Alpes Literários

Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Wallace Stevens - Acenando Adieu, Adieu, Adieu

O poeta pervaga pelos sentidos da palavra adeus, enquanto despedida e separação, e não só no plano físico, senão também no existencial, pois que às voltas tanto de um desapegar-se das coisas deste mundo, quanto de um profundo impacto emocional no recesso da alma: perceba-se que Stevens examina tal experiência à luz de uma realidade desprovida de transcendência, de qualquer dimensão sidérea, digo melhor, sem vida após a morte.

 

Nesse contexto, as paradas nas sendas pelas quais passamos são vistas como pontos finais, com maior significado e peso do que simples separações: sem um reino etéreo na eternidade que se vislumbre, as despedidas revelam-se como derradeiros sinais de pontuação na narrativa de nossas existências.

 

Para uma vida com transcurso num plano modesto, sem grandes ambições, que então busquemos, como alternativa, mais descortino em nossas introspecções, apreciando os pequenos prazeres da vida, em sintonia com o sempiterno ciclo das sazões naturais, entre comprazimentos e belezas, mantendo o espírito aberto – e eis aqui a irônica moção do poeta! – aos influxos restauradores da luz do sol.

 

J.A.R. – H.C.

 

Wallace Stevens

(1879-1955)

 

Waving Adieu, Adieu, Adieu

 

That would be waving and that would be crying,

Crying and shouting and meaning farewell,

Farewell in the eyes and farewell at the centre,

Just to stand still without moving a hand.

 

In a world without heaven to follow, the stops

Would be endings, more poignant than partings,

profounder,

And that would be saying farewell, repeating farewell,

Just to be there and just to behold.

 

To be one’s singular self, to despise

The being that yielded so little, acquired

So little, too little to care, to turn

To the ever-jubilant weather, to sip

 

One’s cup and never to say a word,

Or to sleep or just to lie there still,

Just to be there, just to be beheld,

That would be bidding farewell, be bidding farewell.

 

One likes to practice the thing. They practice,

Enough, for heaven. Ever-jubilant,

What is there here but weather, what spirit

Have I except it comes from the sun?

 

In: “Ideas of Order” (1936)

 

Acenando adeus ao pai

(Jozef Israels: pintor holandês)

 

Acenando Adieu, Adieu, Adieu

 

Seria como acenar, seria como chorar,

Chorar e gritar e apreender o sentido do adeus,

Adeus no olhar e adeus na alma,

Tão só por se ficar parado sem mover uma mão.

 

Em um mundo sem céu a que seguir, as paradas

Seriam como finais, mais pungentes e profundas

que as partidas,

E tudo a afigurar-se como dizer adeus, redizer adeus,

Tão só por se lá estar, apenas a contemplar.

 

Ser o eu singular de si mesmo, desprezar

O ser de tão poucas obras, de tão poucas conquistas,

Tão poucas para requererem cuidados, orientar-se

Ao tempo sempre radiante, sorver pequenos goles

 

Da própria taça, sem jamais dizer uma palavra,

Ou adormecer, ou apenas quedar-se deitado,

Tão só por se lá estar, apenas a ser visto.

E tudo a afigurar-se como dizer adeus, dizer adeus.

 

Todos se deleitam em praticar a coisa. Praticam,

O bastante, pelo paraíso. Mas o que há aqui senão

O tempo sempre radiante, que espírito tenho eu

Exceto o que me vem diretamente do sol?

 

Em: “Ideias de Ordem” (1936)

 

Referência:

 

STEVENS, Wallace. Waving adieu, adieu, adieu. In: __________. The collected poems. 11th print. New York, NY: Alfred A. Knopf, feb. 1971. p. 127-128.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

César Vallejo - Os Passos Distantes

Com uma linguagem expressiva e evocadora, o poeta relata o seu desalento em relação às pungentes memórias de sua infância – em última instância, de seu passado ou mesmo de sua identidade em apresto –, num lar que se presume fosse feliz e cheio de vida, mas que, agora, imerso em solidão, experimenta o vazio, desde o momento em que grande parte dos familiares ou bem já pereceu ou bem partiu para terras distantes, em busca de dias melhores.

