Sob a égide de objetos
simples, empregados no quotidiano, passíveis de ser doados – como sapatos,
camisas ou redes de pesca, ou até mesmo o esforço físico e mental por alguma
causa maior – o poeta expressa os elementos poéticos suscitados pela virtude da
generosidade e do altruísmo, de tornar-se magnânimo a ponto de submeter o seu
último alento para ajudar o próximo, idem, de orientar-se por ideais mais
elevados.
A par de tal mercê,
de doar-se sem reservas, o falante delimita um faixa de interioridade que busca
preservar por meio de seu “punhal”, locus de paz e de intimidade, i.e., o seu “quintal”
que “vai do tempo de espera ao amor universal”: trata-se, por conseguinte, de
um núcleo intransferível e essencial, último reduto de si mesmo.
J.A.R. – H.C.
Reynaldo Jardim
(1926-2011)
Com a mão aberta
Deu os sapatos
e mais dera
se um lírio tivesse
ainda
Ainda dava a camisa
se no corpo lhe
restasse
mais do que o sopro
do mar
Deu a rede e a
jangada
(se eu soubesse
navegar
era a mim que ele
dava
até o jeito do mar)
Deu a raiz que plantara
no seu deserto irreal
Deu o catre em que
dormia
e sua porção de sal
Deu o braço mais
direito
Uma cicatriz no peito
e a sombra do seu
pulmão
Mais daria se
soubesse
ser hoje a revolução
Daria o suor do corpo
Mas não deu o seu
punhal
Reduto de sua paz
Defesa do seu quintal
que vai do
tempo de espera
ao amor universal
A doação generosa
(Antonio Casanova y
Estorach: pintor espanhol)
Referência:
JARDIM, Reynaldo. Com
a mão aberta. In: SANT’ANNA, Affonso Romano de et alii. Violão de rua:
poemas para a liberdade. Vol. II. Rio de Janeiro, GB: Civilização Brasileira,
1962. p. 108-109. (Cadernos do Povo Brasileiro; Volume Extra)
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