Este poema de estilo
vanguardista joga com a negação constante de sua própria existência, para
desafiar a percepção do leitor e questionar a natureza da arte, da literatura e
da linguagem, através de uma sucessão de negações enigmáticas, a evocarem a
famosa obra pictórica “La trahison des images”, do artista surrealista belga
René Magritte (1898-1967), na qual se representa um cachimbo acompanhado da
frase “Ceci n’est pas une pipe.” (“Isto não é um cachimbo.”).
Por trás da elocução reptadora de Defente – poeta paulista (n. 1984) –, há a ideia de que as representações das coisas não são as próprias coisas, pois que a mera representação de um objeto, como um cachimbo, não a torna, de fato, um cachimbo, sendo ambos – obra pictórica e cachimbo – dotados de distintos predicados ontológicos.
Por extensão, os
versos de um poema, estruturados em palavras, não são a poesia em si, coisa bem
distinta que já fez correr rios de tinta para falar de sua abstrusa essência,
dando origem a uma interminável torrente metapoética. No caso específico, o
poeta nega a definição convencional do que seja um poema, abrindo espaço para
outras interpretações acerca daquilo que, em última instância, registra na página
– como vagas que se propagam no vasto e ilimitado caudal do binômio espaço x
tempo.
J.A.R. – H.C.
A traição das imagens (1928)
(René Magritte:
pintor belga)
Isto não é um poema
isto não são letras
que juntas formam palavras
isto não é uma página
em branco sendo
preenchida aos poucos
isto não é para ser lido
isto não é para você
estar lendo
não, isto não é
tudo isto não é
tudo isso
isto aqui (que
não é um poema)
não irá terminar
agora
Os dois mistérios (1966)
(René Magritte:
pintor belga)
Referência:
TEIXEIRA, Leonardo
Defente. À la Magritte. In: BERTI SANTOS, Sonia Sueli (Organização). Diversos:
antologia poética. Vários autores. São Paulo, SP: Andross, 2005. p. 55.
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