Neste poema enigmático,
críptico, Berryman parece lamentar a desumanização, o afastamento dos seres
humanos de suas mais genuínas emoções, a crescente desconexão do eu autêntico
nas sociedades contemporâneas, depois que, senhores de pleno domínio do palco
da vida, deixamos de ser os sujeitos da ação principal levada a efeito nesse
teatro, subordinados a uma audiência algo vigilante, detentora de um juízo
externo sobre os papéis que nele desempenhamos.
O poeta emprega uma
linguagem altamente metafórica e alusões ao “show business” para transmitir uma
sensação de perda, de alienação e distanciamento do que antes era “nosso”:
tornamo-nos impotentes diante de um poder dominante e manipulador, excluídos de
uma narrativa que já não controlamos.
Nessa toada, conotam-se
elementos que apontam para a sabedoria negligenciada dos mais velhos, a
resistência emocional, a perda da inocência, a fragilidade da arte e da beleza
num mundo inconstante, a prática de uma sexualidade vazia e impessoal – tudo a
apontar para a disformidade ou a corrupção do que comumente se espera, fomentando,
em consequência, o caos e a incompreensibilidade do mundo.
J.A.R. – H.C.
John Berryman
(1914-1972)
The Dispossessed
‘and something
that... that is theirs – no longer ours’
stammered to me the
Italian page. A wood
seeded & towered
suddenly. I understood. –
The Leading Man’s
especially, and the Juvenile Lead’s,
and the Leading
Lady’s thigh that switches & warms,
and their grimaces,
and their flying arms:
our arms, our story.
Every seat was sold.
A crone met in a
clearing sprouts a beard
and has a tirade. Not
a word we heard.
Movement of stone
within a woman’s heart,
abrupt &
dominant. They gesture how
fings really are.
Rarely a child sings now.
My harpsichord weird
as a koto drums
adagio for twilight, for
the storm-worn dove
no more de-iced, and
the spidery business of love.
The Juvenile Lead’s
the Leader’s arm, one arm
running the whole
bole, branches, roots, (O watch)
and the faceless
fellow waving from her crotch,
Stalin-unanimous! who
procured a vote
and cares not use it,
who have kept an eye
and care not use it,
percussive vote, clear eye.
That which a captain
and a weaponeer
One day and one more
day did, we did, ach
we did not, They
did... cam slid, the great lock
lodged, and no soul
of us all was near was near, –
an evil sky (where
the umbrella bloomed)
twirled its
mustaches, hissed, the ingenue fumed,
poor virgin, and no
hero rides. The race
is done. Drifts
through, between the cold black trunks,
the peachblow glory
of the perishing sun
in empty houses where
old things take place.
Despossuídos
(Mervin Jules: pintor
norte-americano)
Os Despossuídos
“e algo que... que é
deles – já não é nosso”
gaguejou-me a página
italiana. Um bosque
brotou e se ergueu de
repente. Compreendi-lhe o sentido. –
O Ator Principal, em
especial, o Jovem Protagonista
e as coxas cruzadas
da Diva, que se alternam & se aquecem,
suas caretas e seus
braços esvoaçantes:
nossos braços, nossa
história. Todos os assentos foram vendidos.
Uma anciã, com uma
barba a brotar, posta-se num clarão
e faz uma longa
diatribe. Não lhe escutamos uma palavra sequer.
Movimento de pedra
dentro do coração de uma mulher,
abrupto &
dominante. Eles gesticulam como
as coisas realmente
são. Raramente uma criança canta agora.
Meu clavecino,
excêntrico como um koto (*), tange um
adágio ao crepúsculo,
à pomba extenuada pela tormenta
que já não se
desgela, e ao negócio aracnoide do amor.
O Jovem Protagonista
é o braço do Ator Principal, um braço a
percorrer todo o
tronco, os ramos, as raízes (Oh, vede)
e o sujeito sem rosto
que se agita a partir de suas virilhas,
Stálin, unânime! que
obteve um voto
e não se importa de o
usar, que manteve um olho
e não se importa de o
usar, voto percussivo, visão clara.
Aquilo que um capitão
e um armeiro
fizeram dia após dia,
nós o fizemos, porém
nós não, Eles
o fizeram... a câmera deslizou, o grande fecho
se alojou, e nenhuma
alma dentre nós estava por perto,
por perto, –
um céu malévolo (onde
medrou o guarda-chuvas)
retorceu os seus
bigodes, sibilou, a ingênua se exasperou,
pobre virgem, e
nenhum herói agora cavalga. A corrida
chegou ao fim. Transmigra,
entre os frios troncos negros,
a glória do sol a se
esvanecer em rajadas cor de pêssego
sobre casas vazias,
onde velhas coisas se apoderam do lugar.
Nota:
(*). O koto é um
instrumento musical de cordas dedilhadas, composto de uma caixa de ressonância
com diversas cordas, sendo o mais popular dentre os instrumentos musicais
tradicionais japoneses.
Referência:
BERRYMAN, John. The dispossessed. In: ENGLE, Paul; LANGLAND, Joseph (Eds.). Poet’s choice. New York, NY: The Dial Press, 1962. p. 134-135.
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