 

Na sucessão de gerações, cada uma leva consigo a carga de experiências pessoais e de sentimentos, ao longo de uma travessia – que é tanto física quanto anímica – até a velhice: veja-se o quanto o falante se encontra refém de um embate entre as sensações de ternura e de gratidão a seus pais e as forças que o sujeitam a um nítido estado de melancolia!

 

J.A.R. – H.C.

 

César Vallejo

(1892-1938)

 

Los Pasos Lejanos

 

Mi padre duerme. Su semblante augusto

figura un apacible corazón;

está ahora tan dulce…

si hay algo en él de amargo, seré yo.

 

Hay soledad en el hogar; se reza;

y no hay noticias de los hijos hoy.

Mi padre se despierta, ausculta

la huida a Egipto, el restañante adiós.

Está ahora tan cerca;

si hay algo en él de lejos, seré yo.

 

Y mi madre pasea allá en los huertos,

saboreando un sabor ya sin sabor.

Está ahora tan suave,

tan ala, tan salida, tan amor.

 

Hay soledad en el hogar sin bulla,

sin noticias, sin verde, sin niñez.

Y si hay algo quebrado en esta tarde,

y que baja y que cruje,

son dos viejos caminos blancos, curvos.

Por ellos va mi corazón a pie.

 

Um passeio em família

(Christine Beard: artista australiana)

 

Os Passos Distantes

 

Meu pai repousa. Seu semblante augusto

semelha um aprazível coração;

parece-me tão puro...

se há nele algo de amargo, serei eu.

 

Há solidão em toda a casa; rezam;

não há notícia de seus filhos hoje.

Meu pai desperta, atenta os olhos

à fuga para o Egito, o lancinante adeus.

Parece-me tão próximo;

se há nele algo distante, serei eu.

 

E minha mãe passeia nos jardins,

saboreando um sabor já sem sabor.

Parece-me tão suave,

tão asa, tão saída, tão amor.

 

Há solidão na casa silenciosa,

sem notícias, sem verde, sem infância.

E se algo há de quebrado nesta tarde,

que baixa e que se parte,

são dois velhos caminhos curvos, brancos.

Por eles vai meu coração a pé.

 

Referências:

 

Em Espanhol

 

VALLEJO, César. Los pasos lejanos. In: __________. Obras completas. Tomo tercero: obra poética completa. 1. ed. Buenos Aires, AR: Búsqueda; Lima, PE: Mosca Azul, 1974. p. 92.

 

Em Português

 

VALLEJO, César. Os passos distantes. Tradução de Ivo Barroso. In: BARROSO, Ivo (Organização e tradução). O torso e o gato: o melhor da poesia universal. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1991. p. 161.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Daniel Jonas - O vento

Ao falante, a tentativa, o esforço, a conquista, o desejo, o enfrentamento de ideias – inclusive a de começar a falar –, parecem-lhe desgastantes, tampouco suscitam vestígios alentadores. Sob tal abordagem do mundo, tudo é sempre o mesmo: nada importa, nada muda, nada se granjeia, pois, em última instância, esta seria a casa do vazio e do sem-sentido.

 

Para além dessa visão um tanto niilista, o vento acaba por se tornar o único elemento capaz de se mover, de se trasladar, de comportar um pouco de substância que se equipare à vida, integrando-se à realidade do ente lírico talvez como metáfora de uma força elementar e sem pretensões, do simples existir por existir, sem o peso monotônico e fatigante dos esforços humanos.

 

Subjacente aos versos do poema, o questionamento sobre o sentido da vida, essa interrogante complexa, que invariavelmente se posta mais à frente de qualquer empreendimento a que se dê partida. Afinal, a leibniziana “razão suficiente” se nos apresenta a casa instante como uma condição incontornável para que nos voluntariemos a porfiar contra os bastiões da prostração!

 

J.A.R. – H.C.

 

Daniel Jonas

(n. 1973)

 

O vento

 

Porque não há nada em vez de tudo? – perguntou

o cientista. – Tudo me cansa:

a tentativa, o esforço, o consegui-lo.

Tudo é redondamente inútil:

o desejo, o seu decesso.

