Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Denise Levertov - Os Mudos

A falante denuncia o assédio masculino nos espaços públicos, especialmente nas ruas, como uma forma de comunicação falha e degradante, tanto mais porque lhe suscita uma sensação de desconforto, medo e desrespeito: parece-lhe haver suficiente crueza nos sons e gestos, aparentemente triviais, que os homens direcionam às mulheres, mas que, de fato, estão carregados de uma violência ao mesmo tempo sutil e penetrante.

 

Os homens, a seu ver, seriam incapazes de expressar seus sentimentos de maneira mais sã e respeitosa, num padrão harmonioso, mais musical até, longe dessas indignas experiências, as quais, mais do que oferecer um tributo à presença feminina, delimitam uma percepção distorcida da mulher como um objeto sexual, revelando, assim, certa falta de “poesia, decência e amor” na vida quotidiana, sobretudo porque erodem o sentido do que se tem por dignidade humana.

 

J.A.R. – H.C.

 

Denise Levertov

(1923-1997)

 

The Mutes

 

Those groans men use

passing a woman on the street

or on the steps of the subway

 

to tell her she is a female

and their flesh knows it,

 

are they a sort of tune,

an ugly enough song, sung

by a bird with a slit tongue

 

but meant for music?

 

Or are they the muffled roaring

of deafmutes trapped in a building that is

slowly filling with smoke?

 

Perhaps both.

 

Such men most often

look as if groan were all they could do,

yet a woman, in spite of herself,

 

knows it’s a tribute:

if she were lacking all grace

they’d pass her in silence:

 

so it’s not only to say she’s

a warm hole. It’s a word

 

in grief-language, nothing to do with

primitive, not an ur-language;

language stricken, sickened, cast down

 

in decrepitude. She wants to

throw the tribute away, dis-

gusted, and can’t,

 

it goes on buzzing in her ear,

it changes the pace of her walk,

the torn posters in echoing corridors

 

spell it out, it

quakes and gnashes as the train comes in.

Her pulse sullenly

 

had picked up speed,

but the cars slow down and

jar to a stop while her understanding

 

keeps on translating:

‘Life after life after life goes by

 

without poetry,

without seemliness,

without love.’

 

Homem flertando com duas mulheres

do lado de fora de uma casa de campo

(Autoria desconhecida)

 

Os Mudos

 

Esses suspiros que os homens

soltam quando passam por uma mulher na rua

ou nas escadas do metrô

 

a fim de lhe dizer que é uma fêmea

pois assim sentem suas carnes,

 

são talvez espécie de som,

canção muito feia, feia mesmo, sussurrada

por um pássaro de língua serrada

 

mas feita para música?

 

Ou são grunhidos

de surdos-mudos encurralados numa sala que

aos poucos se enche de fumaça?

 

Talvez as duas coisas.

 

Tais homens parecem que

só sabem soltar tais sussurros,

no entanto uma mulher, apesar de si mesma,

 

sabe que lhes chama atenção:

se ela não tivesse graça

passariam por ela em silêncio:

 

logo, não é só porque ela seja

um buraco quente. É uma palavra

 

em língua sofrida, longe de ser

primitiva nem primária;

língua prenhe, doentia, senilizada,

 

em decrepitude. Ela deseja

desfazer-se do sussurro, repug-

nada, mas não consegue,

 

o sussurro prossegue zurrando em seus ouvidos,

muda o ritmo de seus passos,

os cartazes rasgados em corredores que ecoam,

 

verbalizam-no, ele

se estremece e range à chegada do trem.

O pulso dela sombriamente

 

acelerava-se, mas os vagões

param estridentes

enquanto sua compreensão

 

prossegue transladando

“Vida após vida após vida prossegue

 

sem poesia

sem decência

sem amor”.

 

Referência:

 

LEVERTOV, Denise. The mutes / Os mudos. Tradução de Ary Gonzalez Galvão. In: KEYS, Kerry Shawn (Ed.). Quingumbo: new north american poetry / nova poesia norte-americana. Antologia bilíngue. São Paulo, SP: Escrita, 1980. Em inglês: p. 80 e 82; em português: p. 81 e 83.

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