O recurso à imagem da
luz do meio-dia, neste poema de Fontela, mais que uma alusão direta ao
esplendor do sol a pino, parece-me comportar a simbolização de um valor maior com
poder para nos afetar de maneira direta, a exemplo do que se tem por verdade,
algo com atributos do ineludível, a aclarar as sombras e os segredos que se
ocultam, insuspeitáveis, pelos meandros da alma humana.
Essa premissa de
veracidade, amiúde avassaladora e até dolorosa – “ácida” para o espírito –, liberta-nos
das tentações do autoengano, a custo de tornar o mundo um lugar implacável, dadas
as suas contradições e complexidades. Afinal, o esforço de se reconciliar a
verdade com a comum experiência humana, sempre à volta de sombras e meios-tons
para manter o seu equilíbrio mental e psicológico, pode tornar a vida uma
experiência por demais “lúcida”, quase ao nível do “impossível”.
J.A.R. – H.C.
Orides Fontela
(1940-1998)
Meio-dia
Ao meio-dia a vida
é impossível.
A luz destrói os
segredos:
a luz é crua contra
os olhos
ácida para o
espírito.
A luz é demais para
os homens.
(Porém como o
saberias
quando vieste à luz
de ti mesmo?)
Meio-dia! Meio-dia!
A vida é lúcida e
impossível!
Em: “Transposição”
(1966-1967)
Meio-dia
(Giuseppe Graziosi:
artista italiano)
Referência:
FONTELA, Orides. Meio-dia.
In: __________. Poemas escolhidos. Organização de Rodrigo Jorge e
Ribeiro Neves. São Paulo, SP: Nexus Produções Artísticas, 2021. p. 25.
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