Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 21 de maio de 2025

John Berryman - Os Despossuídos

Neste poema enigmático, críptico, Berryman parece lamentar a desumanização, o afastamento dos seres humanos de suas mais genuínas emoções, a crescente desconexão do eu autêntico nas sociedades contemporâneas, depois que, senhores de pleno domínio do palco da vida, deixamos de ser os sujeitos da ação principal levada a efeito nesse teatro, subordinados a uma audiência algo vigilante, detentora de um juízo externo sobre os papéis que nele desempenhamos.

 

O poeta emprega uma linguagem altamente metafórica e alusões ao “show business” para transmitir uma sensação de perda, de alienação e distanciamento do que antes era “nosso”: tornamo-nos impotentes diante de um poder dominante e manipulador, excluídos de uma narrativa que já não controlamos.

 

Nessa toada, conotam-se elementos que apontam para a sabedoria negligenciada dos mais velhos, a resistência emocional, a perda da inocência, a fragilidade da arte e da beleza num mundo inconstante, a prática de uma sexualidade vazia e impessoal – tudo a apontar para a disformidade ou a corrupção do que comumente se espera, fomentando, em consequência, o caos e a incompreensibilidade do mundo.

 

J.A.R. – H.C.

 

John Berryman

(1914-1972)

 

The Dispossessed

 

‘and something that... that is theirs – no longer ours’

stammered to me the Italian page. A wood

seeded & towered suddenly. I understood. –

 

The Leading Man’s especially, and the Juvenile Lead’s,

and the Leading Lady’s thigh that switches & warms,

and their grimaces, and their flying arms:

 

our arms, our story. Every seat was sold.

A crone met in a clearing sprouts a beard

and has a tirade. Not a word we heard.

 

Movement of stone within a woman’s heart,

abrupt & dominant. They gesture how

fings really are. Rarely a child sings now.

 

My harpsichord weird as a koto drums

adagio for twilight, for the storm-worn dove

no more de-iced, and the spidery business of love.

 

The Juvenile Lead’s the Leader’s arm, one arm

running the whole bole, branches, roots, (O watch)

and the faceless fellow waving from her crotch,

 

Stalin-unanimous! who procured a vote

and cares not use it, who have kept an eye

and care not use it, percussive vote, clear eye.

 

That which a captain and a weaponeer

One day and one more day did, we did, ach

we did not, They did... cam slid, the great lock

 

lodged, and no soul of us all was near was near, –

an evil sky (where the umbrella bloomed)

twirled its mustaches, hissed, the ingenue fumed,

 

poor virgin, and no hero rides. The race

is done. Drifts through, between the cold black trunks,

the peachblow glory of the perishing sun

 

in empty houses where old things take place.

 

Despossuídos

(Mervin Jules: pintor norte-americano)

 

Os Despossuídos

 

“e algo que... que é deles – já não é nosso”

gaguejou-me a página italiana. Um bosque

brotou e se ergueu de repente. Compreendi-lhe o sentido. –

 

O Ator Principal, em especial, o Jovem Protagonista

e as coxas cruzadas da Diva, que se alternam & se aquecem,

suas caretas e seus braços esvoaçantes:

 

nossos braços, nossa história. Todos os assentos foram vendidos.

Uma anciã, com uma barba a brotar, posta-se num clarão

e faz uma longa diatribe. Não lhe escutamos uma palavra sequer.

 

Movimento de pedra dentro do coração de uma mulher,

abrupto & dominante. Eles gesticulam como

as coisas realmente são. Raramente uma criança canta agora.

 

Meu clavecino, excêntrico como um koto (*), tange um

adágio ao crepúsculo, à pomba extenuada pela tormenta

que já não se desgela, e ao negócio aracnoide do amor.

 

O Jovem Protagonista é o braço do Ator Principal, um braço a

percorrer todo o tronco, os ramos, as raízes (Oh, vede)

e o sujeito sem rosto que se agita a partir de suas virilhas,

 

Stálin, unânime! que obteve um voto

e não se importa de o usar, que manteve um olho

e não se importa de o usar, voto percussivo, visão clara.

 

Aquilo que um capitão e um armeiro

fizeram dia após dia, nós o fizemos, porém

nós não, Eles o fizeram... a câmera deslizou, o grande fecho

 

se alojou, e nenhuma alma dentre nós estava por perto,

por perto, –

um céu malévolo (onde medrou o guarda-chuvas)

retorceu os seus bigodes, sibilou, a ingênua se exasperou,

 

pobre virgem, e nenhum herói agora cavalga. A corrida

chegou ao fim. Transmigra, entre os frios troncos negros,

a glória do sol a se esvanecer em rajadas cor de pêssego

 

sobre casas vazias, onde velhas coisas se apoderam do lugar.

 

Nota:

 

(*). O koto é um instrumento musical de cordas dedilhadas, composto de uma caixa de ressonância com diversas cordas, sendo o mais popular dentre os instrumentos musicais tradicionais japoneses.

 

Referência:

 

BERRYMAN, John. The dispossessed. In: ENGLE, Paul; LANGLAND, Joseph (Eds.). Poet’s choice. New York, NY: The Dial Press, 1962. p. 134-135.

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