Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 25 de maio de 2025

Reynaldo Jardim - Com a mão aberta

Sob a égide de objetos simples, empregados no quotidiano, passíveis de ser doados – como sapatos, camisas ou redes de pesca, ou até mesmo o esforço físico e mental por alguma causa maior – o poeta expressa os elementos poéticos suscitados pela virtude da generosidade e do altruísmo, de tornar-se magnânimo a ponto de submeter o seu último alento para ajudar o próximo, idem, de orientar-se por ideais mais elevados.

 

A par de tal mercê, de doar-se sem reservas, o falante delimita um faixa de interioridade que busca preservar por meio de seu “punhal”, locus de paz e de intimidade, i.e., o seu “quintal” que “vai do tempo de espera ao amor universal”: trata-se, por conseguinte, de um núcleo intransferível e essencial, último reduto de si mesmo.

 

J.A.R. – H.C.

 

Reynaldo Jardim

(1926-2011)

 

Com a mão aberta

 

Deu os sapatos

e mais dera

se um lírio tivesse ainda

 

Ainda dava a camisa

se no corpo lhe restasse

mais do que o sopro do mar

 

Deu a rede e a jangada

(se eu soubesse navegar

era a mim que ele dava

até o jeito do mar)

 

Deu a raiz que plantara

no seu deserto irreal

Deu o catre em que dormia

e sua porção de sal

Deu o braço mais direito

Uma cicatriz no peito

e a sombra do seu pulmão

Mais daria se soubesse

ser hoje a revolução

 

Daria o suor do corpo

Mas não deu o seu punhal

Reduto de sua paz

 

Defesa do seu quintal

que vai do

tempo de espera

ao amor universal

 

A doação generosa

(Antonio Casanova y Estorach: pintor espanhol)

 

Referência:

 

JARDIM, Reynaldo. Com a mão aberta. In: SANT’ANNA, Affonso Romano de et alii. Violão de rua: poemas para a liberdade. Vol. II. Rio de Janeiro, GB: Civilização Brasileira, 1962. p. 108-109. (Cadernos do Povo Brasileiro; Volume Extra)

Nenhum comentário:

Postar um comentário