Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 23 de maio de 2025

Pier Paolo Pasolini - Versos finos como traços de chuva

Eis aqui uma crítica mordaz, lúcida e desencantada de Pasolini, de matiz marxista, àqueles que se consideram progressistas, racionais e ilustrados, mas que, na realidade, são cúmplices de um ‘status quo’ burguês, entregues a um discurso hipócrita e falacioso, acomodados e indiferentes que estão aos verdadeiros sofrimentos e injustiça sociais, sem quaisquer compromissos autênticos de ordem sócio-política.

 

O autor – esse “mísero e impotente Sócrates” –, dirigindo-se decerto aos intelectuais e aos membros da classe média educada, censura-os por estarem desconectados da realidade das classes subalternas, trabalhadoras e subproletárias, as quais, sem efetiva consciência de classe, têm sido cooptadas pela pequena burguesia, perdendo a sua identidade e os propósitos originais, bem assim todo o potencial de sua vocação revolucionária.

 

J.A.R. – H.C.

 

Pier Paolo Pasolini

(1922-1975)

 

Versi sottili come righe di pioggia

 

Bisogna condannare

severamente chi

creda nei buoni sentimenti

e nell’innocenza.

 

Bisogna condannare

altrettanto severamente chi

ama il sottoproletariato

privo di coscienza di classe.

 

Bisogna condannare

con la massima severità

chi ascolti in sé e esprima

i sentimenti oscuri e scandalosi.

 

Queste parole di condanna

hanno cominciato a risuonare

nel cuore degli Anni Cinquanta

e hanno continuato fino a oggi.

 

Frattanto l’innocenza,

che effettivamente c’era,

ha cominciato a perdersi

in corruzioni, abiure e nevrosi.

 

Frattanto il sottoproletariato,

che effettivamente esisteva,

ha finito col diventare

una riserva della piccola borghesia.

 

Frattanto i sentimenti

ch’erano per loro natura oscuri

sono stati investiti

nel rimpianto delle occasioni perdute.

 

Naturalmente, chi condannava

non si è accorto da tutto ciò:

egli continua a ridere dell’innocenza,

a disinteressarsi del sottoproletariato

 

e a dichiarare i sentimenti reazionari.

Continua a andare da casa

all’ufficio, dall’ufficio a casa,

oppure a insegnare letteratura:

 

è felice del progressismo

che gli fa sembrare sacrosanto

il dover insegnare ai domestici

l’alfabeto delle scuole borghesi.

 

È felice del laicismo

per cui è più che naturale

che i poveri abbiano casa

macchina e tutto il resto.

 

È felice della razionalità

che gli fa praticare un antifascismo

gratificante ed eletto,

e soprattutto molto popolare.

 

Che tutto questo sia banale

non gli passa neanche per la testa:

infatti, che sia così o che non sia così,

a lui non viene in tasca niente.

 

Parla, qui, un misero e impotente Socrate

che sa pensare e non filosofare,

il quale ha tuttavia l’orgoglio

non solo d’essere intenditore

 

(il più esposto e negletto)

dei cambiamenti storici, ma anche

di esserne direttamente

e disperatamente interessato.

 

In: “La nuova gioventú” (1975)

 

A cidade

(Fernand Léger: artista francês)

 

Versos finos como traços de chuva

 

É preciso condenar

severamente quem

crê nos bons sentimentos

e na inocência.

 

É preciso condenar

com igual severidade quem

ama o subproletariado

sem consciência de classe.

 

É preciso condenar

com a máxima severidade

quem ouve em si e expressa

sentimentos obscuros e escandalosos.

 

Estas palavras de condenação

começaram a ressoar

no coração dos Anos Cinquenta

e continuam até hoje.

 

Entretanto a inocência,

que efetivamente havia,

começou a perder-se

em abjuras, corrupções e neuroses.

 

Entretanto o subproletariado,

que efetivamente existia,

terminou se transformando

em reserva da pequena burguesia.

 

Entretanto os sentimentos

que eram por natureza obscuros

foram todos investidos

no lamento das ocasiões perdidas.

 

Naturalmente, quem condenava

não se deu conta de tudo isso:

e continua rindo da inocência,

negligenciando o subproletariado

 

e declarando sentimentos reacionários.

Continua indo da casa

pro escritório, do escritório pra casa,

ou ensinando literatura:

 

está feliz com o progressismo

que lhe faz parecer sagrado

o dever de ensinar aos domésticos

o alfabeto das escolas burguesas.

 

Está feliz com o laicismo

que considera é mais que natural

que os pobres tenham casa,

carro e tudo o mais.

 

Está feliz com a racionalidade

que o faz praticar um antifascismo

gratificante, elevado

e sobretudo muito popular.

 

Que tudo isto seja banal

nem lhe passa de longe pela mente:

com efeito, que seja assim ou assado

não lhe dá nenhum proveito.

 

Aqui fala um Sócrates mísero e impotente

que sabe pensar e não filosofar,

mas que no entanto se orgulha

não só de ser conhecedor

 

(o mais exposto e esquecido)

das mudanças históricas, mas também

de nelas estar direta e

desesperadamente implicado.

 

Em: “A nova juventude” (1975)

 

Referência:

 

PASOLINI, Pier Paolo. Versi sottili come righe di pioggia / Versos finos como traços de chuva. Tradução de Maurício Santana Dias. In: __________. Poemas. Organização e introdução de Alfonso Berardinelli e Maurício Santana Dias. Tradução e notas de Maurício Santana Dias. Posfácio de Maria Betânia Amoroso. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Cosac Naify, 2015. Em italiano: p. 228, 230 e 232; em p. 229, 231 e 233.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário