Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 9 de maio de 2025

Armando Freitas Filho - Caçar em vão

O poeta nos fala sobre o ato de escrever, metaforizando-o numa cavalgada frenética, cheia de impulso e de paixão desbordante, durante a qual se monta um corcel selvagem, num arremeter com força, saltando obstáculos sem freios: tem-se aí uma torrente visceral e impetuosa, na qual o escritor se entrega por completo ao galope de sua inspiração.

 

Deixando-se levar pela veemência arrebatadora de seu ofício, sem quaisquer contenções, o escritor dá vez a um estado de escrita instintiva, relegando a mente racional a um segundo plano, para então fazer prevalecer um rompante primário, a exortá-lo a embicar às cegas pelo terreno escarpado da criação.

 

Quanta diferença em relação a uma escrita mais serena, metódica e estruturada de quem, com “calma e cálculo”, “colhe e cata feijão”! Aqui, como em muitos poemas cerebrinos de Melo Neto (1920-1999) – com palavras cuidadosamente escolhidas para atingir alvos específicos –; ali, à maneira de certas elocuções exuberantes de Fernando Pessoa (1888-1935), a entornarem panóplias de sentimentos, pensamentos, emoções e insights que lhe habitam o espírito.

 

J.A.R. – H.C.

 

Armando Freitas Filho

(n. 1940)

 

Caçar em vão

 

Às vezes escreve-se a cavalo.

Arremetendo, com toda a carga.

Saltando obstáculos ou não.

Atropelando tudo, passando

por cima sem puxar o freio –

a galope – no susto, disparado

sobre pedras, fora da margem

feito só de patas, sem cabeça

nem tempo de ler no pensamento

o que corre ou o que empaca:

sem ter a calma e o cálculo

de quem colhe e cata feijão.

 

Tempestades Magnéticas

(Wolfgang R. Paalen: pintor austro-mexicano)

 

Referência:

 

FREITAS FILHO, Armando. Caçar em vão. In: FERRAZ, Eucanaã (Organização e Prefácio). Veneno antimonotonia: os melhores poemas e canções contra o tédio. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, 2005. p. 184.

 

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