Alpes Literários

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Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 10 de maio de 2025

E. V. Ramakrishnan - Os Termos da Visão

Numa evocação nostálgica da infância, na qual se mescla um certo sentido metafísico atrelado à percepção visual, o poeta indiano nos transporta a um horto abandonado, no caminho entre a escola e a lar, onde os meninos exploravam e descobriam os mistérios da natureza e da vida, compendiados nos símbolos do poço, das tartarugas e da luz do sol sobre a colina e o mar.

 

Alterar os “termos da visão” para um nível contemplativo mais acurado, elevar o nível de consciência em relação às coisas que se encontram para mais além do visível, estar precavido para os perigos que essa aventura a todos expõe: tudo são medidas para se poder usufruir, de modo refletido e com conhecimento de causa, a ampla e enigmática realidade que nos alcança os olhos.

 

J.A.R. – H.C.

 

E. V. Ramakrishnan

(n. 1951)

 

Terms of Seeing

 

On our way home from school

We often spent hours in that abandoned

Orchard of mango, cashewnut

And tamarind trees, where each season had

Its fruit and each fruit tasted different.

 

There we raided the hidden hideouts

Of bootleggers, and broke their buried

Mud-pots. The crematorium in the corner

Revealed an occasional roasted vertebra.

Once we went further and discovered

 

A disused well, and peeped into its

Vaporous depths: the water smelt like freshly

Distilled alcohol. Through the clotted branches

Of close-knit shadows floated white

Turtles with glazed, metallic shells.

 

Moving with monastic grace, they looked

Knowledgeable, like much travelled witchcraft

Doctors. If they cast a spell, it was

Unintentional. As we bent down, their

Shaven heads rose and met a shaft of sudden

 

Sunlight at an angle, tilting the sun

Into the sea. Still, the light lingered over the hill

Like an intimate whisper of something

Forbidden. By this time, the terms of seeing

Were reset: the well was watching us now.

 

Its riveted gaze pierced us and even went

Beyond us. In the dark cornea of the well

The white turtles moved like exposed optic nerves.

And as if a word was spoken, we stepped

Back into the world of gravity, in silence.

 

Tartarugas marinhas

(Lyudmila Knyazeva: artista russa)

 

Os Termo da Visão

 

Em nossa volta da escola

Horas passávamos naquele pomar abandonado,

Plantas de mangas, cajus

E tamarindos, onde cada estação tinha

Seus frutos e cada fruto seu sabor.

 

Invadíamos o esconderijo improvisado

Dos contrabandistas e quebrávamos seus potes

De barro, enterrados. O crematório na esquina

Revelava uma vértebra assada ocasional.

Uma vez fomos além e descobrimos

 

Um poço abandonado. Espreitamos em seu

Vaporoso fundo: a água cheirava a álcool

Recém destilado. Entre os galhos tramados

De densas sombras flutuavam tartarugas

Brancas, carapaças metálicas, vidradas.

 

Movendo-se com monástico donaire, pareciam

Sabedoras, como xamãs muito

Escolados. Se enfeitiçavam, não era

Intencional. Ao debruçar-nos, suas

Cabeças rapadas se erguiam, encontravam uma haste

de repentino

 

Sol num canto e enristavam o sol

No mar. A luz ainda demorava na colina

Íntimo sussurrar de algo

proibido. Nesse momento, os termos da visão

Se recompunham: o poço olhava para nós, agora.

 

Seu olhar rebitado trespassava-nos

E se estendia mesmo além. Na escura córnea

desse poço

As tartarugas brancas se moviam feito nervos ópticos

expostos.

E como se fora dita uma palavra, nos retraíamos

Ao mundo da gravidade, em silêncio.

 

Referências:

 

Em Inglês

 

RAMAKRISHNAN, E. V. Terms of seeing. In: THAYIL, Jeet (Ed.). 60 indian poets. New Delhi, IN: Penguin Books India, 2008. p. 350-351.

 

Em Português

 

RAMAKRISHNAN, E. V. Os termos da visão. Tradução de Aurora Bernardini. In: BERNARDINI, Aurora. Poemas do indiano E. V. Ramakrishnan. Qorpus, Florianópolis (SC), n. 15, dez. 2014. Edição eletrônica neste endereço. Acesso em: 7 mai. 2025.

 

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