A falante denuncia o
assédio masculino nos espaços públicos, especialmente nas ruas, como uma forma
de comunicação falha e degradante, tanto mais porque lhe suscita uma sensação
de desconforto, medo e desrespeito: parece-lhe haver suficiente crueza nos sons
e gestos, aparentemente triviais, que os homens direcionam às mulheres, mas que,
de fato, estão carregados de uma violência ao mesmo tempo sutil e penetrante.
Os homens, a seu ver,
seriam incapazes de expressar seus sentimentos de maneira mais sã e respeitosa,
num padrão harmonioso, mais musical até, longe dessas indignas experiências, as
quais, mais do que oferecer um tributo à presença feminina, delimitam uma
percepção distorcida da mulher como um objeto sexual, revelando, assim, certa
falta de “poesia, decência e amor” na vida quotidiana, sobretudo porque erodem
o sentido do que se tem por dignidade humana.
J.A.R. – H.C.
Denise Levertov
(1923-1997)
The Mutes
Those groans men use
passing a woman on
the street
or on the steps of
the subway
to tell her she is a
female
and their flesh knows
it,
are they a sort of
tune,
an ugly enough song,
sung
by a bird with a slit
tongue
but meant for music?
Or are they the
muffled roaring
of deafmutes trapped
in a building that is
slowly filling with
smoke?
Perhaps both.
Such men most often
look as if groan were
all they could do,
yet a woman, in spite
of herself,
knows it’s a tribute:
if she were lacking
all grace
they’d pass her in
silence:
so it’s not only to
say she’s
a warm hole. It’s a
word
in grief-language,
nothing to do with
primitive, not an
ur-language;
language stricken,
sickened, cast down
in decrepitude. She
wants to
throw the tribute
away, dis-
gusted, and can’t,
it goes on buzzing in
her ear,
it changes the pace
of her walk,
the torn posters in
echoing corridors
spell it out, it
quakes and gnashes as
the train comes in.
Her pulse sullenly
had picked up speed,
but the cars slow
down and
jar to a stop while
her understanding
keeps on translating:
‘Life after life
after life goes by
without poetry,
without seemliness,
without love.’
Homem flertando com
duas mulheres
do lado de fora de
uma casa de campo
(Autoria
desconhecida)
Os Mudos
Esses suspiros que os
homens
soltam quando passam
por uma mulher na rua
ou nas escadas do
metrô
a fim de lhe dizer
que é uma fêmea
pois assim sentem
suas carnes,
são talvez espécie de
som,
canção muito feia,
feia mesmo, sussurrada
por um pássaro de
língua serrada
mas feita para
música?
Ou são grunhidos
de surdos-mudos
encurralados numa sala que
aos poucos se enche
de fumaça?
Talvez as duas
coisas.
Tais homens parecem
que
só sabem soltar tais
sussurros,
no entanto uma
mulher, apesar de si mesma,
sabe que lhes chama
atenção:
se ela não tivesse
graça
passariam por ela em
silêncio:
logo, não é só porque
ela seja
um buraco quente. É
uma palavra
em língua sofrida,
longe de ser
primitiva nem
primária;
língua prenhe,
doentia, senilizada,
em decrepitude. Ela
deseja
desfazer-se do
sussurro, repug-
nada, mas não
consegue,
o sussurro prossegue
zurrando em seus ouvidos,
muda o ritmo de seus
passos,
os cartazes rasgados
em corredores que ecoam,
verbalizam-no, ele
se estremece e range
à chegada do trem.
O pulso dela sombriamente
acelerava-se, mas os
vagões
param estridentes
enquanto sua
compreensão
prossegue transladando
“Vida após vida após
vida prossegue
sem poesia
sem decência
sem amor”.
Referência:
LEVERTOV, Denise. The mutes / Os mudos. Tradução de Ary Gonzalez Galvão. In: KEYS, Kerry Shawn (Ed.). Quingumbo: new north american poetry / nova poesia norte-americana. Antologia bilíngue. São Paulo, SP: Escrita, 1980. Em inglês: p. 80 e 82; em português: p. 81 e 83.
❁


Nenhum comentário:
Postar um comentário