Capturando a opressiva
quietude de um dia calorento, o poeta descreve uma experiência sensorial sufocante
e agônica num cenário tropical, reinterpretando a natureza como ecossistema áspero
e até mesmo desumanizador, no qual as árvores, a despeito de seus movimentos,
não logram arrefecer o ar escaldante em razão da debilidade dos ventos.
Nesse sítio, em que o
calor assume o papel de protagonista principal, não há espaço para “borboletas
azuis” ou “rolas líricas” – imagens típicas da poesia bucólica –, senão o peso
de uma fauna rendida à secura e à aridez do ambiente, a exemplo dos rastejantes
lagartos, os quais, em sua presença terrosa – “quase líquida” –, se movimentam pela
relva crepitante.
Em suma: tudo mais realístico
e menos amavioso, a despertar os sentidos da visão, do tato e da audição para
os detalhes excruciantes da natureza; afora, é claro, a “última romântica”, a
saber, uma araponga que, com o seu canto metálico, parece desafiar o jugo da “atmosfera
timpânica”.
J.A.R. – H.C.
Guilherme de Almeida
(1890-1969)
Mormaço
Calor. E as
ventarolas das palmeiras
e os leques das
bananeiras
abanam devagar
inutilmente na luz
perpendicular.
Todas as coisas são
mais reais, são mais humanas:
não há borboletas
azuis nem rolas líricas.
Apenas as taturanas
escorrem quase
líquidas
na relva que estala
como um esmalte.
E longe uma última
romântica
– uma araponga
metálica – bate
o bico de bronze na
atmosfera timpânica.
Em: “Meu” (1922-1923)
Mormaço
(Cícero Dias: pintor
pernambucano)
Referência:
ALMEIDA, Guilherme.
Mormaço. In: __________. Toda a poesia. Tomo IV. São Paulo, SP: Livraria
Martins Editora, nov. 1952. p. 141-142.
❁


Nenhum comentário:
Postar um comentário