Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 16 de maio de 2025

León Felipe - Perdão

Profundamente humanas, estas palavras do poeta espanhol transmitem não só um sentimento de arrependimento em relação às atitudes ultrajantes frente àqueles que haja ofendido – muitos dos quais já falecidos –, senão também um desejo sincero de buscar fazer as pazes com a sua própria consciência, antes que findem os seus derradeiros dias.

 

A fragilidade da existência e a necessidade de redenção vêm imbricadas no discurso de Felipe, especialmente quando reflete sobre a natureza passageira dos sofrimentos e dos infortúnios da vida, comparando-os a “brinquedos” – embora nem todos! Afinal, o poeta levanta a possibilidade de que a sua poesia, ainda que não haja revelado uma têmpera mais sublime, possa finalmente provocar algum impacto, como uma “pedra aventureira” lançada contra as injustiças, tal como na narrativa bíblica de David contra Golias.

 

J.A.R. – H.C.

 

León Felipe

(1884-1968)

 

¡Perdón!

 

Soy ya tan viejo,

y se ha muerto tanta gente a la que yo he ofendido

y ya no puedo encontrarla

para pedirle perdón.

 

Ya no puedo hacer otra cosa

que arrodillarme ante el primer mendigo

y besarle la mano.

Yo no he sido bueno...

quisiera haber sido mejor.

Estoy hecho de un barro

que no está bien cocido todavía.

¡Tenía que pedir perdón a tanta gente!...

Pero todos se han muerto.

¿A quién le pido perdón ya?

¿A ese mendigo?

¿No hay nadie más en España...

en el mundo,

a quien yo deba pedirle perdón?...

 

Voy perdiendo la memoria

y olvidando las palabras...

Ya no recuerdo bien...

Voy olvidando... olvidando... olvidando...

pero quiero que la última palabra,

la última palabra, pegadiza y terca,

que recuerde al morir

sea esta: perdón.

 

Casi todas estas piedras llegaron en días

de angustia,

de terror,

de desespero y desamparo.

Algunas en días de “Gracia”.

Ahora las veo serenamente

desde la fría altura de mis años,

desde mi vejez apaciguada.

Todos son juguetes:

las heridas, las lágrimas,

el veneno del áspid, la baba del tirano,

el hacha del verdugo...

Una pelota es esa cabeza cercenada.

Jugamos al nacimiento y a la muerte,

al soplo y a la llama,

al que me ves y no me ves...

al enciende y apaga la lámpara.

Pero a veces pienso que no son todo juguetes y

que yo que

no he servido para ser

ni piedra de una lonja

ni piedra de una audiencia

ni piedra de un palacio

ni piedra de una iglesia...

 

Yo que en este mundo no he servido después de ochenta

años para nada... acaso sirva ahora todavía, como David,

para lanzar con la honda una de estas piedras, pequeñas y

ligeras, de mi zurrón – la más dura, la más pedernal... Tú,

piedra aventurera,

y dar justo, justo con ella

en la frente misma de Goliat.

 

En: “¡Oh, este viejo y roto violín!” (1966)

 

Perdão

(Katie Garner: pintora norte-americana)

 

Perdão!

 

Estou agora tão velho,

e já morreram tantas pessoas por mim ofendidas,

que não há mais meio de encontrá-las

para lhes pedir perdão.

 

Já não posso fazer outra coisa

a não ser ajoelhar-me diante do primeiro mendigo

e beijar-lhe a mão.

Não fui bom...

quisera ter sido melhor.

Sou feito de barro

que ainda não está bem cozido.

Tinha que pedir perdão a tantas pessoas!...

Mas todas morreram.

A quem devo pedir perdão agora?

A esse mendigo?

Não há mais ninguém em Espanha...

no mundo,

a quem deva pedir perdão?...

 

Estou a perder a memória

e a esquecer-me das palavras...

Já não me lembro bem...

Estou a esquecer-me... a esquecer-me... a esquecer-me...

mas quero que a última palavra,

a última palavra, obstinada e pegajosa,

de que eu venha a me lembrar ao morrer

seja esta: perdão.

 

Quase todas estas pedras chegaram em dias

de angústia,

de terror,

de desespero e desamparo.

Algumas em dias de “Graça”.

Agora vejo-as serenamente

desde a fria altura de meus anos,

desde a minha velhice apaziguada.

Todos são brinquedos:

as feridas, as lágrimas,

o veneno da áspide, a baba do tirano,

a acha do verdugo...

Essa cabeça decepada é uma bola.

Brincamos de nascimento e morte,

de sopro e chama,

de que me vês e não me vês...

de acende e apaga a lâmpada.

 

Mas às vezes penso que nem todos são brinquedos e

que eu, que

não servi para ser

nem pedra de um mercado

nem pedra de um tribunal

nem pedra de um palácio

nem pedra de uma igreja...

 

Eu, que neste mundo não tenho servido para nada depois

dos oitenta anos... talvez ainda sirva agora, como David,

para atirar com a funda uma destas pedras, pequenas

e lépidas, de meu bornal – a mais dura, a mais pederneira...

Tu, pedra aventureira,

e dar com ela certeiramente, certeiramente

na fronte mesma de Golias.

 

Em: “Oh, este velho e avariado violino!” (1966)

 

Referência:

 

FELIPE, León. ¡Perdón!. In: __________. Antologia de poesía. Compilación de Arturo Souto Alabarce. México, D.F.: Fondo de Cultura Económica & Instituto Nacional de Bellas Artes, 1985. p. 275-276.

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