Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 11 de maio de 2025

Vicente Aleixandre - Mãe, mãe

Entre o monólogo e o diálogo, entre a melancolia e a desolação, este poema de Aleixandre, com suas idiossincrasias surpreendentes, suas conotações nostálgicas, suas particularidades sensitivas e táteis acrescidas a uma profunda experiência emocional, fala daquela ligação única e insubstituível que todos temos com as nossas mães.

 

Compungido pela ausência da mãe, o falante expressa a sua íntima dor pela via da expressão poética, pela imagética contrastante entre elementos de liberdade e leveza, de hipotéticas lembranças felizes, de ledos momentos passados com a mãe, e outros que se deixam arrastar pelo peso do desalento.

 

Ansiando por calor e refúgio, conexão e conforto, o filho, vulnerável e com o coração exposto, parece estar desorientado na vida, quase inapto para superar essa ferida d’alma, muito embora ainda lhe reste alguma força resiliente para assegurar-se de que o batel em que inserto não se extravie em definitivo.

 

J.A.R. – H.C.

 

Vicente Aleixandre

(1898-1984)

 

Madre, madre

 

La tristeza u hoyo en la tierra,

dulcemente cavado a fuerza de palabra,

a fuerza de pensar en el mar,

donde a merced de las ondas bogan lanchas ligeras.

 

Ligeras como pájaros nubiles,

amorosas como guarismos,

como ese afán postrero de besar a la orilla,

o estampa dolorida de uno solo, o pie errado.

 

La tristeza como un pozo en el agua,

pozo seco que ahonda el respiro de arena,

pozo. – Madre, ¿me escuchas?: eres un dulce espejo

donde una gaviota siente calor o pluma.

 

Madre, madre, te llamo;

espejo mío silente,

dulce sonrisa abierta como un vidrio cortado.

Madre, madre, esta herida, esta mano tocada,

madre, en un pozo abierto en el pecho o extravío.

 

La tristeza no siempre acaba en una flor,

ni esta puede crecer hasta alcanzar el aire,

surtir. – Madre, ¿me escuchas? Soy yo que como alambre

tengo mi corazón amoroso aquí fuera.

 

En: “Espadas como labios” (1930-1931)

 

Madame Monet e uma criança

(Claude Monet: pintor francês)

 

Mãe, mãe

 

A tristeza ou a cova na terra,

docemente revolvida à força da palavra,

à força de pensar no mar,

onde à mercê das ondas vogam botes ligeiros.

 

Ligeiros como pássaros núbeis,

amorosos como algarismos em duo,

como esse afã derradeiro de beijar à beira-mar,

ou a dorida pegada de alguém só, ou de um passo em falso.

 

A tristeza como um poço na água,

um poço seco que aprofunda o respiro da areia,

um poço. – Mãe, escutas-me?: és um doce espelho

onde uma gaivota sente o calor ou a pluma.

 

Mãe, mãe, chamo-te;

meu espelho silente,

doce sorriso aberto como um vidro cortado.

Mãe, mãe, esta ferida, esta mão tocada,

mãe, em um poço aberto no peito ou em descaminho.

 

A tristeza nem sempre acaba numa flor;

e esta nem é capaz de crescer até chegar ao ar,

desabrochar. – Mãe, escutas-me? Sou eu, que como arame,

tenho meu coração amoroso aqui fora.

 

Em: “Espadas como lábios” (1930-1931)

 

Referência:

 

ALEIXANDRE, Vicente. Madre, madre. In: __________. Poesías completas de Vicente Aleixandre. Prólogo de Carlos Bousoño. Madrid, ES: Aguilar, 1960. p. 257-258. (Colección Literaria: novelistas, dramaturgos, ensayistas, poetas)

Nenhum comentário:

Postar um comentário