Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 1 de setembro de 2024

Alejandra Pizarnik - Noite

À procura de felicidade em seus dias, a falante experimenta, de fato, a opressão de uma íntima e devastadora sensação, afastando-a de tal propósito: expressam-se sentimentos de angústia e um desejo de escape em meio à escuridão e à solidão, num esmorecimento que tende a assomar ao plano físico, pois que o “sangue chora e chora”.

 

As tentativas de dar contorno a esse quadro avassalador consistem em obter consolo nas pequenas coisas quotidianas, em ir ao encalço do poético naquilo que é trivial ou mesmo desconhecido, com o firme propósito de, ante a desesperança, encontrar significado em sua existência: a perquirição sobre a vida e a morte, no derradeiro dístico do poema, contudo, reflete a luta interna da autora consigo mesmo e pressagia o seu infausto porvir.

 

J.A.R. – H.C.

 

Alejandra Pizarnik

(1936-1972)

 

Noche

 

Quoi, toujours? Entre moi sans cesse et

le Bonheur!

Gérard de Nerval

 

Tal vez esta noche no es noche

debe ser un sol horrendo, o

lo otro, o cualquier cosa...

¡Qué sé yo! ¡Faltan palabras,

falta candor, falta poesía

cuando la sangre llora y llora!

 

¡Pudiera ser tan feliz esta noche!

Si sólo me fuera dado palpar

las sombras, oír pasos

decir ‘buenas noches’ a cualquiera

que pasease a su perro,

miraría la luna, dijera su

extraña lactescencia, tropezaría

con piedras al azar, como se hace.

 

Pero hay algo que rompe la piel,

una ciega furia

que corre por mi venas.

¡Quiero salir! Cancerbero del alma:

¡Deja, déjame traspasar tu sonrisa!

 

¡Pudiera ser tan feliz esta noche!

Aún quedan ensueños rezagados.

 

¡Y tantos libros! ¡Y tantas luces!

¡Y mis pocos años! ¿Por qué no?

La muerte está lejana. No me mira.

 

¡Tanta vida Señor!

¿Para qué tanta vida?

 

A Autômata

(Edward Hopper: artista norte-americano)

 

Noite

 

O que, sempre? Entre mim sem cessar

e a Felicidade!

Gérard de Nerval

 

Talvez esta noite não é noite

deve ser um sol horrendo, ou

o outro, ou qualquer coisa…

Que sei eu! Faltam palavras,

falta candura, falta poesia

quando o sangue chora e chora!

 

Poderia ser tão feliz esta noite!

Se só me fosse dado apalpar

as sombras, ouvir passos

dizer ‘boa noite’ a qualquer um

que passeasse com seu cão

olharia a lua, dissesse sua

estranha lactescência, tropeçaria

com pedras ao azar, como se faz.

 

Mas há algo que rompe a pele,

uma fúria cega

que corre por minhas veias.

Quero sair! Cérbero da alma:

Deixa, deixa-me transpor teu sorriso!

 

Poderia ser tão feliz esta noite!

Ainda restam devaneios defasados.

 

E tantos livros! E tantas luzes!

E meus poucos anos! Por que não?

A morte está longe. Não me vê.

 

Tanta vida Senhor!

Para que tanta vida?

 

Referência:

 

PIZARNIK, Alejandra. Noche / Noite. Tradução de Júlia Corrêa. (n.t.) Revista Literária de Tradução, Florianópolis (SC), ano 11, n. 23, vol. especial ilustrado, 2021. Em espanhol: p. 379; em português: p. 382. Disponível neste endereço. Acesso em 20 ago. 2024.

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