Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Orides Fontela - Sete poemas do pássaro

Sete poemas sobre um pássaro que nos intriga sobre a sua natureza, representado como algo definitivo e transcendental, em presumível conexão com o eterno, cuja escolha se mostra orgânica e passiva, como se o ato de o buscar fosse inecessário, pois que o próprio pássaro decide quando manifestar-se, levando-nos a associá-lo àquelas coisas que se nos revelam no adequado momento, sem necessidade de as forçarmos.

 

Estamos simbioticamente entrelaçados com a natureza, e nossas ações sobre o mundo ao redor influenciam constantemente o entorno, transformando-o e modificando-o, tanto quanto a nós mesmos, expostos que estamos à inevitabilidade do sofrimento, à ruptura, à dor – reveses que nos sangram e nos deixam marcas indeléveis.

 

Nossas percepções e traquejos modelam a compreensão da realidade, e certos momentos ou elementos podem mudar nossa perspectiva de modo cabal, a exemplo da experiência que temos da beleza, permeada pelo sublime, ainda que ignoremos seus aspectos mais complexos e, até mesmo, contraditórios ou obscuros.

 

A imagem de um voo profundo, suscitada pela poetisa, evoca a ideia de elevação e de expansão da consciência, com o fito de integrar-se à plenitude de tudo quanto existe – na natureza ou em nossa mente: nessa teia de significados e de sensações, estamos nós imersos, procurando desvendá-los em cada ciclo de nossas limitadas existências.

 

J.A.R. – H.C.

 

Orides Fontela

(1940-1998)

 

Sete poemas do pássaro

 

I

 

O pássaro é definitivo

por isso não o procuremos:

ele nos elegerá.

 

II

 

Se for esta a hora do pássaro

abre-te e saberás

o instante eterno.

 

III

 

Nunca será mais a mesma

nossa atmosfera

pois sustentamos o voo

que nos sustenta.

 

IV

 

O pássaro é lúcido

e nos retalha.

Sangramos. Nunca haverá

cicatrização possível

para este rumo.

 

V

 

Este pássaro é reto;

arquiteta o real e é o real mesmo.

 

VI

 

Nunca saberemos

tanta pureza:

pássaro devorando-nos

enquanto o cantamos.

 

VII

 

Na luz do voo profundo

existiremos neste pássaro:

ele nos vive.

 

Em: “Helianto” (1973)

 

Voo de pássaros

(Alla Volkova: pintora letã)

 

Referência:

 

FONTELA, Orides. Sete poemas do pássaro. In: __________. Poemas escolhidos. Organizado por Rodrigo Jorge Ribeiro Neves. 1. ed. São Paulo, SP: Nexus Produções Artísticas, 2022. p. 55-56.

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