O poeta evoca um
momento íntimo e aprazível compartilhado entre duas pessoas, numa tarde tórrida,
buscando capturar a essência de um instante fugaz de felicidade e de amor: dois
amantes, suficientemente próximos, sorvem morangos, uma fruta apetecível, com
frequência associada à indulgência e à paixão, ou melhor, à linguagem da
sensualidade.
A intimidade e a
conexão profunda entre os protagonistas, o estado de quase suspensão da
realidade exterior, a experiência sensorial e lúbrica então levada a efeito,
perduram na memória do falante, como que a deter o fluxo do tempo, para
configurar aquilo que o também poeta Vinicius de Moraes entende por infinitude,
em meio ao que é a pura chama do transitório.
J.A.R. – H.C.
Edwin Morgan
(1920-2010)
Strawberries
There were never
strawberries
like the ones we had
that sultry afternoon
sitting on the step
of the open french
window
facing each other
your knees held in
mine
the blue plates in
our laps
the strawberries
glistening
in the hot sunlight
we dipped them in
sugar
looking at each other
not hurrying the
feast
for one to come
the empty plates
laid on the stone
together
with the two forks
crossed
and I bent towards
you
sweet in that air
in my arms
abandoned like a
child
from your eager mouth
the taste of
strawberries
in my memory
lean back again
let me love you
let the sun beat
on our forgetfulness
one hour of all
the heat intense
and summer lightning
on the Kilpatrick
hills
let the storm wash
the plates
Dois jovens à mesa
(Diego Velázquez:
pintor espanhol)
Morangos
Nunca houve morangos
como os que tivemos
naquela tarde tórrida
sentados nos degraus
da porta-janela
aberta
de frente um para o
outro
seus joelhos
encostados nos meus
os pratos azuis em
nossos colos
os morangos brilhando
na luz quente do sol
nós os mergulhamos em
açúcar
olhando um para o
outro
sem apressar a festa
para chegar ao fim
os pratos vazios
deitados sobre a
pedra juntos
com os dois garfos
cruzados
e eu me aproximei de
você
dócil naquele ar
nos meus braços
abandonado como uma
criança
da sua boca ávida
o gosto de morangos
na minha memória
inclina-se de volta
deixe-me amá-lo
deixe o sol bater
sobre o nosso
esquecimento
uma hora de tudo
o calor intenso
e o relâmpago de
verão
nas colinas de
Kilpatrick
deixe a tempestade
lavar os pratos
Referência:
MORGAN, Edwin. Strawberries
/ Morangos. Tradução de Virna Teixeira. In: __________. Na estação central.
Seleção, tradução e introdução de Virna Teixeira. Brasília, DF: Editora da UnB,
2006. Em inglês: p. 22 e 24; em português: 23 e 25. (Coleção ‘Poetas do Mundo’)
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