Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 18 de maio de 2025

H. L. Mencken - A Nova Poesia

No excerto abaixo, Mencken declina uma crítica mordaz à poesia de sua época – particularmente a produzida em Greenwich Village, Nova York –, na qual entrevê componentes excessivamente cerebrinos e teóricos, para muito além da poesia espontânea, apaixonada e instintiva dos poetas tradicionais, abertos a um frenesi criativo sem amarras.

 

Mencken, com efeito, acusa os poetas que lhe são contemporâneos de abordarem a arte com métodos próprios da ciência, enquanto produtos da razão para esquadrinhar conjunturas fáticas, guiados que estão por teorias psicológicas e preceitos derivados de estudos artísticos que não funcionam, tampouco resultam verdadeiros na prática, mais parecendo uma prosa – quiçá uma “boa prosa” –, mas que não comove nem atende aos requisitos de escape e de lenitivo frente à realidade.

 

Depreende-se, em suma, que o crítico norte-americano é partidário de uma poesia visceral, emotiva e distanciada do mais puro intelecto, com potencial para servir como um bálsamo espiritual hábil a transcender este comezinho plano de existência, através da idealização e da fantasia, da beleza e da imaginação.

 

J.A.R. – H.C.

 

H. L. Mencken

(1880-1956)

 

Poetry in America

 

The trouble with most of the new poets, whether in or out of Greenwich Village, is that they are too cerebral – that they attack the problems of a fine art with the methods of science. That error runs through all their public discussions of the business. Those discussions are full of theories, by the new psychology out of the cant of the studios, that do not work and are not true. The old-time poet did not bother with theories. When the urge to write was upon him, he simply got himself into a lather, tied a towel around his head, and then tried to reduce his feelings to paper. If he had any skill the result was poetry; if he lacked skill it was nonsense. But even his worst failure still had something natural and excusable about it – it was the failure of a man admittedly somewhat feverish, with purple paint on his nose and vine-leaves in his hair. The failure of the new poet is the far more grotesque failure of a scientist who turns out to be a quack – of a mathematician who divides 20 by 4 and gets 6, of a chiropractor who looks in the vertebrae for the cause of cross-eyes, of a cook who tries to make an omelette of china doorknobs.

Poetry can never be concocted by any purely intellectual process. It has nothing to do with the intellect; it is, in fact, a violent and irreconcilable enemy to the intellect. Its purpose is not to establish facts, but to evade and deny them. What it essays to do is to make life more bearable in an intolerable world by concealing and obliterating all the harsher realities. Its message is that all will be well to-morrow, or, at the latest, next Tuesday, that the grave is not cold and damp but steam-heated and lined with roses, that serving in the trenches is far more amusing and comfortable than serving in the United States Senate, that a girl is not a viviparous mammal, full of pathogenic organisms and enlightened self- interest, but an angel with bobbed wings and a heart of gold. Take this denial of the bald and dreadful facts out of poetry – make it scientific and sensible – and it simply ceases to be what it pretends to be. It may remain good prose; it may even remain beautiful prose. But it cannot stir the blood as true poetry does; it cannot offer that soothing consolation, that escape from reality, that sovereign balm for every spiritual itch and twinge which is the great gift of poetry to man.

(1927)

 

Greenwich Village

(Alfred S. Mira: artista norte-americano)

 

A Nova Poesia

 

O problema da maioria dos novos poetas é o de que eles são muito cerebrais – ou seja, atacam os problemas de uma arte com os métodos da ciência. Este erro perpassa por todos os debates sobre o assunto em que se metem. Tais debates estão cheios de teorias e frases feitas que não funcionam nem são verdadeiras. O poeta dos velhos tempos não ligava para teorias. Quando lhe vinha aquela vontade de escrever, simplesmente entrava numa banheira com espuma, amarrava uma toalha na cabeça e tentava reduzir seus sentimentos ao papel. Se tivesse algum jeito para a coisa, o resultado era poesia; se não, era nonsense. Mas mesmo o seu pior fracasso ainda tinha algo natural e desculpável – era o fracasso de um homem com febre de expressar-se. O fracasso do novo poeta é até mais grotesco do que o do cientista que se revela um charlatão – de um matemático que divide 20 por 4 e consegue 6, ou de um cozinheiro que tenta fazer uma omelete com maçanetas de porcelana.

A poesia não pode ser maquinada por processos puramente intelectuais. Ela não tem nada a ver com o intelecto; na verdade, chega a ser uma inimiga feroz e irreconciliável do intelecto. Seu propósito não é o de estabelecer fatos, mas o de evitá-los ou negá-los. O que ela tenta fazer é tornar a vida mais suportável num mundo intolerável, escondendo e obliterando todas as realidades desagradáveis. Sua mensagem e a de que tudo estará bem amanhã ou, na pior das hipóteses, terça-feira que vem; de que túmulo não é frio e úmido, mas aquecido a vapor e coberto de rosas; que uma garota não é um mamífero vivíparo, composto de organismos patogênicos e de um egoísmo esclarecido, mas um anjo com asas aparadas e um coração de ouro. Tire da poesia esta negação dos fatos crus e pavorosos – e ela deixará de ser o que pretendia. Pode até ser boa prosa; até mesmo belíssima prosa. Mas não conseguirá fazer ferver o sangue, como faz o verdadeiro poeta; não oferecerá aquele consolo acariciador, aquela fuga da realidade e nem aquele bálsamo para cada coceira ou ferroada espirituais que sofremos.

(1927)

 

Referências:

 

Em Inglês

 

MENCKEN, H. L. Poetry in America. In: __________. Prejudices: sixth series. Published at the Borzoi. New York, NY: Alfred A. Knopf Inc., oct. 1927. p. 176-178.

 

Em Português

 

MENCKEN, H. L. A nova poesia. In: __________. O livro dos insultos. Seleção, tradução e posfácio de Ruy Castro. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2009. p. 174-175.

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