Numa evocação
nostálgica da infância, na qual se mescla um certo sentido metafísico atrelado
à percepção visual, o poeta indiano nos transporta a um horto abandonado, no
caminho entre a escola e a lar, onde os meninos exploravam e descobriam os
mistérios da natureza e da vida, compendiados nos símbolos do poço, das tartarugas
e da luz do sol sobre a colina e o mar.
Alterar os “termos da
visão” para um nível contemplativo mais acurado, elevar o nível de consciência
em relação às coisas que se encontram para mais além do visível, estar
precavido para os perigos que essa aventura a todos expõe: tudo são medidas
para se poder usufruir, de modo refletido e com conhecimento de causa, a ampla
e enigmática realidade que nos alcança os olhos.
J.A.R. – H.C.
E. V. Ramakrishnan
(n. 1951)
Terms of Seeing
On our way home from
school
We often spent hours
in that abandoned
Orchard of mango,
cashewnut
And tamarind trees,
where each season had
Its fruit and each
fruit tasted different.
There we raided the
hidden hideouts
Of bootleggers, and
broke their buried
Mud-pots. The
crematorium in the corner
Revealed an
occasional roasted vertebra.
Once we went further
and discovered
A disused well, and
peeped into its
Vaporous depths: the
water smelt like freshly
Distilled alcohol.
Through the clotted branches
Of close-knit shadows
floated white
Turtles with glazed,
metallic shells.
Moving with monastic
grace, they looked
Knowledgeable, like
much travelled witchcraft
Doctors. If they cast
a spell, it was
Unintentional. As we
bent down, their
Shaven heads rose and
met a shaft of sudden
Sunlight at an angle,
tilting the sun
Into the sea. Still,
the light lingered over the hill
Like an intimate
whisper of something
Forbidden. By this
time, the terms of seeing
Were reset: the well
was watching us now.
Its riveted gaze
pierced us and even went
Beyond us. In the
dark cornea of the well
The white turtles
moved like exposed optic nerves.
And as if a word was
spoken, we stepped
Back into the world
of gravity, in silence.
Tartarugas marinhas
(Lyudmila Knyazeva: artista
russa)
Os Termo da Visão
Em nossa volta da
escola
Horas passávamos
naquele pomar abandonado,
Plantas de mangas,
cajus
E tamarindos, onde
cada estação tinha
Seus frutos e cada
fruto seu sabor.
Invadíamos o
esconderijo improvisado
Dos contrabandistas e
quebrávamos seus potes
De barro, enterrados.
O crematório na esquina
Revelava uma vértebra
assada ocasional.
Uma vez fomos além e
descobrimos
Um poço abandonado.
Espreitamos em seu
Vaporoso fundo: a
água cheirava a álcool
Recém destilado. Entre
os galhos tramados
De densas sombras
flutuavam tartarugas
Brancas, carapaças
metálicas, vidradas.
Movendo-se com
monástico donaire, pareciam
Sabedoras, como xamãs
muito
Escolados. Se
enfeitiçavam, não era
Intencional. Ao
debruçar-nos, suas
Cabeças rapadas se
erguiam, encontravam uma haste
de repentino
Sol num canto e
enristavam o sol
No mar. A luz ainda
demorava na colina
Íntimo sussurrar de
algo
proibido. Nesse
momento, os termos da visão
Se recompunham: o
poço olhava para nós, agora.
Seu olhar rebitado
trespassava-nos
E se estendia mesmo
além. Na escura córnea
desse poço
As tartarugas brancas
se moviam feito nervos ópticos
expostos.
E como se fora dita
uma palavra, nos retraíamos
Ao mundo da
gravidade, em silêncio.
Referências:
Em Inglês
RAMAKRISHNAN, E. V.
Terms of seeing. In: THAYIL, Jeet (Ed.). 60 indian poets. New Delhi, IN:
Penguin Books India, 2008. p. 350-351.
Em Português
RAMAKRISHNAN, E. V. Os termos da visão. Tradução de Aurora Bernardini. In: BERNARDINI, Aurora. Poemas do indiano E. V. Ramakrishnan. Qorpus, Florianópolis (SC), n. 15, dez. 2014. Edição eletrônica neste endereço. Acesso em: 7 mai. 2025.
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