O poeta nos fala
sobre o ato de escrever, metaforizando-o numa cavalgada frenética, cheia de
impulso e de paixão desbordante, durante a qual se monta um corcel selvagem, num
arremeter com força, saltando obstáculos sem freios: tem-se aí uma torrente
visceral e impetuosa, na qual o escritor se entrega por completo ao galope de
sua inspiração.
Deixando-se levar pela veemência arrebatadora de seu ofício, sem
quaisquer contenções, o escritor dá vez a um estado de escrita instintiva, relegando
a mente racional a um segundo plano, para então fazer prevalecer um rompante primário,
a exortá-lo a embicar às cegas pelo terreno escarpado da criação.
Quanta diferença em
relação a uma escrita mais serena, metódica e estruturada de quem, com “calma e
cálculo”, “colhe e cata feijão”! Aqui, como em muitos poemas cerebrinos de Melo
Neto (1920-1999) – com palavras cuidadosamente escolhidas para atingir alvos
específicos –; ali, à maneira de certas elocuções exuberantes de Fernando Pessoa
(1888-1935), a entornarem panóplias de sentimentos, pensamentos, emoções e
insights que lhe habitam o espírito.
J.A.R. – H.C.
Armando Freitas Filho
(n. 1940)
Caçar em vão
Às vezes escreve-se a
cavalo.
Arremetendo, com toda
a carga.
Saltando obstáculos
ou não.
Atropelando tudo, passando
por cima sem puxar o
freio –
a galope – no susto,
disparado
sobre pedras, fora da
margem
feito só de patas,
sem cabeça
nem tempo de ler no
pensamento
o que corre ou o que
empaca:
sem ter a calma e o
cálculo
de quem colhe e cata
feijão.
Tempestades
Magnéticas
(Wolfgang R. Paalen:
pintor austro-mexicano)
Referência:
FREITAS FILHO, Armando. Caçar em vão. In: FERRAZ, Eucanaã (Organização e Prefácio). Veneno antimonotonia: os melhores poemas e canções contra o tédio. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, 2005. p. 184.
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