Entre o monólogo e o
diálogo, entre a melancolia e a desolação, este poema de Aleixandre, com suas
idiossincrasias surpreendentes, suas conotações nostálgicas, suas particularidades
sensitivas e táteis acrescidas a uma profunda experiência emocional, fala
daquela ligação única e insubstituível que todos temos com as nossas mães.
Compungido pela
ausência da mãe, o falante expressa a sua íntima dor pela via da expressão
poética, pela imagética contrastante entre elementos de liberdade e leveza, de
hipotéticas lembranças felizes, de ledos momentos passados com a mãe, e outros
que se deixam arrastar pelo peso do desalento.
Ansiando por calor e
refúgio, conexão e conforto, o filho, vulnerável e com o coração exposto, parece
estar desorientado na vida, quase inapto para superar essa ferida d’alma, muito
embora ainda lhe reste alguma força resiliente para assegurar-se de que o batel
em que inserto não se extravie em definitivo.
J.A.R. – H.C.
Vicente Aleixandre
(1898-1984)
La tristeza u hoyo en la tierra,
dulcemente cavado a fuerza de palabra,
a fuerza de pensar en el mar,
donde a merced de las ondas bogan lanchas ligeras.
Ligeras como pájaros nubiles,
amorosas como guarismos,
como ese afán postrero de besar a la orilla,
o estampa dolorida de uno solo, o pie errado.
La tristeza como un pozo en el agua,
pozo seco que ahonda el respiro de arena,
pozo. – Madre, ¿me escuchas?: eres un dulce espejo
donde una gaviota siente calor o pluma.
Madre, madre, te llamo;
espejo mío silente,
dulce sonrisa abierta como un vidrio cortado.
Madre, madre, esta herida, esta mano tocada,
madre, en un pozo abierto en el pecho o extravío.
La tristeza no siempre acaba en una flor,
ni esta puede crecer hasta alcanzar el aire,
surtir. – Madre, ¿me escuchas? Soy yo que como
alambre
tengo mi corazón amoroso aquí fuera.
En: “Espadas como labios”
(1930-1931)
Madame Monet e uma
criança
(Claude Monet: pintor
francês)
Mãe, mãe
A tristeza ou a cova
na terra,
docemente revolvida à
força da palavra,
à força de pensar no
mar,
onde à mercê das
ondas vogam botes ligeiros.
Ligeiros como
pássaros núbeis,
amorosos como algarismos
em duo,
como esse afã
derradeiro de beijar à beira-mar,
ou a dorida pegada de
alguém só, ou de um passo em falso.
A tristeza como um
poço na água,
um poço seco que
aprofunda o respiro da areia,
um poço. – Mãe, escutas-me?:
és um doce espelho
onde uma gaivota sente
o calor ou a pluma.
Mãe, mãe, chamo-te;
meu espelho silente,
doce sorriso aberto
como um vidro cortado.
Mãe, mãe, esta
ferida, esta mão tocada,
mãe, em um poço
aberto no peito ou em descaminho.
A tristeza nem sempre
acaba numa flor;
e esta nem é capaz de
crescer até chegar ao ar,
desabrochar. – Mãe,
escutas-me? Sou eu, que como arame,
tenho meu coração
amoroso aqui fora.
Em: “Espadas como lábios”
(1930-1931)
Referência:
ALEIXANDRE, Vicente.
Madre, madre. In: __________. Poesías completas de Vicente Aleixandre.
Prólogo de Carlos Bousoño. Madrid, ES: Aguilar, 1960. p. 257-258. (Colección
Literaria: novelistas, dramaturgos, ensayistas, poetas)
❁


Nenhum comentário:
Postar um comentário