O autor celebra a
diversidade humana, não só a de ordem natural – como a de sexo ou de outros
atributos corporais –, mas, singularmente, a que se costuma caracterizar como
cultural, a traduzir toda a ampla complexidade de formas de vida, os mais
distintos cuidados, toda a gente que desempenha um papel vital para a
construção de um quotidiano sustentável neste mundo multíplice.
Com efeito, nem só de
pessoas com poder de liderança militar ou habilidades artísticas vive a
humanidade – nem só de cientistas, como também de filósofos e poetas; nem só dos
que reprisam, mas também dos criativos e dos que inovam: é a variedade de
habilidades, de personalidades e de enfoques o que enriquece a sociedade e a torna
equilibrada e funcional.
Perceba-se que o próprio autor do pensamento – o norte-americano Allen Evan Shawn – atua em diferentes ofícios, obrando como compositor, pianista, educador e, claro está, escritor: notem-se as suas alusões a certa passagem contida no volume I da série “Em busca do tempo perdido”, nomeadamente, “No caminho de Swann”, de Marcel Proust (1871-1922) – ou seja, o menino à espera do beijo noturno da mãe –, e aos muitos e breves poemas orientais que enaltecem as belíssimas temporadas anuais de floração das cerejeiras, sobretudo no Japão.
J.A.R. – H.C.
Allen Shawn
(n. 1948)
So multifarious is
existence that infinite varieties of attention are required to build a
sustainable life within it. Those who particularly notice what is worrisome or
anticipate – even to their detriment – what will be painful may be just those
who notice nuances of life others might neglect. A species in which everyone
was General Patton would not succeed, any more than would a race in which
everyone was Vincent van Gogh. I prefer to think that the planet needs
athletes, philosophers, sex symbols, painters, scientists; it needs the
warmhearted, the hardhearted, the coldhearted, and the weakhearted. It needs
those who can devote their lives to studying how many droplets of water are
secreted by the salivary glands of dogs under which circumstances, and it needs
those who can capture the passing impression of cherry blossoms in a
fourteen-syllable poem or devote twenty-five pages to the dissection of a small
boy’s feelings as he lies in bed in the dark waiting for his mother to kiss him
good night. It needs people who can design air conditioners, and it needs
people who can inspire joy.
Avenida das
Cerejeiras
(Yoshida Hiroshi:
artista japonês)
Tão multifacetada é a
existência que são necessárias infinitas variedades de atenção para se construir
uma vida sustentável dentro dela. Aqueles que se fixam particularmente no que é
preocupante ou antecipam – mesmo em seu detrimento – o que haverá de ser
doloroso podem ser, precisamente, os que notam nas nuances da vida o que outros
poderiam negligenciar. Uma espécie em que todos fossem o General Patton não
seria bem-sucedida, não mais do que uma raça em que todos fossem Vincent van
Gogh. Prefiro pensar que o planeta necessita de desportistas, filósofos,
símbolos sexuais, pintores, cientistas; necessita de pessoas com o coração
compassivo, com o coração austero, com o coração frio, bem assim dos que têm o coração
não tão resoluto. Necessita daqueles que possam dedicar suas vidas a estudar
quantas gotas de água são secretadas pelas glândulas salivares dos cães em
determinadas circunstâncias, e necessita também daqueles que são capazes de capturar
a impressão passageira das flores de cerejeira em um poema de quatorze sílabas
ou dedicar vinte e cinco páginas à dissecação dos sentimentos de um garoto
deitado na cama, no escuro, à espera de um beijo de boa-noite da mãe. Necessita,
em suma, tanto de pessoas que sejam capazes de projetar condicionadores de ar,
quanto daquelas que têm o poder de inspirar alegria.
Referência:
SHAWN, Allen. Wish
I could be there: notes from a phobic life. New York: Penguin, 2007. p. 249-250.
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