À procura de
felicidade em seus dias, a falante experimenta, de fato, a opressão de uma íntima
e devastadora sensação, afastando-a de tal propósito: expressam-se sentimentos
de angústia e um desejo de escape em meio à escuridão e à solidão, num esmorecimento
que tende a assomar ao plano físico, pois que o “sangue chora e chora”.
As tentativas de dar
contorno a esse quadro avassalador consistem em obter consolo nas pequenas
coisas quotidianas, em ir ao encalço do poético naquilo que é trivial ou mesmo desconhecido,
com o firme propósito de, ante a desesperança, encontrar significado em sua
existência: a perquirição sobre a vida e a morte, no derradeiro dístico do
poema, contudo, reflete a luta interna da autora consigo mesmo e pressagia o seu
infausto porvir.
J.A.R. – H.C.
Alejandra Pizarnik
(1936-1972)
Noche
Quoi, toujours? Entre
moi sans cesse et
le Bonheur!
Gérard de Nerval
Tal vez esta noche no
es noche
debe ser un sol horrendo,
o
lo otro, o cualquier
cosa...
¡Qué sé yo! ¡Faltan
palabras,
falta candor, falta
poesía
cuando la sangre
llora y llora!
¡Pudiera ser tan
feliz esta noche!
Si sólo me fuera dado
palpar
las sombras, oír
pasos
decir ‘buenas noches’
a cualquiera
que pasease a su
perro,
miraría la luna,
dijera su
extraña lactescencia,
tropezaría
con piedras al azar,
como se hace.
Pero hay algo que
rompe la piel,
una ciega furia
que corre por mi
venas.
¡Quiero salir!
Cancerbero del alma:
¡Deja, déjame
traspasar tu sonrisa!
¡Pudiera ser tan
feliz esta noche!
Aún quedan ensueños
rezagados.
¡Y tantos libros! ¡Y
tantas luces!
¡Y mis pocos años!
¿Por qué no?
La muerte está
lejana. No me mira.
¡Tanta vida Señor!
¿Para qué tanta vida?
A Autômata
(Edward Hopper: artista
norte-americano)
Noite
O que, sempre? Entre
mim sem cessar
e a Felicidade!
Gérard de Nerval
Talvez esta noite não
é noite
deve ser um sol
horrendo, ou
o outro, ou qualquer
coisa…
Que sei eu! Faltam
palavras,
falta candura, falta
poesia
quando o sangue chora
e chora!
Poderia ser tão feliz
esta noite!
Se só me fosse dado
apalpar
as sombras, ouvir
passos
dizer ‘boa noite’ a
qualquer um
que passeasse com seu
cão
olharia a lua,
dissesse sua
estranha
lactescência, tropeçaria
com pedras ao azar,
como se faz.
Mas há algo que rompe
a pele,
uma fúria cega
que corre por minhas
veias.
Quero sair! Cérbero
da alma:
Deixa, deixa-me
transpor teu sorriso!
Poderia ser tão feliz
esta noite!
Ainda restam
devaneios defasados.
E tantos livros! E
tantas luzes!
E meus poucos anos!
Por que não?
A morte está longe.
Não me vê.
Tanta vida Senhor!
Para que tanta vida?
Referência:
PIZARNIK, Alejandra.
Noche / Noite. Tradução de Júlia Corrêa. (n.t.) Revista Literária de
Tradução, Florianópolis (SC), ano 11, n. 23, vol. especial ilustrado, 2021.
Em espanhol: p. 379; em português: p. 382. Disponível neste endereço. Acesso em 20 ago. 2024.
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