Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Allen Shawn - Sobre a indispensabilidade na variedade de expressões e de modos humanos

O autor celebra a diversidade humana, não só a de ordem natural – como a de sexo ou de outros atributos corporais –, mas, singularmente, a que se costuma caracterizar como cultural, a traduzir toda a ampla complexidade de formas de vida, os mais distintos cuidados, toda a gente que desempenha um papel vital para a construção de um quotidiano sustentável neste mundo multíplice.

 

Com efeito, nem só de pessoas com poder de liderança militar ou habilidades artísticas vive a humanidade – nem só de cientistas, como também de filósofos e poetas; nem só dos que reprisam, mas também dos criativos e dos que inovam: é a variedade de habilidades, de personalidades e de enfoques o que enriquece a sociedade e a torna equilibrada e funcional.

 

Perceba-se que o próprio autor do pensamento – o norte-americano Allen Evan Shawn – atua em diferentes ofícios, obrando como compositor, pianista, educador e, claro está, escritor: notem-se as suas alusões a certa passagem contida no volume I da série “Em busca do tempo perdido”, nomeadamente, “No caminho de Swann”, de Marcel Proust (1871-1922) – ou seja, o menino à espera do beijo noturno da mãe –, e aos muitos e breves poemas orientais que enaltecem as belíssimas temporadas anuais de floração das cerejeiras, sobretudo no Japão.

 

J.A.R. – H.C.

 

Allen Shawn

(n. 1948)

 

So multifarious is existence that infinite varieties of attention are required to build a sustainable life within it. Those who particularly notice what is worrisome or anticipate – even to their detriment – what will be painful may be just those who notice nuances of life others might neglect. A species in which everyone was General Patton would not succeed, any more than would a race in which everyone was Vincent van Gogh. I prefer to think that the planet needs athletes, philosophers, sex symbols, painters, scientists; it needs the warmhearted, the hardhearted, the coldhearted, and the weakhearted. It needs those who can devote their lives to studying how many droplets of water are secreted by the salivary glands of dogs under which circumstances, and it needs those who can capture the passing impression of cherry blossoms in a fourteen-syllable poem or devote twenty-five pages to the dissection of a small boy’s feelings as he lies in bed in the dark waiting for his mother to kiss him good night. It needs people who can design air conditioners, and it needs people who can inspire joy.

 

Avenida das Cerejeiras

(Yoshida Hiroshi: artista japonês)

 

Tão multifacetada é a existência que são necessárias infinitas variedades de atenção para se construir uma vida sustentável dentro dela. Aqueles que se fixam particularmente no que é preocupante ou antecipam – mesmo em seu detrimento – o que haverá de ser doloroso podem ser, precisamente, os que notam nas nuances da vida o que outros poderiam negligenciar. Uma espécie em que todos fossem o General Patton não seria bem-sucedida, não mais do que uma raça em que todos fossem Vincent van Gogh. Prefiro pensar que o planeta necessita de desportistas, filósofos, símbolos sexuais, pintores, cientistas; necessita de pessoas com o coração compassivo, com o coração austero, com o coração frio, bem assim dos que têm o coração não tão resoluto. Necessita daqueles que possam dedicar suas vidas a estudar quantas gotas de água são secretadas pelas glândulas salivares dos cães em determinadas circunstâncias, e necessita também daqueles que são capazes de capturar a impressão passageira das flores de cerejeira em um poema de quatorze sílabas ou dedicar vinte e cinco páginas à dissecação dos sentimentos de um garoto deitado na cama, no escuro, à espera de um beijo de boa-noite da mãe. Necessita, em suma, tanto de pessoas que sejam capazes de projetar condicionadores de ar, quanto daquelas que têm o poder de inspirar alegria.

 

Referência:

 

SHAWN, Allen. Wish I could be there: notes from a phobic life. New York: Penguin, 2007. p. 249-250.

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