mano.
Yo no he sido
bueno...
quisiera haber sido
mejor.
Estoy hecho de un
barro
que no está bien
cocido todavía.
¡Tenía que pedir
perdón a tanta gente!...
Pero todos se han
muerto.
¿A quién le pido
perdón ya?
¿A ese mendigo?
¿No hay nadie más en
España...
en el mundo,
a quien yo deba
pedirle perdón?...
Voy perdiendo la
memoria
y olvidando las
palabras...
Ya no recuerdo
bien...
Voy olvidando...
olvidando... olvidando...
pero quiero que la
última palabra,
la última palabra,
pegadiza y terca,
que recuerde al morir
sea esta: perdón.
Casi todas estas
piedras llegaron en días
de angustia,
de terror,
de desespero y
desamparo.
Algunas en días de
“Gracia”.
Ahora las veo
serenamente
desde la fría altura
de mis años,
desde mi vejez
apaciguada.
Todos son juguetes:
las heridas, las
lágrimas,
el veneno del áspid,
la baba del tirano,
el hacha del
verdugo...
Una pelota es esa
cabeza cercenada.
Jugamos al nacimiento
y a la muerte,
al soplo y a la
llama,
al que me ves y no me
ves...
al enciende y apaga
la lámpara.
Pero a veces pienso
que no son todo juguetes y
que yo que
no he servido para
ser
ni piedra de una
lonja
ni piedra de una
audiencia
ni piedra de un
palacio
ni piedra de una
iglesia...
Yo que en este mundo
no he servido después de ochenta
años para nada...
acaso sirva ahora todavía, como David,
para lanzar con la
honda una de estas piedras, pequeñas y
ligeras, de mi zurrón
– la más dura, la más pedernal... Tú,
piedra aventurera,
y dar justo, justo
con ella
en la frente misma de
Goliat.
En: “¡Oh, este viejo
y roto violín!” (1966)
Perdão
(Katie Garner: pintora
norte-americana)
Perdão!
Estou agora tão
velho,
e já morreram tantas
pessoas por mim ofendidas,
que não há mais meio
de encontrá-las
para lhes pedir
perdão.
Já não posso fazer
outra coisa
a não ser ajoelhar-me
diante do primeiro mendigo
e beijar-lhe a mão.
Não fui bom...
quisera ter sido
melhor.
Sou feito de barro
que ainda não está
bem cozido.
Tinha que pedir
perdão a tantas pessoas!...
Mas todas morreram.
A quem devo pedir
perdão agora?
A esse mendigo?
Não há mais ninguém
em Espanha...
no mundo,
a quem deva pedir
perdão?...
Estou a perder a
memória
e a esquecer-me das
palavras...
Já não me lembro bem...
Estou a
esquecer-me... a esquecer-me... a esquecer-me...
mas quero que a
última palavra,
a última palavra, obstinada
e pegajosa,
de que eu venha a me lembrar
ao morrer
seja esta: perdão.
Quase todas estas
pedras chegaram em dias
de angústia,
de terror,
de desespero e
desamparo.
Algumas em dias de
“Graça”.
Agora vejo-as
serenamente
desde a fria altura de
meus anos,
desde a minha velhice
apaziguada.
Todos são brinquedos:
as feridas, as
lágrimas,
o veneno da áspide, a
baba do tirano,
a acha do verdugo...
Essa cabeça decepada
é uma bola.
Brincamos de
nascimento e morte,
de sopro e chama,
de que me vês e não
me vês...
de acende e apaga a
lâmpada.
Mas às vezes penso
que nem todos são brinquedos e
que eu, que
não servi para ser
nem pedra de um
mercado
nem pedra de um tribunal
nem pedra de um
palácio
nem pedra de uma
igreja...
Eu, que neste mundo
não tenho servido para nada depois
dos oitenta anos... talvez
ainda sirva agora, como David,
para atirar com a
funda uma destas pedras, pequenas
e lépidas, de meu
bornal – a mais dura, a mais pederneira...
Tu, pedra
aventureira,
e dar com ela certeiramente,
certeiramente
na fronte mesma de
Golias.
Em: “Oh, este velho e
avariado violino!” (1966)
Referência:
FELIPE, León. ¡Perdón!.
In: __________. Antologia de poesía. Compilación de Arturo Souto
Alabarce. México, D.F.: Fondo de Cultura Económica & Instituto Nacional de
Bellas Artes, 1985. p. 275-276.
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