Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 27 de maio de 2025

Orides Fontela - Meio-dia

O recurso à imagem da luz do meio-dia, neste poema de Fontela, mais que uma alusão direta ao esplendor do sol a pino, parece-me comportar a simbolização de um valor maior com poder para nos afetar de maneira direta, a exemplo do que se tem por verdade, algo com atributos do ineludível, a aclarar as sombras e os segredos que se ocultam, insuspeitáveis, pelos meandros da alma humana.

 

Essa premissa de veracidade, amiúde avassaladora e até dolorosa – “ácida” para o espírito –, liberta-nos das tentações do autoengano, a custo de tornar o mundo um lugar implacável, dadas as suas contradições e complexidades. Afinal, o esforço de se reconciliar a verdade com a comum experiência humana, sempre à volta de sombras e meios-tons para manter o seu equilíbrio mental e psicológico, pode tornar a vida uma experiência por demais “lúcida”, quase ao nível do “impossível”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Orides Fontela

(1940-1998)

 

Meio-dia

 

Ao meio-dia a vida

é impossível.

 

A luz destrói os segredos:

a luz é crua contra os olhos

ácida para o espírito.

 

A luz é demais para os homens.

(Porém como o saberias

quando vieste à luz

de ti mesmo?)

 

Meio-dia! Meio-dia!

A vida é lúcida e impossível!

 

Em: “Transposição” (1966-1967)

 

Meio-dia

(Giuseppe Graziosi: artista italiano)

 

Referência:

 

FONTELA, Orides. Meio-dia. In: __________. Poemas escolhidos. Organização de Rodrigo Jorge e Ribeiro Neves. São Paulo, SP: Nexus Produções Artísticas, 2021. p. 25.

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