O confronto de ideias então

apavora-me. Até mesmo a ideia de começar a falar,

a indústria de se ganhar algo, o movimento

são desgastantes antes de si.

Tudo é absolutamente a mesma coisa.

Nada conquista nada.

O vento é.

 

Em: “Bisonte” (2016)

 

Vento soprando pela casa de pedra

(Raymond Lewis: pintor norte-americano)

 

Referência:

 

JONAS, Daniel. O vento. In: __________. Os fantasmas inquilinos: poemas escolhidos. Seleção e posfácio por Mariano Marovatto. 1. ed. São Paulo, SP: Todavia, 2019. p. 66.

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Rafael Alberti - Os anjos mortos

Aparentemente, Alberti descreve como “anjos mortos” os elementos em decomposição de uma fé que se abalou, fendendo as colunas orientadoras de uma existência que se pretendia, de início, em estado de beatitude: coisas deterioradas, inanimadas, abandonadas ou esquecidas formam o rol que se encontra ao redor desses seres frágeis e vulneráveis.

 

São, por conseguinte, entidades que deixaram de existir, rendidos à força do tempo e à tormenta dos dias, mas que seguem presentes na memória dos vivos, ainda a ajustar-se, por cima de paus e de pedras, como um último lastro para se refletir sobre os sentidos da transcendência e da presença do divino, num quotidiano cada vez mais secularizado.

 

J.A.R. – H.C.

 

Rafael Alberti

(1902-1999)

 

Los ángeles muertos

 

Buscad, buscadlos:

en el insomnio de las cañerías olvidadas,

en los cauces interrumpidos por el silencio de las basuras.

No lejos de los charcos incapaces de guardar una nube,

unos ojos perdidos,

una sortija rota

o una estrella pisoteada.

 

Porque yo los he visto:

en esos escombros momentáneos que aparecen en las neblinas.

Porque yo los he tocado:

en el destierro de un ladrillo difunto,

venido a la nada desde una torre o un carro.

Nunca más allá de las chimeneas que se derrumban,

ni de esas hojas tenaces que se estampan en los zapatos.

 

En todo esto.

Más en esas astillas vagabundas que se consumen sin fuego,

en esas ausencias hundidas que sufren los muebles desvencijados,

no a mucha distancia de los nombres y signos que se enfrían

en las paredes.

 

Buscad, buscadlos:

debajo de la gota de cera que sepulta la palabra de un libro

o la firma de uno de esos rincones de cartas

que trae rodando el polvo.

Cerca del casco perdido de una botella,

de una suela extraviada en la nieve,

de una navaja de afeitar abandonada al borde de un precipicio.

 

En: “Sobre los ángeles” (1929)

 

Uma criança morta

carregada por anjos aos céus

(Peter Paul Rubens: pintor flamengo)

 

Os anjos mortos

 

Procurai, procurai por eles:

na insônia das tubulações esquecidas,

nos leitos de rios interrompidos pelo silêncio do lixo.

Não longe das poças incapazes de comportar uma nuvem,

uns olhos perdidos,

um anel partido

ou uma estrela pisoteada.

 

Porque eu os vi:

nesses escombros momentâneos que aparecem nas neblinas.

Porque eu os toquei:

no desterro de um tijolo defunto,

vindo ao nada desde uma torre ou uma carroça.

Nunca para além das chaminés em ruínas,

tampouco dessas folhas tenazes que se agarram aos sapatos.

 

Em tudo isto.

Mais nessas lascas errantes que se consomem sem fogo,

nessas ausências oprimentes de que padecem os móveis decrépitos,

não a muita distância dos nomes e símbolos que arrefecem

nas paredes.

 

Procurai, procurai por eles:

debaixo da gota de cera que finca a palavra de um livro

ou a assinatura de um desses cantos de cartas

que a poeira traz em torvelinhos.

Perto do casco perdido de uma garrafa,

de uma sola extraviada na neve,

de uma lâmina de barbear abandonada à beira de um precipício.

 

Em: “Sobre os anjos” (1929)

 

Referência:

 

ALBERTI, Rafael. Los ángeles muertos. In: __________. Antología poética. Córdoba, AR: Ediciones del Sur, oct. 2003. p. 84-85.