Sete poemas sobre um
pássaro que nos intriga sobre a sua natureza, representado como algo definitivo
e transcendental, em presumível conexão com o eterno, cuja escolha se mostra
orgânica e passiva, como se o ato de o buscar fosse inecessário, pois que o
próprio pássaro decide quando manifestar-se, levando-nos a associá-lo àquelas
coisas que se nos revelam no adequado momento, sem necessidade de as forçarmos.
Estamos simbioticamente
entrelaçados com a natureza, e nossas ações sobre o mundo ao redor influenciam
constantemente o entorno, transformando-o e modificando-o, tanto quanto a
nós mesmos, expostos que estamos à inevitabilidade do sofrimento, à ruptura, à
dor – reveses que nos sangram e nos deixam marcas indeléveis.
Nossas percepções e traquejos
modelam a compreensão da realidade, e certos momentos ou elementos podem
mudar nossa perspectiva de modo cabal, a exemplo da experiência que temos da
beleza, permeada pelo sublime, ainda que ignoremos seus aspectos mais complexos
e, até mesmo, contraditórios ou obscuros.
A imagem de um voo
profundo, suscitada pela poetisa, evoca a ideia de elevação e de expansão da
consciência, com o fito de integrar-se à plenitude de tudo quanto existe – na
natureza ou em nossa mente: nessa teia de significados e de sensações, estamos
nós imersos, procurando desvendá-los em cada ciclo de nossas limitadas existências.
J.A.R. – H.C.
Orides Fontela
(1940-1998)
Sete poemas do
pássaro
I
O pássaro é
definitivo
por isso não o
procuremos:
ele nos elegerá.
II
Se for esta a hora do
pássaro
abre-te e saberás
o instante eterno.
III
Nunca será mais a
mesma
nossa atmosfera
pois sustentamos o voo
que nos sustenta.
IV
O pássaro é lúcido
e nos retalha.
Sangramos. Nunca
haverá
cicatrização possível
para este rumo.
V
Este pássaro é reto;
arquiteta o real e é
o real mesmo.
VI
Nunca saberemos
tanta pureza:
pássaro devorando-nos
enquanto o cantamos.
VII
Na luz do voo
profundo
existiremos neste
pássaro:
ele nos vive.
Em: “Helianto” (1973)
Voo de pássaros
(Alla Volkova:
pintora letã)
Referência:
FONTELA, Orides. Sete poemas do pássaro. In: __________. Poemas escolhidos. Organizado por Rodrigo Jorge Ribeiro Neves. 1. ed. São Paulo, SP: Nexus Produções Artísticas, 2022. p. 55-56.
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