Eis aqui uma crítica
mordaz, lúcida e desencantada de Pasolini, de matiz marxista, àqueles que se
consideram progressistas, racionais e ilustrados, mas que, na realidade, são
cúmplices de um ‘status quo’ burguês, entregues a um discurso hipócrita e
falacioso, acomodados e indiferentes que estão aos verdadeiros sofrimentos e
injustiça sociais, sem quaisquer compromissos autênticos de ordem
sócio-política.
O autor – esse “mísero
e impotente Sócrates” –, dirigindo-se decerto aos intelectuais e aos membros da
classe média educada, censura-os por estarem desconectados da realidade das
classes subalternas, trabalhadoras e subproletárias, as quais, sem efetiva consciência
de classe, têm sido cooptadas pela pequena burguesia, perdendo a sua identidade
e os propósitos originais, bem assim todo o potencial de sua vocação revolucionária.
J.A.R. – H.C.
Pier Paolo Pasolini
(1922-1975)
Versi sottili come
righe di pioggia
Bisogna condannare
severamente chi
creda nei buoni
sentimenti
e nell’innocenza.
Bisogna condannare
altrettanto
severamente chi
ama il
sottoproletariato
privo di coscienza di
classe.
Bisogna condannare
con la massima
severità
chi ascolti in sé e
esprima
i sentimenti oscuri e
scandalosi.
Queste parole di condanna
hanno cominciato a
risuonare
nel cuore degli Anni
Cinquanta
e hanno continuato
fino a oggi.
Frattanto
l’innocenza,
che effettivamente
c’era,
ha cominciato a
perdersi
in corruzioni, abiure
e nevrosi.
Frattanto il
sottoproletariato,
che effettivamente
esisteva,
ha finito col
diventare
una riserva della
piccola borghesia.
Frattanto i
sentimenti
ch’erano per loro
natura oscuri
sono stati investiti
nel rimpianto delle
occasioni perdute.
Naturalmente, chi
condannava
non si è accorto da
tutto ciò:
egli continua a
ridere dell’innocenza,
a disinteressarsi del
sottoproletariato
e a dichiarare i
sentimenti reazionari.
Continua a andare da
casa
all’ufficio,
dall’ufficio a casa,
oppure a insegnare
letteratura:
è felice del
progressismo
che gli fa sembrare
sacrosanto
il dover insegnare ai
domestici
l’alfabeto delle
scuole borghesi.
È felice del laicismo
per cui è più che
naturale
che i poveri abbiano
casa
macchina e tutto il
resto.
È felice della
razionalità
che gli fa praticare
un antifascismo
gratificante ed
eletto,
e soprattutto molto
popolare.
Che tutto questo sia
banale
non gli passa neanche
per la testa:
infatti, che sia così
o che non sia così,
a lui non viene in
tasca niente.
Parla, qui, un misero
e impotente Socrate
che sa pensare e non
filosofare,
il quale ha tuttavia
l’orgoglio
non solo d’essere
intenditore
(il più esposto e
negletto)
dei cambiamenti
storici, ma anche
di esserne
direttamente
e disperatamente
interessato.
In: “La nuova
gioventú” (1975)
A cidade
(Fernand Léger:
artista francês)
Versos finos como
traços de chuva
É preciso condenar
severamente quem
crê nos bons
sentimentos
e na inocência.
É preciso condenar
com igual severidade
quem
ama o subproletariado
sem consciência de
classe.
É preciso condenar
com a máxima
severidade
quem ouve em si e
expressa
sentimentos obscuros
e escandalosos.
Estas palavras de
condenação
começaram a ressoar
no coração dos Anos
Cinquenta
e continuam até hoje.
Entretanto a
inocência,
que efetivamente
havia,
começou a perder-se
em abjuras,
corrupções e neuroses.
Entretanto o
subproletariado,
que efetivamente
existia,
terminou se
transformando
em reserva da pequena
burguesia.
Entretanto os
sentimentos
que eram por natureza
obscuros
foram todos
investidos
no lamento das
ocasiões perdidas.
Naturalmente, quem
condenava
não se deu conta de
tudo isso:
e continua rindo da
inocência,
negligenciando o
subproletariado
e declarando
sentimentos reacionários.
Continua indo da casa
pro escritório, do
escritório pra casa,
ou ensinando
literatura:
está feliz com o
progressismo
que lhe faz parecer
sagrado
o dever de ensinar
aos domésticos
o alfabeto das
escolas burguesas.
Está feliz com o
laicismo
que considera é mais
que natural
que os pobres tenham
casa,
carro e tudo o mais.
Está feliz com a
racionalidade
que o faz praticar um
antifascismo
gratificante, elevado
e sobretudo muito
popular.
Que tudo isto seja
banal
nem lhe passa de
longe pela mente:
com efeito, que seja
assim ou assado
não lhe dá nenhum
proveito.
Aqui fala um Sócrates
mísero e impotente
que sabe pensar e não
filosofar,
mas que no entanto se
orgulha
não só de ser
conhecedor
(o mais exposto e
esquecido)
das mudanças
históricas, mas também
de nelas estar direta
e
desesperadamente
implicado.
Em: “A nova
juventude” (1975)
Referência:
PASOLINI, Pier Paolo. Versi sottili come righe di pioggia / Versos finos como traços de chuva. Tradução de Maurício Santana Dias. In: __________. Poemas. Organização e introdução de Alfonso Berardinelli e Maurício Santana Dias. Tradução e notas de Maurício Santana Dias. Posfácio de Maria Betânia Amoroso. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Cosac Naify, 2015. Em italiano: p. 228, 230 e 232; em p. 229, 231 e 233.
❁


Nenhum comentário:
Postar um comentário