Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 30 de maio de 2025

Guilherme de Almeida - Mormaço

Capturando a opressiva quietude de um dia calorento, o poeta descreve uma experiência sensorial sufocante e agônica num cenário tropical, reinterpretando a natureza como ecossistema áspero e até mesmo desumanizador, no qual as árvores, a despeito de seus movimentos, não logram arrefecer o ar escaldante em razão da debilidade dos ventos.

 

Nesse sítio, em que o calor assume o papel de protagonista principal, não há espaço para “borboletas azuis” ou “rolas líricas” – imagens típicas da poesia bucólica –, senão o peso de uma fauna rendida à secura e à aridez do ambiente, a exemplo dos rastejantes lagartos, os quais, em sua presença terrosa – “quase líquida” –, se movimentam pela relva crepitante.

 

Em suma: tudo mais realístico e menos amavioso, a despertar os sentidos da visão, do tato e da audição para os detalhes excruciantes da natureza; afora, é claro, a “última romântica”, a saber, uma araponga que, com o seu canto metálico, parece desafiar o jugo da “atmosfera timpânica”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Guilherme de Almeida

(1890-1969)

 

Mormaço

 

Calor. E as ventarolas das palmeiras

e os leques das bananeiras

abanam devagar

inutilmente na luz perpendicular.

Todas as coisas são mais reais, são mais humanas:

não há borboletas azuis nem rolas líricas.

 

Apenas as taturanas

escorrem quase líquidas

na relva que estala como um esmalte.

E longe uma última romântica

– uma araponga metálica – bate

o bico de bronze na atmosfera timpânica.

 

Em: “Meu” (1922-1923)

 

Mormaço

(Cícero Dias: pintor pernambucano)

 

Referência:

 

ALMEIDA, Guilherme. Mormaço. In: __________. Toda a poesia. Tomo IV. São Paulo, SP: Livraria Martins Editora, nov. 1952. p. 141-142.

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